OPINIÃO

Super El Niños

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Desde que foi, oficialmente, anunciada a volta de El Niño, em 2023, e começou a ganhar espaço nos veículos de comunicação que o evento atual poderia ser um “Super El Niño”, ficou a dúvida, para muita gente, qual seria, efetivamente, o significado da expressão “Super El Niño”. Seria apenas mais um adjetivo midiático, para chamar a atenção do público, ou um conceito técnico respaldado pela comunidade científica?

Até quanto eu sei (e não significa que seja muito), a categorização de

Super El Niños foi criada por Li-Ciao Hong, no trabalho de pesquisa que deu origem à sua tese de doutorado pela Universidade Nacional de Taiwan, em Taipei, posteriormente publicado na revista Geophysical Research Letters (Geophys. Res. Lett., 41, 2142-2149, 2014, doi:10.1002/2014GL059370), sob o título “A Southern Hemisphere booster of super El Niño”, e, em 2016, no formato de livro, apenas como “Super El Niño”, na série de teses destaques da Springer (Recognizing Outstanding Ph.D. Research). O que Li-Ciao Hong identificou foi uma classe de eventos El Niños distinta, que, além da magnitude da anomalia de temperatura da superfície das águas do Oceano Pacífico equatorial e dos impactos no clima global, é marcada por um padrão de circulação atmosférica no Hemisfério Sul, nos baixos níveis, que intensifica os ventos de Oeste sobre o Oceano Pacífico. Nessa categoria, de Super El Niños, o autor citado, incluiu os eventos de 1972/73, 1982/83 e 1997/98, não casualmente os mais fortes do século XX.

De fato, os Super El Niños de Li-Ciao Hong estão entre os eventos ENSO (El Niño – Southern Oscillation) que, historicamente, foram os mais fortes, que causaram impactos socias e econômicos de vulto no mundo. Segundo estimativas de Christopher Callahan e Justin Mankin, em artigo recente, publicado na revista Science, “Persistent effect of El Niño on global economic growth” (Science, 380 1064-1069, 2023, doi: 10.1126/Science.adf2983), os Super El Niños de 1982/83 e 1997/98 custaram, pela redução do crescimento econômico das nações, cifras da ordem de US$ 4,1 trilhões e US$ 5,7 trilhões, respectivamente. Quantias nada desprezíveis. E que justificam, sim, apesar das incertezas inerentes às projeções de anomalia

climáticas, que medidas de proteção de investimentos, no mundo dos negócios, e de proteção social, na esfera governamental, não sejam ignoradas. O negacionismo científico, seja sobre as previsões de El Niño ou da mudança do clima global, que muitos replicam a partir de falas de mercadores de ilusão de ocasião, tem custo e esse custo pode ser elevado. No artigo da Science citado, Callahan e Mankin estimam que, ignorar a ligação ENSO e a mudança o clima global, se nada for feito, pode causar perdas econômicas da ordem e US$ 84 trilhões ao longo do século XXI.

Ainda que persistam dúvidas de como um Super El Niño se desenvolve e adquire as caraterísticas que o diferenciam de outros eventos El Niño, ganhou força, recentemente, o modelo proposto por pesquisadores da Universidade de Aizu, Fukushima, Japão, publicado na revista Nature Communications (Hameed et al., Nature Communications, 2018, 9:2528, doi:10.1038/s41467-018-04803-7), que faz a ligação entre o ENSO e o IOD (Indian Ocean Dipole/ Dipolo do Oceano Índico). Dessa interação, entre a fase quente do ENSO e o IOD positivo, que elimina a autolimitação, imposta pela atividade convectiva ligada ao ENSO, para intensificar o acumulo de águas quentes na porção leste do Oceano Pacífico equatorial. O IOD, ainda que negligenciado na hipótese inicial dos Super El Niños, seria um modulador da atividade do ENSO, quando na sua fase positiva (águas anomalamente frias, na porção leste do Oceano Índico equatorial, e, anomalamente quentes, do centro para o oeste, desse mesmo Oceano), auxiliando na gênese de eventos El Niños distintos, os Super El Niños, que formam um grupo, estatisticamente, separado dos demais.

E por ter sido assim, IOD positivo, nos Super El Niños de 1972/73, 1982/83 e 1997/98, que, com o anúncio da volta de El Niño, em 2023, e diante da perspectiva de IOD positivo nesse ano, aventou-se a possibilidade, em tese, de vivermos tempos de um novo Super El Niño.

 

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