Nos últimos dias observamos uma importante escalada de tensões entre Rússia e Ucrânia. Em primeiro lugar, tivemos o ataque com drones à ponte que liga a Crimeia à Rússia, reivindicado pela Ucrânia. Trata-se de uma ligação estratégica para Moscou, inclusive como ponto de apoio à guerra que empreende ilegalmente. Uma secção da ponte restou completamente destruída. Como forma de revidar o acontecimento, em segundo lugar, tivemos duas reações de Putin: 1) a suspensão do acordo de grãos do Mar Negro; e 2) o contra-ataque russo nos portos ucranianos, principalmente o de Odessa, que tem um valor estratégico significativo para Kiev, sendo o principal ponto de exportação dos grãos, mundialmente demandados.
O Acordo de Grãos do Mar Negro
Desde o ano passado, estava em curso um acordo que, mesmo durante a guerra, permitia com que a Ucrânia fornecesse os seus grãos (trigo, milho, cevada e girassol) ao mundo. Tudo isso ocorria a partir de um corredor estratégico entabulado pela Turquia, que possui uma Marinha avançada no Mar. Os grãos, ao passarem pelos estreitos de Bósforo e Dardanelos, chegavam ao Mar do Mediterrâneo, para ampla comercialização, inclusive aos países em desenvolvimento. A suspensão do acordo foi uma resposta de Putin para o ataque na Ponte do Estreito de Kerch. No mesmo dia da suspensão, os preços dos alimentos já subiam e aqui há um temor de relativa desestabilização dos mercados, com a ausência dos grãos ucranianos. Mesmo assim, o país, juntamente com as potências ocidentais, busca alternativas para não parar o fornecimento. Uma delas é fortalecer o comércio terrestre, a partir da Polônia, que vinha operando de forma reduzida, dada a logística mais complicada, que sobe o preço dos produtos, levando-se em conta que o trem na Ucrânia não possui a mesma bitola europeia. Outra alternativa, talvez mais remota, seja a de explorar a navegação pelo Rio Danúbio, muito mais adversa que a do Mar Negro, principalmente pelo tamanho das embarcações. Nos próximos dias, o mais importante será o posicionamento da Turquia. Erdogan, juntamente com a ONU, foi quem orquestrou o corredor logístico para os grãos. Nos últimos dias, com a sua barganha para entrar na União Europeia, Erdogan deu sinais de esgotamento de sua parceria relativa com Putin. Tendo uma Marinha muito mais avançada que a destacada por Moscou no Mar Negro, a Turquia terá importante papel em nova configuração geopolítica no mar.
O contra-ataque seguiu
Logo ao suspender o acordo de grãos, Putin também iniciou, em seguida, um contra-ataque à Ucrânia, notadamente ao porto de Odessa, principal via de escoamento do país. Até o fechamento desta coluna (dia 19/07/2023), ao menos dois ataques noturnos seguidos ocorreram. Eles conseguiram debilitar a estrutura do porto, bem como de alegada área de construção de drones navais, segundo a narrativa russa.
Cenários
Permanecendo o bloqueio russo aos portos, ao mesmo tempo em que são atacados, surge uma incógnita com o fornecimento de grãos, com aumento de preços e desestabilização dos mercados internacionais. Tudo dependerá da eficiência na busca de alternativas logísticas e principalmente, do papel que a Turquia adotará nos próximos dias.