Mais incrível que o trabalho pioneiro de Boris Kozo-Polyansky sobre a origem simbiôntica das células nucleadas ter sido ignorado até quase o final do século XX, fato que pode ser justificado em função da inacessibilidade à língua russa pelos cientistas anglófonos e seus seguidores, foi ele ter sido concebido antes mesmo que se tivesse um conhecimento mais efetivo da estrutura celular. É de 1924, por exemplo, a obra Symbiogenesis: a new principle of evolution, que foi traduzida do russo por Vitor Fet e publicada, em 2010, pela editora da Universidade Harvard (Harvard University Press), acompanhada de comentários e notas de Vitor Fet e Lynn Margulis. Essa publicação, em língua inglesa, resgata a importância e coloca no lugar merecido, para a biologia moderna, a obra seminal de Boris Mikhaylovich Kozo-Polyansky (1890-1957).
As ideias de Boris Kozo-Polyansky, ligando o princípio da simbiogênese com a teoria evolucionista de Darwin, foram, de início, ignoradas ou, quando não, ridicularizadas nos meios científicos. Frise-se, mais uma vez, que foram formuladas há 102 anos (num congresso de botânica, na Rússia, em 1921, ele havia tornado público a sua concepção do papel desempenhado pela simbiogênese na evolução das espécies). Portanto: antes que a estrutura celular fosse conhecida em sua plenitude, antes do uso da microscopia eletrônica, antes que os termos procariotos e eucariotos tivessem sido introduzidos pelo biólogo francês Édouard Chatton e muito antes da era da biologia molecular. Foram necessários, pelo menos, uns 50 anos para que o enfoque experimental, que faltou a Kozo-Polyansky, pudesse ser aplicado à sua hipótese e, enfim, a comunidade científica passasse a aceitar (não sem controvérsias, diga-se) que a visão dele sobre a simbiogênese, como princípio complementar à teoria de Darwin, tinha fundamento.
Um dos pilares da teoria da evolução de Darwin, o princípio seleção natural, não é suficiente, por si só, para explicar toda a complexidade dos seres vivos. Requer complementos, pois a vida é mais que uma mera luta em que sempre sobrevive o mais forte/mais apto; conforme bem expressam os versos de Tennyson: “a natureza, vermelha em dentes e garras”. E nesse particular Boris Kozo-Polyansky foi original e brilhante ao mesmo tempo, pois, a partir de informações de literatura delineou suas ideias básicas, sendo capaz de perceber que o princípio da simbiogênese, que havia sido concebido por Merezhkovsky, em 1909, poderia ser fundido com o princípio da seleção natural de Darwin, desempenhando um papel fundamental para explicar a evolução e a origem das espécies. A complexidade dos indivíduos não ocorre apenas pela via da diferenciação e aptidão, mas também pela união de organismos, em um processo de simbiose, aumentando a interdependência entre espécies e fazendo com que ocorra a emergência do novo.
O mérito de Kozo-Polyansky foi unir a simbiogênese, um processo criativo, com a seleção natural de Darwin (contempla o conceito de eliminação), que por sua vez, como o nome sugere, é de seleção e não de criação de inovação, apenas definindo aqueles que irão sobreviver e procriar. Nessa nova perspectiva, a evolução das espécies poderia se dar mais rapidamente, em poucas gerações e não mais em milhões de anos.
A simbiogênese, conforme o princípio de Kozo-Polyansky, é uma importante estratégia de sobrevivência dos organismos vivos, pois sugere que o grau mais elevado de integração de simbiontes leva a emergência de novas formas entre os seres vivos. É um princípio específico mais que uma lei geral da biologia, atuando como um fator da evolução. Por exemplo, é pela combinação da simbiogênese de Kozo-Polyansky com a teoria da seleção natural de Darwin que se pode explicar o surgimento dos eucariotes (organismos com células nucleadas), o principal ramo entre os seres vivos, em que estamos inclusos eu e você, prezado leitor.
Coluna originalmente publicada em 19 de maio de 2011.
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