OPINIÃO

Há mais coisas entre Cachoeira do Sul e Passo Fundo do que pode imaginar nossa vã filosofia

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Ainda que o título dado a esta coluna seja uma adaptação da versão mais conhecida na língua portuguesa, não necessariamente literal ou correta, da famosa passagem de Hamlet, quando, após o encontro com o fantasma do pai, o Príncipe da Dinamarca, na cena do juramento de jamais revelarem o que ali se passou, dirige-se a Horácio – There are more things in heaven and earth, Horatio, than are dreamt of in your philosophy (Há mais coisas no céu e terra, Horácio, do que foram sonhadas na sua filosofia) – ele se presta bem ao nosso intento.

Em 15 de março de 2023, quando eu estava na busca de informações sobre os irmãos jornalistas Paulo e Sérgio de Gouvêa, fiz contato com a historiadora Mirian Ritzel, de Cachoeira do Sul, que trabalha no Arquivo Histórico daquela cidade. Foi então que começamos, casualmente, a descobrir uma série de coincidências que estão a unir Cachoeira do Sul e Passo Fundo.

A primeira surpresa, para Mirian, foi a revelação que a dupla dos irmãos jornalistas, Paulo e Sérgio de Gouvêa, Paulo nascido em Cacheira do Sul e Sergio em São Vicente do Sul, cujas carreiras na imprensa, iniciadas naquela cidade, os levariam aos postos de jornalistas e Paulo também de editorialista dos jornais da Empresa Jornalística Caldas Junior, de Porto Alegre, o segundo, Sérgio, havia morrido em Passo Fundo, em 30 de julho de 1965, e aqui se encontram os seus restos mortais e alguns familiares (netos e bisnetos).

Na sequência, quando enviei a Mirian um breve histórico da literatura de Passo Fundo, onde constava que a obra Flores Incultas, de Bento Porto da Fontoura, publicada em 1875, era considerada a primeira de um autor local. Mirian se apressou a esclarecer que Bento Porto da Fontoura, em função do pai, Antônio Vicente da Fontoura (o articulador da paz entre os revolucionários Farrapos e o Império), também era reivindicado como cachoeirense. Ou que, em função de andanças da família, poderia ter nascido em Alegrete. Restava a ser esclarecida essa dúvida, que propalada como verdade por Guilhermino Cesar, no livro História da Literatura do Rio Grande do Sul, fora levada adiante pelo bibliógrafo Pedro Leite Villas-Bôas e pelo acadêmico Paulo Monteiro, entre outros. Coube a Mirian e ao jovem e talentoso historiador Alex Antônio Vanin, via consulta a uma fonte primária, o livro de registros de casamento da Igreja Nossa Senhora da Conceição, desvendar, de vez, a ligação de Bento Porto da Fontoura e Passo Fundo. Ele não nasceu aqui. Não é passo-fundense. Nasceu e foi batizado em Alegrete. De verdade nessa história, apenas que ele se casou aqui, na paróquia Nossa Senhora da Conceição, no dia 22 de maio de 1873, com Virgília Ferreira Prestes, que era irmã do advogado, líder político e militar passo-fundense Antônio Ferreira Prestes Guimarães. E assim Flores Incultas perdeu o charme, que até então gozava, ter sido o primeiro livro conhecido publicado por um autor nascido em Passo Fundo.

Dias depois, consultando o Dicionário Bibliográfico Cachoeirense, organizado por Mirian Ritzel, tive o privilégio de comunicar a ela que, na minha casa em Passo Fundo, por razões familiares indiretas, eu tinha uma enciclopédia herdada, livros diversos, livros escritos (Quimbembeques e O Filho de Deus) e quadros pintados por Alceu Masson, intelectual, nascido em Cachoeira do Sul, que pertenceu à equipe de tradutores da Livraria do Globo, por cuja casa editorial traduziu o livro Grandes Esperanças, de Charles Dickens.

Ainda, lendo a coluna de Mirian Ritzel no Jornal do Povo, intitulada Aula de Meninas, constatei que a aula de meninas da professora Ana Francisca Rodrigues Pereira funcionava num sobrado na antiga Rua da Igreja, atualmente Rua Moron. Ou seja, tal qual a nossa Rua Moron, Cachoeira do Sul também tem a sua Rua Moron.

E para encerrar essa série, que talvez não pare por aqui, nas últimas mensagens que trocamos, sobre Festa Nacional do Trigo, ficou evidenciada mais uma coincidência. A sexta edição desse evento, que iniciara em Bagé em 1951, aconteceu em Cachoeira do Sul, em 1956. A sétima foi em Passo Fundo, no marco das comemorações do nosso Centenário, em 1957. E, não casualmente, quem veio para Passo Fundo, de mudança com a família inclusive, para planejar e executar a construção dos pavilhões da 7ª Festa Nacional do Trigo, foi o cachoeirense Joaquim de Almeida Vidal, que faleceria, no ano seguinte, no dia 13 de março de 1958. No Arquivo Histórico de Cachoeira do Sul estão guardados os projetos dos pavilhões da 7ª Festa Nacional do Trigo, realizada em Passo Fundo, e farta documentação fotográfica das obras e do evento, que compõem o acervo de Joaquim Vidal.

Realmente, Horácio, há mais coisas no céu e terra, do que pode sonhar nossa vã filosofia.

SUGESTÃO DO COLUNISTA: O livro “Ah! Essa estranha instituição chamada ciência” está disponível em versão Kindle na Amazon:

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