OPINIÃO

Cidades fantasmas

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Na cidade e no campo tombam vidas de heróis do cotidiano, expulsos de suas casas, de suas famílias, de suas lidas diárias do ganha-pão. São dezenas de cidades gaúchas arrasadas pelo dilúvio. Residências, querências – com flores no singelo jardim – e animais domésticos que tentam escapar da súbita avalanche de água; telhados de casas, troncos, postes de luz, ou automóveis de roldão. Rios abruptamente sobem as barracas e parecem devorar tudo. A salvação dos ilhados é feita de angústia. Por fim, os que não puderam escapar ao furor das águas e, às dezenas, morrem imersos na correnteza. Se tudo na vida é fugaz, resta o longo pranto da devastação, das casas, das pastagens e da criação. Saber nadar já não é suficiente. Quando a chuvarada deu um tempo, alguns pontos mais altos reúnem pessoas que se encontram procurando familiares dispersos e para se mostrarem uns aos outros e dizer que sobreviveram. Quanta angústia, Deus do céu! Nas ruas, onde não se reconhece mais se ali era cidade ou vilarejo, pessoas andam absortas fugindo das águas que tudo cobrem. Pisando lama, madeiras retorcidas e material das casas destruídas, semblantes atônitos em lágrimas. Desesperadamente pedem ajuda, mas todos são vítimas castigados pela enchente. Aos poucos os primeiros abraços espontâneos e enternecidos, e o pedido de socorro. Tudo é assustador. O socorro primeiro vem dos vizinhos e parentes. As águas sobem rapidamente e a cada telhado de casa imersa levada pela correnteza, uma exclamação desesperada! Enxurrada funeral. Até domingo, eram 46 mortos espalhados pelo Rio Grande, e mais 46 desaparecidos. São dias e noites sombrios que tornam, a exemplo de Muçum, o vale das sombras e cidades fantasma.

Ajuda

É comovente o gesto da sociedade civil que atende os flagelados. As equipes da defesa civil, bombeiros, efetivos policiais e militares desdobram-se de todas as maneiras para levar ajuda, incluindo o abraço a tantos aflitos. A queda de energia, fornecimento de água, e bloqueio das comunicações aumentam a angústia. Equipes médicas e reforço dos governos estadual e federal ativam a esperança de auxílio aos municípios concentrados nos primeiros momentos da catástrofe. O vice-presidente da República em exercício, Geraldo Alckmin, veio pessoalmente ao estado, com ministros, reunindo-se ao plano de socorro do governador gaúcho, de Eduardo Leite. Alckmin anunciou recursos om imediata liberação, na ordem de 741 milhões. É hora inadiável de ombrear a força técnica e humanitária de todos, como acontece em relação a Santa Catarina, que enviou ajuda oficial.

Saúde

Certamente a prioridade é o atendimento de saúde. O frio, a lama que invadem as casas, tudo concorre para fragilizar o sistema imunológico dos mais de 25 mil de desabrigados. A base do conforto e resistência do gaúcho está no seu reduto familiar, sua casa, por mais simples que seja. É o sentido peculiar do que chamamos querência. Ali temos o mate, o fogão, comida, roupas apropriadas para enfrentar o frio. Na zona rural, mais ainda, o abrigo da moradia é o refúgio afetivo para enfrentar desafios. Com a devastação desse recôndito habitacional, casas destruídas, galpões e encerras inundadas e sem alimentação, tudo é duro golpe para os sobreviventes. Mais duro é o golpe da morte dos familiares, tragados pelas águas. O efeito avassalador das enchentes destruiu propriedades rurais, a maioria construídas ao longo de muitos anos de trabalho. Na cidade as casas, ruas e sistema de abastecimento de energia e água. É preciso muita coragem para restaurar a base de vida, a subsistência ou o emprego nas empresas atingidas.

Mata ciliar

 A previsão é de que a semana comece com novo alerta. O solo encharcado é aviso sombrio. Afinal, as matas ciliares andam raras, e os capões que protegem os rios foram eliminados. A infiltração de água de chuvaradas nas margens dos rios anda escassa. Os leitos de rios e córregos sofrem sério assoreamento. Há esperança forte de recuperação, mas é preciso que a parte dos humanos seja cumprida.    

 

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