OPINIÃO

A enchente de 41

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A enchente de 1941 deixou-nos como legados, os versos magistrais do poeta Mario Quintana – “Entrava-se de barco pelo corredor da velha casa de cômodos onde eu morava. Tínhamos assim um rio só para nós. Um rio de portas adentro. Que dias aqueles! (...) Foi também a época em que era absolutamente desnecessário fazer poemas.” – e a chamada cortina de proteção, o popular muro, que separa a Avenida Mauá dos armazéns do cais do porto, em Porto Alegre.

Os versos de Quintana são do poema Reminiscências, publicado no livro Sapato Florido, de 1948, pela Editora Globo. E o “muro da Mauá” com os seus 2.647 metros de extensão, três metros de altura e três metros abaixo do solo, foi construído entre 1971 e 1974, na gestão do prefeito Telmo Thompson Flores. O objetivo dessa cortina de proteção é resguardar a cidade de uma nova invasão do Guaíba, ao estilo da que aconteceu em 1941. Nunca foi necessário, desde então. Tentativas de sua retirada tem sido em vão, pois nenhuma autoridade pública quer assumir o ônus caso a história venha se repetir. E, como nunca é uma palavra demasiadamente forte para ser dita impunemente, nesse setembro de 2023, diante do temor de uma nova invasão das águas do Guaíba no centro de Porto Alegre, as comportas que compõem o sistema de proteção contra inundações foram fechadas; mas, não obstante as águas chegaram a atingir um trecho da Avenida Mauá.

Foram 22 dias de chuva, durante os meses de abril e maio de 1941, os responsáveis por aquela que é considerada a maior catástrofe climática vivida por Porto Alegre. O saldo foi 70 mil pessoas obrigadas a deixarem suas casas, prejuízos econômicos de toda ordem e mais de 600 empresas afetadas, levando meses paro o retorno à atividade ou até mesmo fechando suas portas em definitivo. Na visão de muitos foi uma “revolta do Guaíba contra a cidade”. A Revista do Globo, edição especial da segunda quinzena de maio de 1941, trouxe como manchete de capa “A grande enchente de 1941 – Narrativa e registro fotográfico do espantoso flagelo que assolou o Rio Grande do Sul”. Algo não muito diferente do que ora vem acontecendo na região das ilhas do Guaíba, em que centenas de moradores tem tido as suas casas invadidas pelas águas.

O intendente Cordeiro de Farias, então interventor nomeado por Getúlio Vargas no Rio Grande do Sul, pediu socorro ao presidente Vargas, que, em telegrama, se prontificou a ajudar. A declaração não assumia maiores compromissos, mas os jornais da época trataram de ampliá-la, a exemplo do Diário de Notícias que deu como manchete “Apoio total ao Rio Grande”.

O prefeito de São Paulo, Adhemar de Barros, populista de carteirinha, fez questão de doar seus honorários, repassando um cheque de “9 contos de reis”, para ajudar as vítimas da enchente na capital do Rio Grande do Sul.

O Minuano soprando sobre o leito da Lagoa/Laguna dos Patos represou o Guaíba, literalmente empilhando suas águas sobre a cidade. No dia 8 de maio, o Guaíba alcançou 4,75 metros acima do nível, configurando a maior enchente da história de Porto Alegre. Em 2023, as águas do Guaíba atingiram, na última quarta-feira (27), 3,17 metros no Cais Mauá, conforme dados da prefeitura de Porto Alegre, configurando-se no nível mais elevado depois daquele que foi atingido em 1941.

Mas, longe de ter sido um fenômeno exclusivo de Porto Alegre, quando entre 10 de abril e 14 de maio de 1941, choveu, em 22 dias, 619,4 mm, outros locais também enfrentaram problemas similares e chuvas abundantes. Em Santa Maria choveu 905,3 mm, em Soledade foram registrados 895,0 mm e em Passo Fundo 425,4 mm; nesse mesmo período.

O culpado pela enchente e 1941 seria identificado cerca de 40 anos depois: El Niño. Esse fenômeno é responsável pelos excessos de chuva no sul do Brasil, principalmente na primavera. Porém, a sua influência, em algumas ocasiões, também pode notada no outono (abril e maio). Algo parecido viria se repetir no El Niño de 1982/83. No outono de 1983, choveu tanto no RS que foi, praticamente, impossível a colheita da soja (soja chuvada ou apodrecendo nas lavouras), causando uma das maiores frustrações da agricultura gaúcha.

Um relato indispensável deste episódio, com texto primoroso e reprodução de farto acervo fotográfico daqueles memoráveis dias, pode ser encontrado no livro A enchente de 41, do jornalista Rafael Guimaraens, publicado pela Libretos, em 2009, com financiamento da Prefeitura de Porto Alegre.

SUGESTÃO DO COLUNISTA: O livro “Ah! Essa estranha instituição chamada ciência” está disponível em versão Kindle na Amazon: https://www.amazon.com.br/estranha-instituição-chamada-ciência-Borgelatria-ebook/dp/B09Q25Q8H8

 

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