OPINIÃO

Que significa uma boa previsão meteorológica?

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Não é fácil entender o significado de uma boa previsão meteorológica. Tampouco aceitar que uma boa previsão pode não ter valor. Tome-se como exemplo os acontecimentos de 2023 no Rio Grande do Sul, que deixaram um rastro de destruição e mortes, como as enchentes no Vale do Rio Taquari, no começo de setembro, e, no Litoral Norte do Estado (Maquiné e Caraá), em meados de junho, para as coisas começarem a fazer sentido.

Uma previsão meteorológica, diferentemente do que pode achar a maioria da população, não é um produto qualquer, mas sim um processo. Seja uma previsão de tempo ou uma previsão de clima, pelo menos três componentes podem ser claramente identificados. O primeiro deles diz respeito à previsão propriamente dita e envolve os serviços meteorológicos operacionais e toda a sua estrutura, desde o sistema de observação da atmosfera até os métodos empregados para a elaboração das previsões. O segundo inclui a etapa de comunicação das previsões. Que quase nunca escapa do modelo clássico, tipo: “quem diz o quê, para quem, como e com qual objetivo”. O terceiro, e não menos importante, está atrelado ao uso das previsões como ferramenta de suporte à tomada de decisões. E, mais ainda, sob a ótica dos benefícios sociais das previsões meteorológicas, estes três subprocessos devem ser sempre vistos como parte do processo maior de previsão, ocorrendo paralelamente e intimamente relacionados. Em resumo, para que as previsões meteorológicas sejam, efetivamente, úteis para a sociedade, é necessário que haja equilíbrio e êxito nas três etapas do processo de previsão.

Não há um critério único para se definir o que venha a ser uma boa previsão meteorológica. Certamente, não podem ser esquecidos os aspectos relacionados com decisões políticas importantes voltadas para a proteção de vidas e de propriedades, quando estão envolvidos eventos extremos ligados ao tempo e ao clima. Por isso, na avaliação de qualquer previsão meteorológica, pelo menos dois aspectos devem ser considerados: o índice de acerto e o valor da previsão. O primeiro deles se referindo ao sucesso (acerto) da previsão propriamente e o segundo aos benefícios econômicos e sociais associados à previsão, sua divulgação e decisões tomadas a partir dela.

Também não é apenas comparando as previsões meteorológicas divulgadas com os eventos de fato ocorridos que se avalia um processo de previsão como bom ou mau. A estrutura para este tipo de análise é mais sofisticada do que pode parecer à primeira vista, devendo ser entendida, pelo menos conceitualmente, antes de se fazer qualquer juízo de valor. Quase sempre, a comunidade científica ligada às ciências atmosféricas dá maior peso aos critérios técnicos que dão suporte ao índice de acerto da previsão. Os cientistas sociais costumam se preocupar mais com a comunicação e a decodificação das mensagens de previsão. E os políticos, ligados ao poder executivo principalmente, avaliam, e muito, os aspectos econômicos e as possíveis consequências sociais das ações tomadas. De tudo isto, resulta a tendência que se tem, muitas vezes, de ver o processo de previsão parcialmente, como uma série de partes independentes, mais do que um processo de decisões inter-relacionadas.

Apesar de toda a evolução científica da capacidade preditiva em meteorologia, ainda há problemas envolvendo previsões que não são bem-compreendidas, divulgadas de qualquer jeito ou mal-usadas. Às vezes, envolvendo todos estes aspectos ao mesmo tempo. Uma previsão tecnicamente boa, mas que não é comunicada adequadamente e/ou mal-usada pode causar mais prejuízos do que trazer benefícios para a sociedade. Também pode haver o caso que uma previsão que não seja tecnicamente tão boa, mas sendo bem-comunicada e seus indicativos bem-usados, trazer resultados positivos para a sociedade. Em resumo: apresentar um alto índice de acerto não é condição suficiente para que uma previsão tenha valor. E o contrário também pode ser verdadeiro (mesmo não sendo uma boa previsão, pode ter valor). Em termos de situação de contingência, quatro casos podem ser encontrados: (1) Previsão com alto índice de acerto e com valor, (2) Previsão com um índice de acerto não tão alto e com valor, (3) Previsão com alto índice de acerto e sem valor e (4) Previsão com baixo índice de acerto e sem valor. É claro que a situação ideal é a (1). Todo o esforço de avanços no processo de previsão meteorológica busca sempre melhorar os índices de acerto e que seus resultados tenham valor para a sociedade. Ou seja, uma previsão tecnicamente boa e que possa contribuir em alguma decisão que leve a benefícios.

Voltando ao começo deste texto, tanto no caso da tragédia da cheia no Vale do Taquari, quanto nos transtornos causados pelo anticiclone no Litoral Norte, havia previsões de muita chuva e alertas da Defesa Civil para as populações das áreas atingidas, que, pelo acerto, podem ser consideradas tecnicamente muito boas. Infelizmente não foi possível, a partir desses alertas, a tomada de alguma decisão mais efetiva que minimizasse os danos materiais causados e evitasse as mortes ocorridas. Talvez, sem esses alertas, tivesse sido pior. Esses episódios deixaram lições: a primeira, que prever o tempo é mais fácil do que prever impactos; e, a segunda, que precisamos entender uma previsão meteorológica como um processo que vai um pouco mais além da mera divulgação de uma boa previsão.

O processo de previsão meteorológica tem valor muito maior para a tomada de decisões do que uma simples escolha de sair de casa levando ou não um guarda-chuva, como supõem algumas pessoas. É informação, e o resultado, portanto o seu valor, depende do uso que se faz. Em tom de brincadeira, mas que serve muito bem para ilustrar o tema, Kenneth Arrow, matemático laureado com o Prêmio Nobel de Economia (1972), costumava contar a sua experiência como previsor meteorológico na Força Aérea Americana, na Segunda Guerra Mundial. A um grupo de previsores foi solicitado que fizessem uma previsão de tempo com um mês de antecedência. A conclusão do grupo foi de que esta previsão não seria mais precisa do que jogar uns dados e ver o que daria. Levaram isso aos seus superiores e pediram para serem dispensados do trabalho. A resposta que receberam foi a mais inusitada possível: “O comandante-geral sabe muito bem que estas previsões não são boas. Todavia, ele necessita delas para o planejamento das operações”.

(Adaptado a partir de coluna originalmente publicada em 30 de julho de 2001.)

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