OPINIÃO

O Magnífico Senhor Leitor 2023

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Em tempos de 35ª Feira do Livro de Passo Fundo, cujos organizadores tiveram a felicidade de lhe dar o codinome de Festival da Leitura, não resisti à tentação de retomar coluna que publiquei nesse espaço de O NACIONAL, em 11 de novembro de 2002, sob o título O Magnifico Senhor Leitor, para cujo trocadilho, que soa, até certo ponto, infame, mais uma vez, rogo perdão.

A coluna de 2002 fora inspirada em cena que eu presenciara, dias antes, durante passagem rápida pela feira do livro de Porto Alegre. Na ocasião, uma quinta-feira, final de tarde, parado, durante alguns segundos, na frente do pavilhão de autógrafos, e, observando a cena, onde alguns autores consagrados e outros nem tanto, gentilmente distribuíam dedicatórias e assinaturas nas suas obras, a reflexão foi inevitável. Afinal, quem é a figura mais importante nessa relação escritor-leitor? Ali, naquele momento, estava claro: o escritor era a figura central e os leitores formavam a fila dos súditos.

A questão é discutível. Um não existe sem o outro, pelo menos comercialmente. Talvez, por isso, o mais justo fosse uma troca recíproca de autógrafos. Mas, nesse jogo, entra também a questão da idolatria, e aí o assunto descamba para uma área do comportamento humano que não possuo argumentos suficientes para opinar. Para o editor e o livreiro, apesar de todas as reverências que dedicam aos escritores, o leitor é essencial na viabilização dos seus negócios. E, para o escritor, também não é muito diferente. Não basta escrever. Poucos escrevem apenas por escrever. Seja lá porque motivações escrevem, a expectativa é que alguém leia.

Eu não tenho dúvidas: o leitor é a figura mais importante nessa relação escritor-leitor. Ler é posterior ao ato de escrever. E, por mais contraditória que possa parecer essa opinião, a leitura pode ser considerada uma atitude muito mais resignada, mais civilizada e mais intelectualizada do que a escrita. Mirem-se na atenção que o consagrado grupo de professores da área de Letras da Universidade de Passo Fundo, nos áureos tempos das Jornadas Nacionais de Literatura, devotava à formação de leitores. Os projetos de sucesso, popularizados nos veículos de comunicação, atendiam por nomes tipo “Mundo da Leitura”, “Práticas leitoras ...” e tantos outros do mesmo gênero, que, torço, mesmo longe dos holofotes das Jornadas de Literatura, continuem ativos. O reflexo dessas propostas na formação dos novos estudantes das escolas de Passo Fundo é perceptível. De uma forma ou de outra, conscientes ou não, os professores acabaram internalizando essas ideias e levando-as para as salas de aula, criando a motivação e o hábito da leitura nas crianças. O quê, sem a menor sombra de dúvida, acabou por formar alunos com melhor preparo do que seus congêneres do passado. Atualmente, por razões similares, a iniciativa do "Passaporte da Leitura", que faz parte do programa "Cidade Educadora", da Municipalidade, que está distribuindo 18.000 cheques-livro de R$ 40,00 para todos os alunos da rede municipal, por “empoderar leitores seminais”, merece aplausos.

Quantas opiniões que expressamos e sobre as quais não temos qualquer outro direito que não o de leitor. Somos o reflexo daquilo que lemos, com as devidas moldagens do ambiente. E isto é válido para tudo, particularmente naquilo que escrevemos. Eis mais um forte argumento para a valorização do leitor. É a leitura diversificada que vai possibilitar a formação de indivíduos com opinião própria e capacidade de expressão de ideias. E que não se confunda leitor com comprador de livros, embora essas figuras sejam quase sempre indissociáveis. Falo em leitor no sentido amplo, desde jornais, revistas, livros etc. até bulas de medicamentos.

Andam distantes, as minhas experiências como professor. Espero que muita coisa tenha mudado, desde o final dos anos 1980. De qualquer forma, relembro a surpresa que tive quando apliquei a primeira prova: salvo honrosas exceções, a maioria dos estudantes não conseguiu expressar qualquer pensamento com alguma lógica. Nada que tivesse começo, meio, fim e um mínimo de coerência. Tempos depois, me dei conta de que alguns não sabiam mesmo era ler. Não estou dizendo que eram analfabetos, estou falando de universitários. Não sabiam ler porque não respeitavam pontuações, não faziam pausas e não respiravam de maneira correta durante as leituras em sala de aula. Lendo daquele jeito, foi fácil concluir que não entendiam aquilo que liam e, consequentemente, não conseguiam escrever.

Ah! Ia “esquecendo” de confessar, mas essa ideia de que o bom leitor é mais importante do que o escritor não é minha. Ela é de Jorge Luis Borges. Pode ser encontrada, entre outros locais, no prefácio da primeira edição da sua “Historia Universal de la Infamia”, de 1935.

SUGESTÃO DO COLUNISTA: O livro “Ah! Essa estranha instituição chamada ciência” está disponível em versão Kindle na Amazon: https://www.amazon.com.br/estranha-instituição-chamada-ciência-Borgelatria-ebook/dp/B09Q25Q8H8

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