Os versos do poema “No meio do caminho”, de Carlos Drummond de Andrade, publicado em 1928, na Revista de Antropofagia, com uma pequena adaptação, como reza a expressão popular, “cairiam como uma luva” para Napoleão Bonaparte, Edward John Smith e Adolf Hitler, afinal “No meio do caminho (deles) tinha um El Niño/ tinha um El Niño no meio do caminho; tinha um El Niño/ no meio do caminho tinha um El Niño”.
Ao contrário do que se imaginou por muito tempo, talvez não tenha sido por incompetência, erro de estratégia ou pela mão invisível da casualidade, que Napoleão fracassou na campanha da Rússia, em 1812. Tampouco foram esses os motivos que levaram Hitler, em 1942, ter o mesmo destino. Ou ainda, que o Titanic, em abril de 1912, foi, literalmente, parar no fundo do mar, pelo excesso de confiança do comandante Edward John Smith, por ganância da companhia de navegação responsável pela viagem ou por um inesperado Iceberg.
Há quem credite o desfecho desses acontecimentos históricos a efeitos de um fenômeno, naqueles tempos ainda desconhecido (ou não passando de águas quentes na costa do Equador e do Peru, denominada pelos pescadores da região de “La Corriente del Niño”, em alusão ao Menino Jesus, uma vez que, comumente, surgia nas proximidades do Natal), que, hoje, chamamos de Fenômeno El Niño.
Na campanha militar que engendrou contra a Rússia, em 1812, Napoleão, depois de entrar em uma Moscou praticamente deserta, em setembro daquele ano, com uma tropa de 128 mil homens, que, em um mês de ocupação, baixou para 96 mil combatentes, deixou a cidade, em 19 de outubro, rumo ao sul, para se aquartelar durante o inverno. No começo de novembro, as condições meteorológicas pioraram. O temido inverno russo começava a dar o ar da sua graça, ainda em pleno outono. O retorno de Napoleão para casa foi um desastre: rios congelados, os cavalos morrendo de fome. No fim de novembro, entre os dias 26 e 28, os russos atacaram por todos os lados, praticamente dizimando as tropas napoleônicas.
Duas coisas se sobressaem na campanha de Napoleão na Rússia. Por um lado, a imprudência dos franceses em invadir o país sem uma adequada segurança de suprimentos na retaguarda. E, por outro, a estratégia dos russos em deixarem a vastidão do seu território e o rigor do inverno minarem as forças dos invasores antes de concentrarem os ataques. De qualquer modo, fica uma questão chave: foi a severidade do inverno de 1812 ou a estratégia e a tática usadas pelos russos que derrotaram Napoleão? Provavelmente, ambas.
Sob o ponto de vista do clima global, no começo dos anos 1810, sobreveio um El Niño moderado, causando uma seca sem precedentes na Índia. Na Rússia, o outono desembocou num inverno severo, em poucas semanas. Essa é, hoje, uma das consequências conhecidas da transição abrupta de El Niño para La Niña, aumentando a severidade das tempestades e o rigor do clima na parte central e no norte da Europa. Em face desses argumentos, a derrota de Napoleão na Rússia pode não ter sido causada somente por ações humanas ou vontade de Deus, mas, acima de tudo, pela convergência de um El Niño fora de época e por erros de planejamento.
Tal qual uma tragédia grega, em 1942, foi a vez dos alemães terem o mesmo destino de Napoleão na Rússia, quando tentaram tomar Stalingrado. Em setembro e outubro de 1942 as ruas de Stalingrado transformaram-se em campos de guerra. Mesmo com muitas baixas dos soviéticos, os alemães não conseguiram dominar a cidade. Vendo que a batalha de Stalingrado começava a se tornar uma coisa sem sentido, com perdas de homens e gastos de materiais, Paulus e outros generais tentaram persuadir Hitler a uma retirada, antes da chegada do inverno. Hitler não se sensibilizou.
No fim de outubro de 1942, o Volga começou a congelar, dando indícios de como seria o inverno. De novembro de 1942 até janeiro de 1943, período crucial de batalhas em Stalingrado e da capitulação alemã, as condições meteorológicas foram as mais severas possíveis. Os registros indicam uma estação marcada por anomalias climáticas extremas. Hoje se sabe que a dissipação da fase quente do fenômeno El Niño Oscilação do Sul é responsável por invernos severos na Europa continental, com tempestades de neve e ondas de frio. E este foi o caso do inverno de 1942-43, que pegou em cheio a mudança de El Niño para La Niña.
Uma das particularidades de El Niño é contribuir para aumentar o número de “icebergs” que se deslocam para o sul (no Hemisfério Norte) e que esta tendência continua na primavera após um El Niño forte. E isso aconteceu no ano de 1912. Vem daí a especulação que o Titanic poderia não ter o fim trágico que teve naquele 15 de abril de 1912, não fosse a ocorrência do El Niño de 1911. Essa é mais uma tragédia da História que pode ter sido influenciada por El Niño, via uma relação entre as condições atmosféricas e oceânicas no Atlântico Norte com o comportamento das águas no distante Pacífico tropical.
Em resumo, tudo leva a crer que que no meio do caminho de Napoleão Bonaparte (1812), Edward John Smith (1912) e Adolf Hitler (1942) tinha um El Niño.
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