Os versos do poeta espanhol Antonio Machado (1875-1939), “Caminante, no hay camino, se hace camino al andar…” (Caminhante, não há caminho, se faz caminho ao andar…), assumidamente pelo sociólogo Edgar Morin, que afirma não se cansar de citá-los, serviram de inspiração para a construção dessa obra monumental que se chama “O Método”. Inclusive porque, etimologicamente, método significa caminho. E foi o caminho que o levaria ao novo paradigma da complexidade que, no final dos anos 1960, depois de uma temporada nos Estados Unidos da América, onde teve contato com pensadores adeptos da cibernética e das ciências sistêmicas, que Edgar Morin começaria a trilhar, levando 30 anos para a construção dos seis tomos que formam “O Método”.
Pensar o mundo em termos do paradigma da complexidade é, no mínimo, respeitar a natureza multidimensional dos problemas e aceitar as contradições irredutíveis que os questionamentos profundos suscitam. Começando por desfazer o entendimento equivocado que muitos têm e dão à palavra complexo, como sendo algo complicado, confuso, contraditório ou que não se pode descrever e nem explicar, em lugar do significado latino de complexus como representando aquilo que é tecido em conjunto. Quando começou a escrever “O Método”, Edgar Morin, é bem provável, não imaginava que o resultado do seu esforço intelectual o levaria até o método da complexidade. Foi o método (o caminho), como insinuam os versos de Antonio Machado, que o fez chegar, progressivamente, ao longo de seis tomos e 30 anos de estudo, repita-se, à consciência plena do desafio da complexidade.
Na visão clássica, o universo é ordenado e obedece a leis deterministas. A desordem, quando aparente, é tão somente devida a nossa ignorância, que se manifesta na forma de aporias, ou seja, por uma mera impossibilidade lógica de associação. Em geral, no pensamento clássico em ciência, quando diante de uma contradição, parte-se do princípio que há erro. Os físicos quânticos revolucionaram a mecânica clássica quando tiveram a coragem de afrontar (e aceitar) a contradição que envolvia o dualismo onda e partícula.
O progresso da ciência via a fragmentação em disciplinas, usando e abusando do método cartesiano é inegável; embora, reconhecidamente, tenha suas limitações. A separação dos diferentes domínios do conhecimento implica em disjunção e redução. E quando se reduz a compreensão de um conjunto ou de um todo ao conhecimento das partes, não se considera que o todo pode ter qualidades que não se encontram nas partes (emergências). Pascal já havia destacado que todas as coisas sendo ajudadas e ajudantes, causadas e causantes e tudo estando ligado por um laço natural e insensível é impossível conhecer as partes sem conhecer o todo assim como é impossível conhecer o todo sem conhecer particularmente as partes. Alimentar a separação entre o observador e o objeto observado, entre o animal e o homem, a natureza e a cultura é uma espécie de resignação à ignorância.
Edgar Morin destaca a necessidade de ir além das visões estreitas e limitadas das ciências singulares, uma vez que a realidade transcende as fronteiras das disciplinas e das especializações. A grande questão é como transgredir as fronteiras entre as disciplinas sem, contudo, ultrapassar os limites do entendimento? O método da complexidade busca a superação de obstáculos, lógicos ou circulares, enciclopédicos e epistemológicos, com base nos princípios recursivo (permite reconhecer processos, produtos e efeitos), hologrâmico (reconhecer que não só a parte está no todo, mas que o todo está na parte) e dialógico. Pela dialógica, diferenciando-se da dialética hegeliana, em que as contradições são superadas pela referência a uma unidade superior, os antagonismos permanecem e são complementares, constituindo, de algum modo, as forças motrizes dos fenômenos complexos.
Por último, cabe dizer que Popper ainda é indispensável para a compreensão de que uma teoria científica não existe como tal senão na medida em que aceita ser falível, submetendo-se, pelo teste de hipóteses (teórica ou experimentalmente) à possibilidade de ser falsa. A grande contribuição deixada pelos pensadores sistêmicos e adeptos do paradigma da complexidade foi o entendimento de que a ciência, mesmo sendo um domínio de muitas certezas, não é, de forma alguma, o reino da certeza absoluta.
(Coluna originalmente publicada em 30/09/2010.)
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