OPINIÃO

Joaquim X José

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Dois nomes (quase) sagrados na literatura brasileira, Joaquim Maria Machado de Assis (1839-1908) e José de Alencar (1829-1877), post mortem de ambos, de tempos em tempos, têm sido vistos imersos na querela de uma disputa pela paternidade de um filho, Mário de Alencar (1872-1925), que, até essa história ter se tornada conhecida, pela pena do escritor Humberto de Campos (1886-1934), primeiro em crônica, na revista O Cruzeiro, e, após a morte dele, no livro “Diário Secreto”, não havia sido cogitada, nem por eles e nem por ninguém, pelo menos publicamente.

Humberto de Campos relatou, em crônica, repleta de insinuações veladas (ou nem tanto, uma vez que deu as iniciais J. de A. como as do suposto marido traído), que recebeu a informação “bombástica” do seu médico, o Dr. Afonso Mac-Dowell, que lhe revelou que M. de A., alusão que podia ser tanto ao diplomata Magalhães de Azeredo quanto a Mário de Alencar, que este seria, na verdade, filho de Machado de Assis. A mesma testa, o mesmo cabelo crespo e alguns tiques os identificavam. Inclusive, para reforçar a tese, a exemplo de Machado, M. de A. também sofria de epilepsia. E mais, Mário de Alencar, um poeta parnasiano de pouco brilho, contou com o beneplácito da advocacia administrativa de Machado de Assis, quando do seu ingresso na Academia Brasileira de Letras. Machado de Assis, sempre tão reservado na vida particular, não dispensava, na velhice, a companhia de Mário de Alencar, a quem dedicava atenção especial do tipo “de pai para filho”.

Teriam os nossos principais literatos do século XIX protagonizado um triângulo amoroso? O realismo de Machado teria sido mais sedutor do que o romantismo de Alencar? “Dom Casmurro” seria uma “autobiografia” literária do Bruxo do Cosme Velho? Georgiana Cochrane de Alencar, a esposa de José de Alencar, guardaria alguma similaridade com Maria Capitolina de Pádua Santiago, a instigante Capitu? Afinal, houve ou não houve adultério em “Dom Casmurro”? Quem era o pai de Ezequiel? Ficção machadiana, no caso dessa história ser verdadeira, seria as palavras finais de “Memórias póstumas de Brás Cubas”, as bem-conhecidas “Não tive filhos. Não transmiti a nenhuma criatura o legado de nossa miséria”.

Em 1999, nos rastro das comemorações do centenário de “Dom Casmurro”, o jornal Folha de S. Paulo promoveu o julgamento “jurídico e literário” de Capitu. O então ministro do STF, José Paulo Sepúlveda Pertence, presidiu o júri. O advogado (depois ministro da Justiça) Márcio Thomaz Bastos foi o encarregado da acusação. Os escritores Carlos Heitor Cony e Marcelo Rubens Paiva atuaram como testemunhas de acusação. A defesa ficou a cargo de Luiza Nagib Eluf, procuradora de Justiça em São Paulo. E alçados a testemunhas de defesa, o historiador Boris Fausto e a escritora Rosiska Darcy de Oliveira. Thomaz Bastos pediu a condenação de Capitu com base no conjunto de indícios que daria verossimilhança à tese de adultério. Cony e Rubens Paiva sustentaram teses pouco louváveis, atualmente, para justificar o adultério, que Bentinho seria um chato e que tinha pendores homossexuais. No final, prevaleceu a absolvição não apenas por insuficiência de provas, mas, acima de tudo, pela inconstitucionalidade dos dispositivos legais do século XIX, à luz da ordem constitucional vigente no final do século XX. No entanto, o sentimento, que ficou no ar, foi de que Maria Capitolina de Pádua Santiago, a Capitu, apesar de absolvida, realmente traiu Bento Santiago com o amigo Escobar, no tocante à paternidade de Ezequiel. Gênio esse Machado de Assis!

O julgamento de Capitu, quase custou o ingresso de Carlos Heitor Cony na Academia Brasileira de Letras. Os acadêmicos não gostaram da repercussão de colunas publicadas por Cony, após o referido julgamento, considerando-as um “achincalhe” à memoria de Machado de Assis. O que não faltou, a partir das colunas de Cony, foi a transposição do enredo de “Dom Casmurro” para a vida real e o suposto triangulo amoroso que envolveria o Bruxo do Cosme Velho, José de Alencar, Georgiana e, como fruto desse relacionamento, Mário de Alencar. Carlos Heitor Cony teve de vir a público para explicar que a história não foi criada por ele, mas sim por Humberto de Campos, também membro da Academia Brasileira de Letras, e o impasse foi resolvido.

O assunto não é novo. Tem sido usado como enredo ficcional para livros como “A filha do escritor”, de Gustavo Bernardo, de 2008, e “O filho de Machado de Assis”, do escritor mineiro Luiz Vilela, de 2016. O caso é atrativo porque, como reza o provérbio italiano, “se non è vero, è ben trovato”.

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