A caminhada de solidariedade à gente abandonada, os paupérrimos e desconectados com acesso à vida digna, assumida pelo padre Júlio Lancelotti, que saiu do anonimato ganhou notoriedade pela difusão nas redes sociais. A luta pelos oprimidos, passou a idealizar um apelo de fraternidade para socorrer famintos, descarrilados da conduta social, viciados, discriminados pelo racismo, e principalmente por serem pobres, miseráveis. A forma direta de acolhimento, oferecendo pão, água, vestimenta, e um abraço, desafiou a sociedade e a governança. Na verdade, nem os apelos frenéticos utilizado em palanques eleitorais chegaram a tanto. As promessas, mesmo as mais mentirosas, nunca chegariam a tanto. O religioso vem procedendo assim há longo tempo, mas recentemente encetou posicionamento contrário aos obstáculos de concreto, da engenhosa omissão oficial, em baixo dos viadutos, para eliminar qualquer chance dos homens e mulheres abrigarem-se. Tudo em nome da preservação do bom visual desses soturnos logradouros. Os bancos das praças e marquises nas calçadas já estavam lotados, além das ordens de despejo da tétrica hotelaria.
Intrusos
Mas, afinal, quem são esses intrusos que surgem em todos os pontos da cidade, ocupam ruas, calçadas e querem dormir debaixo dos viadutos? E mais, surge, agora um líder protetor afirmando que eles devem ser considerados com a mínima dignidade, precisam receber comida, água potável e lavar o corpo! A maioria deles nem trabalha. Muitos estão doentes, passam frio e fome. O Lancelotti está ficando louco, e já diz que todos são filhos de Deus. Mas o que é isso? O mesmo Deus de nós, ricos, classe média ou remediados? Só falta gritar aos quatro ventos que a Constituição Federal do Brasil diz que todos têm direito a vida digna.
Palavra e pão
A pregação do padre, antes de falar palavras, vem precedida de atitudes concretas. Pão para tantos quantos nada têm. E agora José? O apelo da nobre população metropolitana é para limpar as ruas. E a presença de mendigos, pela convenção das elites dirigentes, é a sujeira intrigante.
Segurem o Júlio
O problema da miséria, esta infâmia dos maltrapilhos, urge atitude urgente e severa do poder, seja pela defesa da pátria, liberdade, ordem, família ou propriedade. Eles invadem as praças e pedem comida, remédio, coberta e já tomaram conta dos escaninhos em viadutos. Então essas forças levantaram-se, nominadas ou anônimas e definiram a prioridade: Calar a voz e os apelos do padre Lancelotti que parece juntar mais gente na cooperação de sua causa. E assim decidiram as correntes socialmente esdrúxulas, para combater o que consideram um mal que pode ficar fora do controle. Alguns já não escondem mais o que pensam e não entendem que essa gente vai querer dignidade e, quem sabe, até um lugar pra morar!
Não precisa
Algumas manifestações de pessoas mais sensíveis insistem em sair em defesa do padre Júlio, em gestos calorosos, às vezes mais francos, corajosos e cristãos do que parte das elites presbiterais. Aliás, quem precisa ser defendido são os desgraçados desta vida, em todos os quadrantes do país revirando lixo para sobreviver. Lancelotti terá forças para sobreviver às pressões para se calar? Ou será que vão eliminá-lo literalmente, como fizeram lá como homem da Galileia? São Francisco morreu, Marielle foi eliminada, Mandela ficou vinte anos encarcerado, Cristo sacrificado sob aplauso dos fariseus, líderes escravos esquartejados, por quererem viver em liberdade. O padre Júlio vai viver perigosamente por mais algum tempo. De repente pode sumir do cenário, ou ser morto pelo ódio dos malsinados, como o foi a religiosa Dorothy, assassinada por predadores grileiros que não admitiam a vida de uma religiosa defendendo sobreviventes de pequenas propriedades e o meio ambiente. Por isso algo fecundo e virtuoso, já tentado por muitos, começa a acontecer. Júlio Lancelotti ou quem quer que seja, mas uma multidão começa a ver o próximo desalojado, com verdadeira fraternidade.