Quando historiadores profissionais se debruçam sobre acontecimentos históricos que, aparentemente, estariam bem-esclarecidos, não raro, interpretações e fatos novos são trazidos à luz. Pois esse é o caso dos atos de protestos que marcariam, indelevelmente, Passo Fundo, nos primeiros dias de fevereiro de 1979. A popularmente denominada Revolta dos Motoqueiros, como ficou conhecido o episódio, que, desde aqueles idos tempos, tem sido objeto de análises dos mais variados tipos, principalmente memorialísticas, opinativas, jornalísticas ou ficcionais (caso do livro Revolta dos Motoqueiros, do jornalista Leandro Malósi Dóro, publicado em 2006), porém, até então, nunca com o “olhar” de historiadores e suas ferramentas de pesquisa, como fizeram Alex Antônio Vanin e Roberto Biluczyk, estudantes do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade de Passo Fundo.
Em artigo publicado na revista Oficina do Historiador, que é editada pela Escola de Humanidades da PUCRS, v.13, n.1, p.1-10, jan.-jun. 2020 (http://dx.doi.org/10.15448/2178-3748.2020.1.34213), Vanin e Biluczyk foram além das costumeiras revisitações das reportagens jornalísticas produzidas naqueles conturbados dias, que, de costume, marcam a efeméride nas hostes locais, e buscaram o que havia, sobre a chamada Revolta dos Motoqueiros, nos arquivos, atualmente livres para consulta, do Serviço Nacional de Informações (SNI), órgão que foi implantado pelo regime de exceção que vigorou no Brasil entre 1964 e 1985. E o que encontraram surpreendeu. Uma interpretação dos agentes da repreensão algo diferente, mas não necessariamente correta, da que foi construída na época e que, em boa parte, ainda vigora.
A revolta popular teria iniciado quando, no final da tarde do dia 5 de fevereiro de 1979, o mecânico Clodoaldo Teixeira, menor de idade (17 anos) e pilotando uma motocicleta, furou uma barreira da Brigada Militar, no centro da cidade, saindo em fuga rumo à sua residência na Vila Annes. O fato desencadeou a perseguição de uma patrulha da Brigada Militar, composta por um cabo e dois soldados. Ao se aproximar da sua residência, Clodoaldo seria atingido, pelas costas, por um disparo de arma de fogo efetuado por um dos policiais, vindo a óbito antes mesmo de receber socorro médico. A comoção popular começou a tomar conta da cidade, com uma multidão acompanhando o enterro de Clodoaldo até o Cemitério do Bairro Petrópolis. E uma vez que Clodoaldo foi morto na condição de motociclista, os protestos começaram pelos integrantes do Passo Fundo Moto Clube, muitos deles amigos da vítima, e se espalharam pela cidade. Infelizmente, mais duas mortes, atreladas aos protestos, ainda aconteceriam.
Instalara-se em Passo Fundo, naqueles conturbados dias de fevereiro de 1979, um caso de “perturbação da ordem pública”, na visão dos agentes do SNI. O início da abertura política no País, que, com a Emenda Constitucional nº 11, de 13 de outubro de 1978, ao revogar os atos institucionais e complementares contrários à Constituição Federal, e que passou a vigorar partir de 1º de janeiro de 1979, facultou a organização dos protestos. O comando local da Brigada Militar perdeu o controle do movimento. Os protestos na cidade avançaram nos dias seguintes. Ao tentarem invadir o Quartel do Comando de Policiamento da Área-3 (CPA-3), localizado na frente da Prefeitura Antiga, os populares foram recebidos com tiros. Morreu, na ocasião, o operário Adão Faustino, 19 anos, e foi ferido o jovem Joceli Joaquim Macedo, 17 anos, que viria a falecer dias depois. A situação somente arrefeceria com a intervenção do Exército, por meio do 3º Regimento e Cavalaria do município, e com a troca do comando local da Brigada Militar pelo Governo do Estado.
A novidade, trazido pela pesquisa de Alex Antônio Vanin e Roberto Biluczyk, é que, ao se tomar por base os relatórios dos agentes do SNI, na visão deles, frise-se novamente, não teria sido uma revolta de motoqueiros (uma única referência foi feita sobre a participação de motociclistas no movimento) e sim de “agitadores”, cidadão locais que, por razões diversas, possuíam registros antecedentes de investigação no SNI. Os “agitadores” da opinião pública em Passo Fundo, segundo o SNI, seriam os jornalistas Hélio Freitag, Argeu Santarém e Ivaldino Tasca; os vereadores Ulisses Vieira Camargo e Ivo Pacheco, do MDB, e, para surpresa, Alberti dos Santos, da ARENA; acrescidos, posteriormente, do professor Edu Pimentel, taxado como líder do ataque ao CPA-3. Mas, por razões que a própria razão desconhece, o jornalista Tarso de Castro, figura por demais conhecida do SNI, pela atuação em O Pasquim e na Última Hora, que, não ocasião, em passagem pela cidade, foi o comandante das principais reportagens publicadas por O NACIONAL sobre o movimento, não apareceu como um dos “agitadores” da perturbação em Passo Fundo.
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