OPINIÃO

LUZ NA CAVERNA

Os livros iluminam nossa caverna e diminuem nossa cegueira.

Por
· 2 min de leitura
Você prefere ouvir essa matéria?
A- A+

Montaigne: morrer bem

Um dos capítulos mais conhecidos dos “Ensaios de Montaigne é aquele em que ele desenvolve uma das suas maiores preocupações, que é “morrer bem”. O caráter inevitável e imprevisível da morte justifica, segundo ele, que ela seja meditada com antecedência. Refletir sobre a morte seria um aprendizado do “viver bem”.

 

Filosofar é preparar-se para a morte

Montaigne cita Cícero (106-43 (a.C.), político e filósofo romano, que disse que filosofar não é outra coisa senão preparar-se para a morte. E o desprezo pela morte “fornece à nossa vida a mansa tranquilidade”. A morte nos amedronta, sendo assim “um contínuo motivo de tormento que nada consegue aliviar”. “É incerto onde a morte nos espera, aguardemo-la em toda parte. Meditar previamente sobre a morte é meditar previamente sobre a liberdade. (...) Não há nenhum mal na vida para aquele que bem compreendeu que a privação da vida não é um mal. Saber morrer liberta-nos de toda sujeição e imposição.”

 

O remédio do vulgo é não pensar nela

Sendo a morte o fim previsível de nossa caminhada, ela nos apavora. Como não ser tomado pela ansiedade em razão desse pavor. “O remédio do vulgo é não pensar nela. (...) Amedrontamos nossa gente só em mencionar a morte, e a maioria se persigna, como diante do nome do diabo”. Os romanos, para suavizar a referência à morte, diluíram-na “em perífrases”. Em vez de dizer “ele morreu”, eles diziam “ele parou de viver”. Em nossos dias utiliza-se uma expressão bastante curiosa: “fulano veio a óbito”.

 

Várias formas de morrer

A morte, além de inevitável, nos pega de várias maneiras. “Devemos estar sempre com as botas calçadas e prontos para partir”, diz Montaigne. Filipe, filho de Luís VI, o Gordo (1081-1137) morreu quando um porquinho atropelou seu cavalo numa rua de Paris. Um desafortunado morreu quando a carapaça de uma tartaruga escapou das garras de uma águia. Montaigne cita vários exemplos, dentre eles uns que morreram “entre as coxas das mulheres”. E, exemplo ainda pior, diz ele, “um de nossos papas”. Outro morreu jogando “pela”, uma espécie de jogo de raquetes, aos 23 anos. Tomou uma bolada acima da orelha direita.

 

Enfrentemos a morte

“Se a morte fosse um inimigo que se pode evitar”, Montaigne diz que “aconselharia empregar as armas da covardia; mas já que não se pode, já que ela nos agarra, tanto ao fugitivo e ao poltrão como ao homem de honra, (...) aprendamos a arrostá-la de pé firme e a combatê-la”. Tiremos dela a sua grande vantagem, tomando “um caminho oposto ao comum. Tiremos-lhe a estranheza, frequentemo-la, acostumemo-nos com ela”. Assim, por exemplo, faziam os egípcios, “que no meio de seus festins e entre seus melhores banquetes mandavam vir a anatomia seca (múmia) de um homem para servir de advertência aos convivas. (...) Bebe e alegra-te, pois morto serás como este”, diziam.

Gostou? Compartilhe