OPINIÃO

LUZ NA CAVERNA: Os livros iluminam nossa caverna e diminuem nossa cegueira.

Por
· 3 min de leitura
Você prefere ouvir essa matéria?
A- A+

A morte do meu amigo Ilênio

O cientista Jorge Wagensberg (1948-1918), físico espanhol, disse que a morte é a mais surpreendente de todas as notícias previsíveis. Mesmo assim, embora previsível, a notícia da morte de meu amigo causou um doído impacto. Nessas horas, a gente fica meio sem saber o que dizer para os queridos do amigo que se foi. Devemos lamentar a morte ou celebrar a vida? Talvez as duas coisas. Para não ter morrido ele não poderia ter existido. E a existência dele foi preciosa para todos que tinham afeto por ele. E sem ele não existiriam seus filhos, a Marta Cristina e o Leonardo. E nem Bernardo, o neto.

 

Somos afortunados porque vamos morrer

Richard Dawkins, biólogo inglês, autor de um livro clássico da ciência, “O Gene Egoísta”, escreveu algumas palavras que ele afirma querer que sejam lidas em seu funeral. Diz ele: “nós vamos morrer, e isso nos torna afortunados. A maioria das pessoas nunca vai morrer, porque nunca vai nascer. As pessoas potenciais que poderiam estar no meu lugar, mas que jamais verão a luz do dia, são mais numerosas que os grãos de areia da Arábia. Certamente esses fantasmas não nascidos incluem poetas maiores que Keats, cientistas maiores que Newton. Sabemos disso porque o conjunto de pessoas possíveis permitidas pelo nossa DNA excede em muito o conjunto de pessoas reais. Apesar dessas probabilidades assombrosas, somos eu e você, com toda a nossa banalidade, que aqui estamos... Nós, uns poucos privilegiados que ganharam na loteria do nascimento, contrariando todas as probabilidades, como nos atrevemos a choramingar por causa do retorno inevitável àquele estado anterior, do qual a enorme maioria jamais nem saiu?”

 

A morte faz parte da vida

Por mais que a gente procure consolo, pensando que a morte não é o oposto da vida, mas uma de suas partes constituintes, a perda de uma pessoa querida sempre nos causa dor. Na música All my trials, sucesso na voz de Joan Baez, a mãe diz para o filho: Hush little baby, don't you cry. You know your mama was born to die. (Calma, querido, não chore, você sabe que sua mãe nasceu para morrer.)

Henry Marsh, neurocirurgião britânico, diz que a morte forma parte da existência. “Quando me diagnosticaram o tumor fiquei obcecado, até que pensei: tenho 73 anos e tive uma vida difícil, porém longa e boa. Pensei nos meus pacientes jovens que morreram. E em seus pais que nunca os conheceriam adultos. É irracional preocupar-se por algo que, faças o que faças, sucederá. Por isso vivemos o presente.”

A propósito, Henry Marsh é autor do livro “Sem Causar Mal: Histórias de vida, morte e neurocirurgia”, traduzido para quase 40 idiomas e escolhido como um dos melhores livros do ano pelos jornais The New York Times, Washington Post e pela revista The Economist.

 

A morte dá valor à vida

Arturo Pérez-Reverte, jornalista e escritor espanhol, diz que aprendeu muito jovem que iria morrer e que morrer é muito fácil. “Vivi toda a vida sabendo que podia morrer. Não é uma consciência dramática. A morte está sentada aqui como a vida está sentada aqui. São companhia. Se eu souber que vou morrer, vou viver de outra maneira, muito mais rica. Tudo é mais substancial, mais intenso, porque se sabe que pode ser a última vez. E é assim. E há outra coisa: saber que quando já não for capaz de resistir a isto, posso ir. A morte é maravilhosa, porque nos permite terminar quando isto deixar de ser satisfatório, de ser interessante, quando for aborrecido, insuportável, doloroso. A certeza da morte é muito boa, mas educamos as crianças para que ignorem a morte, e quando a morte ronda ficam indefesas.”

(Arturo Perez-Reverte)

 

A morte ensina sobre a beleza e a doce pungência da vida

Carl Sagan (1934-1996), cientistas e humanista, dizia que a experiência de quase ter morrido ensinou muitas coisas a ele. Aprendeu “sobre a beleza e a doce pungência da vida, sobre a preciosidade dos amigos, e da família e sobre o poder transformador do amor.” Quase morrer, escreveu ele, “é uma experiência tão positiva e construtora do caráter, que a recomendaria a todos – não fosse, é claro, o elemento irredutível do risco. Gostaria de acreditar que, ao morrer, vou viver novamente, que a parte de mim que pensa, sente e recorda vai continuar. Mas, por mais que deseje acreditar nisso, e apesar das antigas tradições culturais difundidas em todo o mundo que afirmam haver vida após a morte, não sei de nada que me sugira que essa afirmação não passa de wishful thinking. (...) A meu ver, em nossa vulnerabilidade é muito melhor encarar a morte de frente e agradecer todos os dias pela oportunidade breve, mas magnífica que a vida nos concede.”

(Carl Sagan, Bilhões e Bilhões: reflexões sobre vida e morte na virada do milênio)

Gostou? Compartilhe