OPINIÃO

Controvérsias

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 Christopher Hitchens, no livro “Cartas a um jovem contestador”, disse que quando discutimos com um religioso ou um ideólogo, ambos muito convictos de suas crenças, notamos que a autoestima e o orgulho deles estão envolvidos no debate e que você está lhes dizendo para abandonar algo mais que um ponto de vista. Daí, por exemplo, que Charles Darwin disse que tentou durante toda sua vida seguir o conselho de Charles Lyell, geólogo britânico, de “não se envolver nunca em nenhuma controvérsia, pois isto raramente traria benefícios e fazia perder miseravelmente o tempo e o bom humor”. (In Daniel Boorstin, Los Descubridores)


Uma voz pequena, mas poderosa

No entanto, como disse Sigmund Freud, criador da psicanálise, “a voz da razão é pequena, mas muito persistente.” Karl Popper sabia que, num debate entre dois antagonistas equivalentes, era difícil que algum deles obtivesse êxito em “converter” o outro. Porém, também é raro, que, numa discussão apropriada, os antagonistas não influenciem um ao outro. Jonathan Haidt, no livro “A Mente Moralista: por que pessoas boas são segregadas por política e religião”, reconhece a dificuldade das discussões, mas pretende mostrar aos leitores que é possível abrandar um pouco do fervor, da raiva e da discórdia das controvérsias políticas e religiosas e substituí-las por admiração, encantamento e curiosidade.

Haidt lembra um dito de Baruch Spinoza: “Procurei escrupulosamente não rir, não chorar, nem detestar as ações humanas, mas entendê-las”. O economista Joseph Schumpeter escreveu que “na economia, assim como na política, uma sólida convicção é, não raro, falta de informação. Ou de imaginação."


Um livro que deveria ser lido

 No Brasil de hoje, com tanta discussão acirrada, algumas até violentas, o livro de Jonathan Haidt, citado acima, traria mais luz, lucidez e tolerância às nossas controvérsias. Mostra que existem bons motivos para não nos sentirmos ofendidos toda vez que nos acaba o humor e a razão,


Tudo deve ser submetido ao crivo da razão

George Orwell achava que era necessário ser capaz de dizer às pessoas o que elas não querem ouvir. John Stuart Mill, considerado por muitos como o filósofo de língua inglesa mais influente do século XIX, disse que, mesmo que todos nós tenhamos uma proposição inicial, seria fundamental dar ouvidos àquele indivíduo que não concordasse. John Milton, poeta inglês, autor do poema épico “Paraíso Perdido”, proclamou que aquilo que se acredita ser o certo deve ser exposto aos questionamentos, mesmo dos equivocados, porque apenas num confronto aberto e franco o certo poderia pretender ou esperar o reconhecimento.

 

A melhor sociedade (ou a menos ruim?)

A propósito de nossas controvérsias, deveríamos seguir o exemplo do grande sociólogo e analista político francês, Raymond Aron: devemos escolher a sociedade em que há diálogo. “Esse diálogo deve ser, tanto quanto possível, razoável, mas aceita as paixões ardentes, aceita a irracionalidade: as sociedades de diálogo são uma aposta na humanidade”, ao contrário dos regimes autoritários e totalitários, que não aceitam a diversidade e pluralidade de valores, os quais se baseiam “na falta de confiança nos governados, na pretensão de uma minoria de oligarcas de ter a verdade definitiva para si mesmos e para o futuro.” (Aron, O Espectador Engajado)


Regimes constitucionais-pluralistas

Democracia é uma palavra contaminada pelas batalhas ideológicas. Parece mais objetivo usar a expressão “regimes constitucionais-pluralistas” para definir as sociedades modernas que aceitam o diálogo. Constitucionais, porque o poder reside na lei (rule of law); pluralistas, porque aceitam os diversos e diferentes valores existentes na sociedade. Quando não se aceita o pluralismo a tendência é que os conflitos de valores deslizem para a violência. Um exemplo disso, dentre tantos, são as guerras religiosas. No livro “As Viagens de Gulliver”, de Jonathan Swift, no Reino de Lilliput, um conflito foi provocado pela maneira “correta” de quebrar os ovos, entre aqueles que quebravam seus ovos na extremidade maior e aqueles que quebravam na extremidade menor.

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