OPINIÃO

CREDULIDADE, CETICISMO E CIÊNCIA (Segunda Parte)

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Todos temos crenças e 7 x 7 é 48.

Na semana passada tratamos da “credulidade”. Todos temos crenças, não poderíamos viver sem elas. Entretanto, muitas delas são fantasiosas, superstições absurdas. Um exemplo de crença ilusória, curiosa e engraçada, foi exposta pelo físico Leonard Mlodinow (1954-) no livro “O Andar do Bêbado: como o acaso determina nossas vidas”, livro que aconselho com entusiasmo. Escreve Mlodinow que um homem ganhou na loteria nacional espanhola com um bilhete que terminava com o número 48. Orgulhoso, o ganhador revelou o que fez ele ganhar a fortuna. Disse ele que sonhou com o número 7 por 7 noites consecutivas e que 7 vezes 7 é 48. “Quem tiver melhor domínio da tabuada talvez ache graça do erro, mas todos nós criamos um olhar próprio sobre o mundo e o empregamos para filtrar e processar nossas percepções, extraindo significados do oceano de dados que nos inunda diariamente. E cometemos erros que, ainda que menos óbvios, são tão significativos quanto esse.” A mente humana, diz Mlodinow, foi construída para identificar uma causa definida para cada acontecimento, podendo assim ter bastante dificuldade em aceitar a influência de fatores aleatórios ou não relacionados. Nosso cérebro parece ter dificuldade para aceitar que “circunstâncias fortuitas” sejam responsáveis por grande parte, senão a maioria, dos acontecimentos de nossas vidas.

 

Credulidade nos esportes: competência do técnico

 Nos esportes também criamos “uma cultura na qual, com base em sensações intuitivas de correlação, o êxito ou o fracasso de um time é atribuído em grande medida à competência do técnico. Por isso quando um time fracassa, normalmente o técnico é demitido. A análise matemática das demissões em todos os grandes esportes, no entanto, mostrou que, em média, elas não tiveram nenhum efeito no desempenho da equipe.” Leonard Mlodinow cita, a respeito, uma série de estudos sobre basquete, futebol, beisebol e futebol americano.

 

Comentários hilários sobre vinhos.

 Comentários sobre vinhos costumam ser absurdos e insensatos. Pesquisei num aplicativo de vinhos um vinho de não muito status, daqueles que você pode tomar sem que teus amigos saibam. Se você tomar um vinho de dois mil reais é preciso que eles fiquem sabendo ou então você dá um jeito de colocar no Facebook, no Instagram e no WhatsApp. O vinho que pesquisei no aplicativo é vendido por 89 reais, mas você consegue o mesmo por 50 reais. Comentários sobre esse vinho “plebeu”, feito por seus consumidores, revelam que eles sentiram 20 sabores: baunilha, carvalho, chocolate, ameixa, amora, fruta preta, cereja, framboesa, frutas vermelhas, pimenta, canela, alcaçuz, couro, terroso, fumo, folha de tomate, pimenta verde, avelã, queijo. Woody Allen também aprecia um vinho, diz que até fez um curso a respeito. Com o curso, aprendeu a diferenciar um vinho tinto de um vinho branco.

 

Comentários sobre vinhos são problemáticos

Pode ser que os autores desses comentários estejam caçoando com os mais crédulos. Ainda segundo Mlodinow, que além de físico, matemático, escritor, também fez estudos sobre química, “o sabor que sentimos no vinho surge dos efeitos de uma mistura de 600 a 800 compostos orgânicos voláteis sobre a língua e o nariz. Trata-se de um problema, pois foi demonstrado que até mesmo profissionais bem treinados raramente conseguem identificar com segurança mais que três ou quatro componentes numa mistura.”

 

Ótimo nariz

 Comentaristas de vinho costumam dizer que um vinho de bom aroma tem um “ótimo nariz”. Mlodinow diz que nas degustações que às quais compareceu notou que se o barbudo sentado à sua esquerda murmurava “ótimo nariz”, as pessoas próximas concordavam com ele. “Se as anotações forem feitas de maneira independente, no entanto, sem discussões, muitas vezes veremos que o barbudo escreveu “ótimo nariz”, o camarada de cabeça raspada rabiscou “não tem nariz nenhum” e a loira de permanente escreveu “nariz interessante com camadas de salsa e couro recém curtido com tanino.”

 

PS.: Continua na próxima semana. Um recado para os mais antigos: Leonard Mlodinow escreveu roteiros para as séries MacGyver e Star Trek.

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