OPINIÃO

Morte em Genebra

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Não foi suicídio, no quarto 19, segundo andar, do hotel Las Delicias, em Adrogué, às vésperas de completar 84 anos, como deu entender no conto “Veintecinco de agosto, 1983”, nem o passamento ocorreu na pequena habitação que, durante anos, ocupou no sexto piso da Calle Maipú, 994, no centro de Buenos Aires, e, tampouco, em local e data ignorados, como falseou, inclusive trocando o próprio nome de Jorge para José, na autobiografia apócrifa, supostamente publicada em uma enciclopédia sul-americana, editada em Santiago do Chile, no ano de 2074, que consta no fecho da edição das suas obras completas, em 1974, a morte do escritor Jorge Luis Borges.

Jorge Luis Borges, vitimado por um câncer no fígado, morreu em Genebra, Suíça, no dia 14 de junho de 1986, faltando pouco mais de dois meses para completar 87 anos. Desde 27 de novembro de 1985, o último dia que passou em Buenos Aires, uma vez que, na tarde do dia seguinte, acompanhado de Maria Kodama, partiria rumo à Itália, para cumprir agenda de trabalho e, de lá, para a Suíça, Borges jamais voltaria à Argentina. Da Itália, em dezembro de 1985, foi para a Suíça, onde, em Genebra, entre peregrinações por hospitais e como hóspede do quarto 308 do Hotel l´Arbalèt, trabalhou, assessorado por Jean Pierre Bernés, na preparação da edição de sua obra completa em francês, em dois volumes, pela coleção La Pléiade, da editora Gallimard, até poucos dias antes da sua morte (o primeiro volume sairia em 1993 e o segundo em 1999). Efetivamente, Borges daria o último suspiro no dia 14 de junho de 1986, um sábado, às 8h15 (há fontes que indicam às 7h47, como a hora da morte), no apartamento do segundo piso, alugado há poucos dias, na Grand-Rue, 28, na parte velha de Genebra. Cumpria-se, assim, a sua vontade, como advogam uns, ou não, como sugerem outros.

A maioria das biografias de Jorge Luis Borges trata com superficialidade os seus dias derradeiros na Suíça. A fonte mais completa, que eu conheço, é o livro do jornalista Juan Gasparini, na época radicado em Genebra, pela Edições Foca, da Espanha, publicado em 2000.

É fato que Borges chegou a Genebra com a saúde bastante debilitada, apesar de lúcido e disposto a dar prosseguimento ao seu trabalho de escritor. Demonstrava ânsias de seguir vivendo, afirmam os que estiveram próximo dele naqueles dias. Elegeu, defendem alguns, conscientemente, para passar os seus últimos dias, a cidade na qual vivera, na companhia dos pais e da irmã Nora, entre abril de 1914 e junho de 1918, e onde cursara o equivalente ao nosso ensino médio no Colégio Calvino. Outros advogam que, premeditadamente, teria sido levado para morrer longe da Argentina, dos parentes e dos amigos. Nessa cidade, o cirurgião Patrick Ambrosetti diagnosticou que o câncer no fígado, que acometia Borges, havia espalhado metástases e não tinha muito que fazer. Colocou-o, para acompanhamento clínico, aos cuidados do médico Jean-François Balavoine. E foram esses dois profissionais da medicina que o acompanharam até a hora derradeira e diligenciaram, junto ao conselho da municipalidade de Genebra, a autorização para que os restos mortais de Borges repousassem na Suíça, e, em particular, no Cemitério dos Reis, o Plainpalais, onde está enterrado Calvino.

No começo de junho de 1986 a saúde de Borges piorou. Sobrevieram pneumonia e problemas cardíacos. A sua intenção de morar na Suíça, apesar desses percalços, deixando o Hotel l´Arbalèt, não esmoreceu. Os seus editores europeus, via o representante da francesa Gallimard e da espanhola Alianza, se encarregariam de materializar essa sua vontade. Conseguiram alugar um apartamento, na parte velha de Genebra, como ele queria, no segundo piso de um prédio localizado na Grand-Rue, 28, para onde, Borges, no dia 10 de junho de 1986, se mudaria. E foi nesse endereço que, cinco dias depois, em 14 de junho, no início da manhã de um sábado, ele morreria. Nesse endereço, a tentativa de colocar, em1999, uma placa alusiva ao 13º aniversário da morte de Borges naquele prédio, foi rechaçada pelo proprietário, um antiquário mal-humorado, alegando que o escritor havia vivido poucos dias naquele local. A placa foi colocada no prédio vizinho.

Numa quarta-feira, 18 de junho de 1986, foi realizada a cerimônia de despedida e de sepultamento de Borges no Cemitério dos Reis, em Genebra. Hoje, depois das infrutíferas tentativas de repatriamento dos restos mortais de Jorge Luis Borges para a Argentina, a sua sepultura faz parte do patrimônio helvético de túmulos de escritores famosos, que incluem Herman Hesse, Thomas Mann e James Joyce, apenas como exemplos.

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