OPINIÃO

O caranhoto na calçada

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São raras as ocasiões que eu, nos dias de semana e nos horários comerciais, ando pelas ruas do centro de Passo Fundo. Todavia, quando isso acontece, na Rua Moron, defronte à Praça Marechal Floriano, é comum eu me deparar com Adelmir Sciessere. Nos cumprimentamos e, por alguns instantes, trocamos breves palavras sobre literatura, livros e a cena cultural passo-fundense. Nessa última quarta-feira, 17 de julho, não foi diferente. No início da tarde, lá estava ele, na calçada, sentado na sua cadeira de rodas. Um breve cumprimento, as falas de sempre, porém, desta feita, para minha surpresa, ele, de forma simpática, acrescentou que tinha especial apreço pela minha pessoa. E que tal simpatia se devia ao fato que, em 2011, quando do lançamento do seu livro de estreia, “Caronhoto, A Saga: 1965 - 1983”, eu havia escrito uma nota na minha coluna em O NACIONAL, que ele, por mero acaso, havia se deparado, ao abrir o jornal, enquanto tomava um café no Bella Città Shopping Center, e ficado muito feliz.

A nota, que o Adelmir se referiu, foi publicada na edição de O NACIONAL de 5 de novembro de 2011. Era sintética, em meio a outras sobre a 25ª Feira do Livro de Passo Fundo, limitando-se a um parágrafo: “Caranhoto, A Saga: 1965-1983, de Adelmir Freitas Sciessere, autor passo-fundense, tem sessão de autógrafos marcada para hoje (5), às 18h, na 25ª Feira do Livro de Passo Fundo. A obra, publicada pela WS editor, trata do grande conflito humano que é viver, sob a perspectiva de alguém que foi vitima da poliomielite logo após o nascimento e, sem se fazer coitadinho e nem super-herói, reconstrói a sua saga para sobreviver, aprendendo a defender-se dos limites da doença, para fugir dos rótulos preconceituosos e sempre cruéis. Como consta no convite de lançamento: Um caramujo que mal se arrastava, sempre quis ser gafanhoto e voar...”.

Adelmir Sciessere, nessa quarta-feira, mais falante do que de costume, disse que os seus escritos são pessoais e perguntou se eu havia lido a crônica “Baía dos Pinheirinhos”, publicada no livro “Cinco cavalos tentam subir aos céus”, organizado, em 2019, pelos escritores Jorge Alberto Salton e Pablo Morenno. Respondi que não lembrava, mas que eu tinha esse livro, inclusive autografado pela maioria dos 35 autores, e que leria à noite.

Adelmir estava certo. Caranhoto e Baía dos Pinheirinhos são deveras pessoais. Todavia, são também universais por tratarem de sentimentos que, mesmo com vivências diferentes, podem ser comuns a muitas pessoas. Não há como, ao se ler Caranhoto, deixar de sentir empatia pelo autor e sua saga. Apesar de contada, literariamente, até com a leveza de toques de humor, ao mesmo tempo, não deixa de expor, claramente, a dura realidade vivida por quem é acometido por paralisia infantil. Caranhoto descreve desde o parto difícil, em março de 1965, a poliomielite que o contagiou, em agosto de 1967, o diagnóstico de gripe, feito pelo Dr. Quase Morte, o diagnóstico de paralisia infantil, do Dr. Ressuscito, a aflição da família em relação à possibilidade de contágio da irmã, as cirurgias do Dr. Esperança, no Hospital Independência, em Porto Alegre, as consultas com o Dr. Peixinho, em São Paulo, até aprender a viver com as limitações impostas pela doença, a vida na escola em Passo Fundo, a universidade, Unisinos, 1983, Tecnólogo em Processamento de Dados, depois faria Administração de Empresas, na UPF, e Tecnólogo em Gestão Financeira, na Faplan, passando a trabalhar na empresa da família, a tradicional Joalheria e Óptica Sciessere.

A crônica “Baía dos Pinheirinhos”, que Adelmir me estimulou a ler, é o relato de um sentimento que, independente da motivação, pode afligir muita gente: dar cabo a própria vida. Adelmir Sciessere descreve, em primeira pessoa, um momento difícil, advindo de uma crise no relacionamento amoroso, vivido, em um final de semana, na chácara da família, junto ao lago da Barragem de Ernestina. As contradições do autor, sob o embalo de “sex, drugs and rock`n`roll”, são expostas cruamente, em meio à profusão de detalhes da bucólica paisagem local e de reminiscências pessoais.

Felizmente, na Baía dos Pinheirinhos, naquele final de semana, em vez da exortação do grito de guerra, “hoje é um dia bom pra se morrer”, prevaleceu a poética dos versos de Apparicio Silva Rillo, “Hoje é um dia bom pra se morrer,/ Mas não é o dia ideal...”. E assim se deu!

SUGESTÃO DO COLUNISTA: O livro “El Niño Oscilação Sul – Clima, Vegetação e Agricultura” está disponível para download gratuito: https://www.embrapa.br/en/busca-de-publicacoes/-/publicacao/1164333/el-nino-oscilacao-sul-clima-vegetacao-e-agricultura

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