OPINIÃO

Sina de cavalo velho e o aquecimento global

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Aprendi com o Dr. Pedro Ari Veríssimo da Fonseca (que em paz descanse), que, diferente do que a maioria de nós, os incautos, imagina, cavalo velho não morre no inverno, mas no verão. Apesar das decantadas agruras do frio do mês de agosto, nesse continente de São Pedro, os equinos, em idade avançada, tal qual os seres humanos, vão diminuindo a capacidade de sentir sede e, em decorrência, por não beberem água, sob o calor escaldante dos verões do pago, acabam desidratados e morrendo. Lembrei dessa nossa conversa, recentemente, ao ler um artigo na revista Science Advances (Raymond et al., Sci. Adv. 2020; 6: eaaw 1838) que trata da capacidade humana para se proteger da ameaça de calor extremo que é projetada (e já pode ser sentida) pela mudança do clima global.

Os seres humanos, indiscutivelmente, possuem um sistema sofisticado de resfriamento corporal, que envolve, quando expostos a situações de calor elevado, além da capacidade de locomoção rápida para ambientes com temperaturas amenas ou artificialmente reduzidas, pele nua e glândulas sudoríparas, conforme é bem destacado na introdução do aludido artigo. Não obstante, há limites para isso, configurando as chamadas ondas de calor extremo como uma das principais ameaças naturais à saúde humana no mundo, a exemplo dos impactos em alguns países da Europa (2003) e na Rússia (2010), que, além das comorbidades deixadas como legado, também causaram mortalidade elevada de pessoas. O calor, especialmente sob condição de umidade elevada, além das ameaças à saúde e o risco de morte, pode limitar o desempenho das pessoas no exercício de atividades que demandam esforço físico.

Ainda que o impacto do aquecimento global, como insistirão os pragmáticos, possa ser atenuado pela climatização artificial dos ambientes, os seres humanos têm limites fisiológicos para suportar temperaturas elevadas (valores e tempo de exposição), especialmente quando a umidade do ar é também elevada, que precisam ser entendidos antes de se tirar conclusões apressadas. Admite-se, embora seja possível que os profissionais da saúde usem padrões protocolares diferentes, que a temperatura normal, interna, do corpo humano, seja da ordem de 36,8 ± 0,5 ºC, exigindo uma temperatura externa ao corpo, na superfície da pele, ao redor de 35,0 ºC, para que se mantenha um gradiente de temperatura suficiente para permitir a dissipação do calor corporal.

Isso posto, entenda-se que a temperatura do ar se elevando acima desses limites normais do corpo humano, o calor gerado pelo nosso metabolismo interno, não podendo mais ser dissipado na forma de calor sensível (variações de temperatura), passa a exigir que o resfriamento do nosso corpo (visto como uma máquina termodinâmica) aconteça na forma de calor latente (mudando o estado físico da água), a partir do suor. Mas, fisicamente, para que esse processo seja eficiente, também há limite. E esse limite, pela equação psicrométrica (usada para determinar a umidade do ar, a partir de medições da temperatura usando-se dois termômetros, um de bulbo seco e outro de bulbo úmido. A temperatura oficialmente divulgada pelos serviços meteorológicos é do tipo bulbo seco), é, admite-se, 35,0 ºC, bulbo úmido. Todavia, como esses limites, do meio físico e do corpo humano, são pressuposições protocolares tomadas pela média, os problemas de saúde e mortalidade, nos humanos, podem acontecer sob temperaturas de bulbo húmido bem inferiores a 35,0 ºC (não tendo passado de 28,0 ºC, nas calamitosas ondas de calor europeias).

A questão posta, pelo artigo de Colin Raymond, Tom Matthews e Radley M. Horton, referido na abertura dessa coluna, é que, se nada for feito em relação ao controle de emissões dos gases causadores do efeito estufa (o business-as-usual mantido), a temperatura de bulbo úmido, vai exceder o limite crítico de 35,0 ºC, em partes do sul da Ásia e no Oriente Médio, antes do final deste século. Inclusive, em alguns locais do mundo, os limites de 31,0 ºC e 33,0 ºC e, até mesmo, o nível crítico dos 35,0 ºC (por 1-2 horas, em dois locais) já foram superados.

O Brasil não está imune ao aquecimento global. E esta ameaça da elevação da temperatura de bulbo úmido, que vem sendo assinalada, nos títulos e nos lides de matérias divulgadas na mídia brasileira, indicando que parte do território nacional pode se tornar inabitável em 50 anos, tem despertado a preocupação, pela falta de melhor compreensão do assunto, em muita gente.

Para se ter uma ideia, em Passo Fundo, nesse século, a maior temperatura de bulbo úmido registrada foi 25,8 ºC, no dia 7 de fevereiro de 2010. E, frise-se, valor instantâneo às 15h.

Que tenhamos inteligência suficiente para escaparmos do nosso destino de cavalo velho!

SUGESTÃO DO COLUNISTA: O livro “El Niño Oscilação Sul – Clima, Vegetação e Agricultura” está disponível para download gratuito: https://www.embrapa.br/en/busca-de-publicacoes/-/publicacao/1164333/el-nino-oscilacao-sul-clima-vegetacao-e-agricultura

 

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