OPINIÃO

Três datas e um prefácio

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Apenas três datas, recém-digitadas, ocupavam a tela do computador diante de mim, naquele dia 16 de novembro de 2020. Havia tomado a decisão, pela enésima vez, de abandonar o que havia escrito e começar de novo o texto. São elas: 23 de setembro de 1978, 17 de setembro de 1989 e 16 de junho de 2020. Sobre a mesa de trabalho, desordenadamente espalhados, os 51 capítulos do livro Os 100 anos da Pesquisa Agropecuária Oficial do Estado do Rio Grande do Sul, cujas páginas estavam repletas de minuciosas anotações manuscritas nas margens. Nesse cenário, eu havia estado paralisado há horas, e, se consideradas as tentativas anteriores, contabilizar-se-iam dias, semanas ou até meses, sem que nenhum avanço, digno de nota, na escrita do prefácio da obra, pudesse ser notado.

Que estaria acontecendo? Indagava-me com frequência. Acredito que eu domine, minimamente, as técnicas de escrita e os modelos formais de prefácio de uma obra. Mas, prefaciar esse livro foi um desafio à parte. Lia, relia o material recebido e me encantava cada vez mais com os relatos que tinha à mão. Busco as razões. Talvez essas estejam nas três datas justapostas acima. Ou quem sabe sejam outras. Mas as datas são muito caras para mim. A primeira representa o meu ingresso como técnico agrícola, estagiário na antiga Seção de Ecologia Agrícola do Instituto de Pesquisas Agronômicas (IPAGRO), em 23 de setembro de 1978. A segunda marca o meu desligamento da instituição, em 17 de setembro de 1989, onze anos depois. E a terceira, 16 de junho de 2020, assinala o honorável convite que eu recebi da organizadora da obra, Sônia C. Lobato, para escrever o prefácio.

O sentimento de gratidão me dominava e, por vezes, a minha racionalidade era borrada, diante dos admiráveis conteúdos que dão forma aos capítulos do livro. Então eu me permito refletir: quão muito a pesquisa agropecuária oficial fez pelo desenvolvimento do estado do Rio Grande do Sul! E quão ingratos, ao decretar o seu fim (ou rebaixamento para um nível de quase insignificância), fomos com ela!

Sônia C. Lobato, a organizadora da obra, autora e coautora da maioria dos capítulos, sem imaginar o quão difícil seria realizar um trabalho desse porte jamais esmoreceu ou deixou de acreditar que, um dia, esse livro seria concluído. Há quinze anos que ela vinha trabalhando para a concretude da obra. Sônia confidenciou-me que a necessidade desse trabalho se fez patente em 2009, quando foi convidada a escrever um resumo para as comemorações dos 90 anos da Pesquisa Agropecuária Oficial do Estado do Rio Grande do Sul. Não havia uma fonte, mas muitas. Foi então que começou a gestar a ideia de reunir as informações dispersas em um livro. A percepção da amplitude e da riqueza das informações existentes e o senso de utilidade para a sociedade rio-grandense motivaram Sônia C. Lobato a iniciar a organização desse livro. Na sequência, a Portaria nº 54/2009, que designou um grupo de trabalho para essa tarefa, sob a coordenação de Sônia C. Lobato, deu o aval da direção da FEPAGRO à obra.

Uma vez definida a estrutura geral da obra e de cada capítulo, foram expedidos os convites para os potenciais autores, dando início ao monumental trabalho de retratar a história da pesquisa agropecuária oficial do Rio Grande do Sul. E sobrevieram as consultas à legislação e a documentos oficiais, a leitura de relatórios de pesquisa, a condução de entrevistas com fontes relevantes (presenciais, via telefonemas ou por e-mails) e, dentro do possível, algumas visitas a unidades e centros de pesquisa espalhados pelo Estado.

E assim o tempo foi passando até que, em dezembro de 2016, o livro foi dado por concluído. Mas, por ironia do destino, triste ironia frise-se, a alma mater da obra, a Fundação de Pesquisa Agropecuária do Rio Grande do Sul (FEPAGRO) teria a sua sentença de morte decretada pela Lei nº 14.978, de 16 de janeiro de 2017. Será que os governantes, que submeteram a proposta, e os deputados, que a aprovaram, teriam agido com a mesma naturalidade, se, um dia, minimamente, tivessem folheado as páginas desse livro? Será que aqueles que negaram apoio à instituição, quando solicitados, teriam a mesma atitude se tivessem analisado com mais cuidado tudo o que foi produzido pela pesquisa agropecuária oficial do Rio Grande do Sul? Tenho as minhas dúvidas! Embora não se deva, nunca, esperar racionalidade de burocratas de plantão.

Ainda bem que Sônia C. Lobato e colaboradores nos legaram essa obra. Mais do que a história de uma organização de pesquisa. Muito mais! A melhor e mais bem contada história das ciências agrárias no Rio Grande Sul. Leiam e prestem a devida reverência! A obra, recém-lançada, está disponível para download gratuito no site da Secretaria da Agricultura, Pecuária, Produção Sustentável e Irrigação: https://www.agricultura.rs.gov.br/livros-ddpa

Foi um privilégio ter conhecido essa obra (quase quatro anos antes da maioria das pessoas) e escrito essas linhas!

SUGESTÃO DO COLUNISTA: O livro “El Niño Oscilação Sul – Clima, Vegetação e Agricultura” está disponível para download gratuito: https://www.embrapa.br/en/busca-de-publicacoes/-/publicacao/1164333/el-nino-oscilacao-sul-clima-vegetacao-e-agricultura

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