Movimento da Legalidade completa 63 anos

“Ninguém dará o golpe por telefone. O Rio Grande não aceita o golpe e a ele não se submeterá!"

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Jango recebido por Brizola em Porto Alegre  - Foto – Memorial ALRSJango recebido por Brizola em Porto Alegre  - Foto – Memorial ALRS
Jango recebido por Brizola em Porto Alegre - Foto – Memorial ALRS
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 Por Cleber Dioni Tentardini

O Movimento da Legalidade, que garantiu a posse do vice-presidente João Goulart após a renúncia de Jânio Quadros, completa 63 anos no dia 25 deste mês. A tensão provocada pela recusa dos ministros militares em aceitar a investida de Jango na presidência da República quase levou o país a uma guerra civil. O levante iniciou no Rio Grande do Sul e foi liderado pelo governador Leonel Brizola, que contou com a força da Brigada Militar e o apoio de soldados e oficiais nacionalistas das Forças Armadas e de alguns setores da imprensa para deter o golpe, que já estava em curso. A resistência durou 14 dias. “Ninguém dará o golpe por telefone. O Rio Grande não aceita o golpe e a ele não se submeterá!" A frase é uma das centenas que a imprensa reproduziu das declarações de Brizola no decorrer daqueles dias finais de agosto, após Jânio Quadros recusar por telefone seu convite para governar, provisoriamente, a partir da capital gaúcha. O governo Jânio-Jango, apelidado de Jan-Jan, durou apenas sete meses.

Imbróglio

Em Porto Alegre, Brizola percebeu que algo muito grave havia ocorrido quando na manhã de sexta-feira, dia 25, militares retiraram-se no meio dos desfiles pelo Dia do Soldado, no Parque Farroupilha. Logo, o jornalista Hamilton Chaves, seu assessor de imprensa, informou sobre a renúncia. Jango estava em Cingapura, quando foi avisado dos acontecimentos na madrugada do dia 26. Ele presidia uma missão comercial e passara pela China. Informado de que seria preso no instante em que desembarcasse no Brasil, foi orientado a aguardar em Montevidéu. O capitão da BM, Emilio Neme, chefe da Casa Militar de Brizola, mandou buscar armamentos guardados desde a época em que o general Flores da Cunha havia importado da Tchecoslováquia para enfrentar Getúlio. Enquanto os ministros militares, em Brasília, determinavam a posse, na presidência, do deputado Ranieri Mazzilli, presidente da Câmara, trabalhistas instalavam o Comitê Popular Pró-Legalidade.

Manifestações

No domingo, o governador consegue publicar nos jornais locais, como matéria paga, dois manifestos - o do marechal Lott, que foi censurado no Rio de Janeiro, e um outro escrito por Hamilton Chaves, retocado por ele, Brizola, ambos repudiando o golpe: “Na defesa do regime, na defesa da ordem legal e das liberdades públicas, acredito que nós, gaúchos, pelo nosso passado, pelas nossas tradições, saberemos nos inspirar, esquecendo nossas diferenças. O Rio Grande do Sul comparece perante a Federação como uma unidade. O governo do Estado não pactuará com qualquer golpe nas instituições e que venha a acarretar o cerceamento das liberdades públicas”. O jornal Última Hora lançou edição extra, com um editorial na primeira página, sob o título “Constituição ou Guerra Civil”: “Nem que seja para ser esmagado o Rio Grande do Sul reagirá. Mas não será esmagado porque todo o Brasil está pronto para repelir o golpe”.

Ameaça de bombardeio

O cenário era de guerra na sede do governo gaúcho e arredores. Barricadas de sacos de areia e rolos de arame farpado guarnecidos por brigadianos protegiam as entradas e o terraço da sede do governo, já sob ameaça de bombardeio aéreo. O comandante do III Exército recebe mensagem do ministro da Guerra que ordena que, se necessário, faça “convergir sobre Porto Alegre toda a tropa do Rio Grande do Sul que julgar conveniente”, e que “empregue a Aeronáutica, realizando inclusive bombardeio”. O governador volta ao microfone: “Atenção, meus patrícios, democratas e independentes, atenção para minhas palavras! Em primeiro lugar, nenhuma escola deve funcionar em Porto Alegre. Fechem todas as escolas! Se alguma estiver aberta, fechem e mandem as crianças para junto de seus pais! Tudo em ordem! Tudo em calma! Com serenidade e frieza! Mas mandem as crianças para casa! Hoje, nesta minha alocução tenho os fatos mais graves a revelar”.

Arcebispo e comandante

A estas alturas, até o arcebispo de Porto Alegre, D. Vicente Scherer, procura o comandante do III Exército para manifestar sua preocupação e se posicionar pela posse de João Goulart. A reunião de Brizola com o general Machado Lopes acontece a portas fechadas no Piratini. Brizola relatou mais tarde que os generais do III Exército haviam decidido só aceitar solução para a crise dentro da Constituição. Em entrevista a Paulo Markun, quarenta anos depois, Brizola, contou que se levantou, apertou a mão do militar e disse: “General, eu não esperava outra decisão. O III Exército vai ser reconhecido por toda a nação, está cumprindo um papel histórico”. Pouco depois, os dois ergueram os braços na sacada do Palácio Piratini, aplaudidos pela multidão. Mas a crise só terminaria dez dias depois, com uma solução conciliatória, a adoção do regime parlamentarista. Uma vitória com gosto amargo para o governador gaúcho, mas serviu para acalmar os ânimos, momentaneamente.

(Cleber Dioni Tentardini é jornalista)

 

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