Os Anjos Bons da Nossa Natureza
Para comprovar a tese de que vivemos na era mais pacífica que nossa espécie já atravessou, Pinker escreveu um tijolão de mais de mil páginas com uma avalanche arrasadora de dados, gráficos e estatísticas. O problema que ele se propôs a estudar é a redução da violência na família, nos bairros, entre tribos e outras facções armadas, entre nações e Estados importantes. Diz Pinker que sua abordagem do tema é científica, no sentido amplo de procurar explicar porque as coisas acontecem. Além de procurar na psicologia e na história uma explicação para a violência e para a não violência, ele revela um aspecto muito importante para a humanidade: “nas mais diversas épocas e lugares, as sociedades mais pacíficas tendem a ser as mais ricas, mais sadias, mais bem-educadas, mais bem governadas, mais respeitosas com suas mulheres e mais propensas a se ocupar do comércio”.
As razões responsáveis pelo declínio da violência
“Os anjos bons da nossa natureza” é uma história de seis tendências, cinco demônios, quatro anjos bons e cinco forças históricas.
A primeira tendência ele chama de Processo de Pacificação: a transição da anarquia das sociedades caçadoras, coletoras e horticultoras para as primeiras civilizações agrícolas com cidades e governos, iniciadas por volta de 5 mil anos atrás.
A segunda tendência foi o Processo Civilizador, que ocorreu entre o final da Idade Média e o século XX, fazendo com que as taxas de homicídio na Europa caíssem de dez a vinte vezes. A colcha de retalhos feudais foi substituída pelos Estados modernos, com autoridade centralizada e uma estrutura de comércio.
A terceira foi a Revolução Humanitária, transição que teve início na época da Idade da Razão e do Iluminismo, especialmente na Europa europeu nos séculos XVII e XVIII, embora tenha antecedência na Grécia Clássica e no Renascimento. Movimentos organizados passaram a condenar as formas de violência como o despotismo, a escravidão, a tortura judicial, a execução supersticiosa, as punições sádicas, etc.
A Longa Paz, após a Segunda Guerra Mundial, foi a quarta e abençoada tendência, responsável por um avanço inédito em toda a história: as grandes potências, e os Estados desenvolvidos, em geral, pararam de guerrear entre si.
A Nova Paz é a quinta tendência. “Embora para os leitores de notícias possa ser difícil acreditar, diz Pinker, desde o fim da Guerra Fria, em 1989, guerras civis, genocídios, repressão por governos diminuíram no mundo todo.
E por fim, mas não menos importante, Pinker chama a sexta tendência responsável pelo declínio da violência de Revoluções dos Direitos. A Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948, provocou uma crescente repulsa pelas agressões e violências contra minorias étnicas, mulheres, crianças, homossexuais e animais.
Os Quatro Anjos
Nós, seres humanos, não temos bondade inata (e nem maldade inata), mas viemos equipados com motivações que podem nos orientar para longe da violência e em direção à cooperação e ao altruísmo. Assim, Quatro Anjos da nossa natureza colaboram para diminuir a violência: a empatia, o autocontrole, o senso moral e a faculdade da razão.
As Cinco Forças Históricas
As cinco forças históricas que motivaram o declínio da violência seriam: o Leviatã, ou seja, a formação do Estado moderno e de um poder judiciário com o monopólio do uso legítimo da força, podendo desativar a tentação do ataque oportunista, inibir o impulso de vingança. É o que os ingleses chamam de rule of law (governo da lei). Uma segunda força é o comércio, um jogo de soma positiva no qual todos podem ganhar. À medida que o progresso tecnológico vai permitindo a troca de mercadorias e ideias por longa distância e entre grupos maiores de parceiros comerciais, as pessoas tornam-se mais gentis umas com as outras. O imperialismo e o colonialismo perdem a razão de ser. Um exemplo extraordinário desse processo histórico vem ocorrendo na China, que não se interessa em expandir seu regime político, mas ter acesso aos mercados globais.
Outra força histórica é a feminização, processo em que as culturas aumentaram seu respeito pelos interesses e valores das mulheres. “Como a violência é um passatempo principalmente masculino, as culturas que dão voz ativa às mulheres tendem a afastar-se do enaltecimento da violência. A alfabetização, a mobilidade e os meios de comunicação podem levar as pessoas a terem contato e a assumir visões diferentes delas. É a força do cosmopolitismo.
Por fim, ocorre uma aplicação cada vez mais intensa do conhecimento e da racionalidade nos assuntos humanos, forçando as pessoas a reconhecer a futilidade dos ciclos de violência. É a força da escada rolante da razão. A violência passa a ser um problema a ser resolvido e não uma disputa a ser ganha.
Uma dica de leitura
Para quem acha que é muita coisa ler um livro de mais de mil páginas vai uma dica: leia o prefácio do livro, de apenas oito páginas, no qual Pinker resume seu estudo. Você ficará louco de vontade de ler as outras páginas desse livro magnífico, como todos os escritos por Steven Pinker.