O tema de quem é verdadeiramente “o maior” volta repetidas vezes na Bíblia, sempre inserido num discurso mais amplo, que coloca em confronto a lógica divina com a humana. Os textos bíblicos, desta liturgia dominical, abordam o assunto. (Sabedoria 1,12.17-20, Salmo 53, Tiago 3,16-4,3, Marcos 9,30-37). Não é um tema secundário porque envolve profundamente a orientação da vida. O livro do Gênesis, quando ensina sobre o pecado original, apresenta a luta pelo poder como um desafio insensato: como se o homem, para viver, tivesse necessidade de livrar-se de Deus. A compreensão de poder divino contrasta com a visão humana. Os homens, como a sua sede poder, querem escalar para o alto; da parte de Deus a estrada é “abaixamento”. No Evangelho Jesus está ensinando que “vai ser entregue nas mãos dos homens, e eles o matarão. Mas, três dias após sua morte, ele ressuscitará”. Enquanto isso, os discípulos estavam “discutindo quem era o maior”. Podemos dizer, que a distância entre o reino dos homens e o reino de Deus consiste nisso, isto é, na compreensão e no exercício do poder.
Quando Jesus aborda os discípulos sobre a discussão que estavam tendo no caminho, “ficaram calados”. Sem perder a oportunidade de ensinar sobre um tema tão importante, Jesus usa dois argumentos para clarear a compreensão de “maior” da parte de Deus. “Se alguém quiser ser o primeiro, que seja o último de todos e aquele que serve a todos”. Jesus está falando dele mesmo e se apresenta como modelo. Ele, sendo Deus, veio habitar entre os homens, assumir a condição humana, inclusive a morte, mostra claramente que sua grandeza se revela no serviço total aos homens, até morrer por eles.
No segundo argumento de Jesus pega “uma criança, colocou-a no meio deles, e abraçando-a disse: quem acolher em meu nome uma destas crianças, é a mim que estará acolhendo”. “A criança é um sujeito que tem uma mensagem preciosa a transmitir para aquele que, por idade e por cultura, é superior. Não é tanto a candura da inocência que a criança representa mas é sobretudo a total disponibilidade, não é tanto a sua pureza moral quanto o abandono sem cálculos, fingimentos e interesses” (Cardeal Gianfranco Ravasi). Com este espírito o discípulo entra no mundo não com a força das armas, ou prestígio do dinheiro, ou de complôs, mas com o espírito de Jesus que veio “para servir e dar a vida em resgate por muitos” (Marcos 10, 45).
A Carta de São Tiago quer chegar à raiz, às causas de tantos problemas de convivência e relacionamento humano. Pergunta: “De onde vêm as guerras? De onde vêm as brigas entre vós?” Responde afirmando que a causa são as paixões. Na sua raiz estão a cobiça, a inveja, a rivalidade, o desejo de possuir e a autossuficiência que perpassam o homem e o levam a exercitar um desapiedado desejo de domínio sobre as coisas e as pessoas. Esta é a sabedoria humana que orienta o seu agir ético resultando em “desordens e toda espécie de obras más”.
São Tiago ensina a guiar-nos pela “sabedoria que vem do alto” ou a sabedoria de Deus. “Ela é pura, depois pacífica, modesta, conciliadora, cheia de misericórdia e bons frutos, sem parcialidade e sem fingimento”. Elenca sete qualidades das quais sobressaem a perfeição da sabedoria autêntica e os efeitos positivos que produz. Esta sabedoria tem a força da verdade e do amor. É pacífica, indulgente e generosa; não usa parcialidades, nem sequer recorre a mentiras. “O fruto da justiça é semeado na paz, para aqueles que promovem a paz”.
Os textos bíblicos nos fizeram refletir sobre as aspectos morais da existência cristã e humana, mas a partir da verdadeira sabedoria que vem de Deus. A partir de Deus, o “maior” é aquele que serve o próximo gerando um ambiente fraterno e de paz, isto é, de vida plena e abundante em todas dimensões.
Dom Rodolfo Luís Weber – Arcebispo de Passo Fundo