Na doutrina filosófica da guerra, costuma-se dividi-la em três momentos distintos. O primeiro é a declaração de guerra (jus ad bellum), ancorada em três princípios: declaração soberana, reta intenção e causa justa. O segundo momento refere-se à forma de conduzir uma guerra dentro de ditames morais e normativos, ou seja, o direito na guerra (jus in bello). O terceiro e último momento é a aplicação dos princípios morais e normativos na terminação de um conflito, o que chamamos de direito pós-guerra (jus post bellum). A grande dificuldade está em adequar os princípios filosóficos da guerra ao desenvolvimento da realpolitik atual, ou seja, analisar as guerras contemporâneas sob uma lente filosófica — desde o momento anterior ao conflito, passando pela forma como são conduzidas, até o seu término. Sempre reitero que terminar uma guerra é muito mais desafiador do que iniciá-la. Basta observarmos os conflitos atuais e as suas dinâmicas, como na Ucrânia ou em Gaza. Nesse contexto, a recente manifestação de Trump sobre Gaza gerou uma série de questionamentos, inclusive entre os seus pares, ao sugerir que os EUA poderiam “tomar” o território. A declaração ocorreu enquanto Netanyahu estava nos EUA, em um momento crítico de negociações para a continuidade do cessar-fogo entre Israel e o Hamas.
O dilema em Gaza
O comentário de Trump traz à tona a necessidade de discutir as formas de reconstrução de Gaza — e, principalmente, quem será responsável por esse processo. Muitos palestinos já retornaram ao território e vivem em barracas, em condições precárias. Atualmente, há mais de 30 mil munições não detonadas, e os escombros cobrem aproximadamente 70% do território. Não há energia elétrica, hospitais ou escolas em funcionamento. O atual plano de cessar-fogo prevê, em sua fase final, o início do processo de reconstrução de Gaza. No entanto, estima-se que esse processo levará anos para se concretizar. Enquanto isso, os palestinos continuam a se deslocar para outras regiões, e o Hamas tentará se rearticular—um grande desafio para Israel.
Trump e sua estratégia
A declaração de Trump segue a sua estratégia habitual: primeiro, apresentar um cenário extremo para, depois, estabelecer uma negociação. Ele adotou essa abordagem com o México, que recuou diante de suas pressões, e com o Canadá, ao suspender temporariamente tarifas após negociações intensas. Logo após a sua manifestação sobre Gaza, o Secretário de Estado e o Secretário de Defesa tentaram atenuar as suas declarações, reconhecendo que uma ação como essa poderia desencadear uma crise no Oriente Médio, além de ser contraditória do ponto de vista do direito internacional. O momento mais delicado de uma guerra é o seu desfecho. Assim, por mais exótica que tenha sido a manifestação de Trump, ela revela o maior desafio daqui em diante: qual será o futuro de Gaza e dos palestinos que não estão alinhados ao Hamas? Outras questões seguem em aberto: Quem reconstruirá o território devastado? Para onde irão os palestinos desalojados? Como Israel impedirá a rearticulação dos terroristas? A solução de dois Estados voltará a ser viável? Qual será o futuro do Oriente Médio? Como se encerrará um dos conflitos mais longos da história?