Bruno Todero/ON
Um dos casos policiais de maior repercussão na comunidade passo-fundense nesta década completou quatro anos esta semana. No dia 15 de setembro de 2006, a empresária Rita de Cássia Felipi, então com 36 anos, era sequestrada na frente do mercado da família e levada por quatro jovens para a morte. Os sequestradores, após lançarem a vítima, ainda viva, no arroio Chifranzinho (às margens da ERS-153) iniciaram contatos com a família de Rita, exigindo resgate de R$ 40 mil. Após quatro dias, cessaram as ligações dos criminosos. Em 20 de setembro, o corpo era encontrado na margem do arroio por um pescador. Terminava ali a angústia da família pela falta de notícias sobre Rita. Iniciava o sofrimento pela perda e pela falta de resposta do Judiciário para com os criminosos. Rita deixava pai, mãe, irmão, marido e um filho de cinco anos, portador de disfunção global do desenvolvimento (autismo).
A investigação
Considerado pela Polícia Civil no Estado como um inquérito investigativo modelo, o caso Rita de Cássia mereceu a atenção de agentes da Defrec (Delegacia Especializada em Furtos, Roubos, Entorpecentes e Capturas), com apoio de outras quatro delegacias, durante quatro meses. Segundo o delegado Adroaldo Schenkel, que comandou as investigações desde os primeiros dias, a polícia trabalhava com os nomes de alguns suspeitos. Foi preciso, porém, a quebra do sigilo telefônico e o depoimento de testemunhas para confirmar a participação dos quatro sequestradores: Darlan da Silva Borges, então com 31 anos, Cassius Henrique Rodrigues, de 21, Diego Antônio Chagas (18) e um menor de 16 anos. Este último inclusive confessou à polícia ter sido o responsável por levar os outros até o mercado de Rita, local que frequentava em função do trabalho que exercia, entregador de carnes de um frigorífico. Já o primeiro, Darlan, apesar de negar a participação no crime, é apontado pela polícia como o "cabeça" do grupo, responsável por esfaqueá-la com um canivete e soltá-la no arroio ainda viva.
Schenkel destaca que a resposta esperada pela sociedade e pela família para o crime foi dada pela Polícia Civil, mas que a Justiça está demorando demais para finalizar o caso. "Não cabe à polícia se manifestar depois de encerrado o inquérito, mas toda demora excessiva na punição traz sensação de impunidade, o verdadeiro 'não dá nada' que a gente ouve muito falar no meio criminoso. Eles têm duas sentenças condenatórias, vamos esperar quanto tempo até sair uma sentença definitiva?", questiona.
Para o delegado, a punição para criminosos tem vários objetivos, não apenas de dar uma resposta à sociedade. "A pena tem um caráter educativo, evitando que outras pessoas cometam crimes semelhantes por banalidades. Por isso defendo que, quanto mais tempo demora para o acusado cumprir a pena, mais ela perde esse caráter", garante Schenkel.
O delegado ainda contesta a interpretação da Justiça de que os acusados não oferecem risco à sociedade, tendo sido mantidos em liberdade mesmo após duas condenações. "Entendo que ao contrário do que diz o Tribunal, a gravidade do crime, cometido com tanta futilidade, indica a periculosidade de quem o praticou. Quem comete um crime dessa natureza, quem demonstra tamanha indiferença pela vida humana, em troca de poucos reais, oferece risco subjetivo a toda hora", garante.
Em decisão do Tribunal de Justiça do RS, a condenação aos quatro réus foi reduzida em um ano cada pela descaracterização do crime de formação de quadrilha. Schenkel também discorda desse posicionamento, já que as investigações revelaram que os quatro inclusive tinham uma lista de vítimas, encabeçada por um grande empresário da cidade. "Isso mostra que eles agiram de forma planejada e pretendiam praticar o delito de extorsão mediante sequestro de forma continuada, o que configura o crime de formação de quadrilha", afirma o delegado.
Família ainda "junta os cacos"
Passados quatro anos do assassinato, tanto o pai, Gildo Felipi, quanto o marido de Rita de Cássia, Anildo Roratto, revelam que as feridas ainda não cicatrizaram, muito em função da falta de punição aos acusados. Ambos, porém, garantem que destinam todas as forças para dar uma educação exemplar ao filho que Rita deixou, o menino Arthur, hoje com oito anos. "Todas as noites antes de dormir eu rezo com ele pela mãe, mostro a foto dela e faço ele lembrar, para que nunca esqueça que teve uma mãe carinhosa e que amava muito ele", conta Roratto. "Hoje, digo que minha razão de viver são meus netos", completa Felipi.
Quanto à liberdade dos acusados, os dois revelam que não pretendem se calar até que haja a resposta do Judiciário. "Eles agiram com covardia, com extrema violência, com uma desconsideração total com o ser humano, e o tempo que já passou está fazendo com que se torne apenas mais um crime. Queremos evitar que caia no esquecimento. Para isso, exigimos rigor na execução das penas", afirma o marido. "Já estamos sofremos com a ausência da Rita, sofremos com o que ela deixou, e ainda somos obrigados a 'cruzar' na rua com as pessoas que mataram ela por causa da demora da Justiça", exclama o pai.
Roratto explica que uma das maiores decepções foi ver todo o trabalho da Polícia Civil deixado de lado pelos juízes que julgaram o fato. "A Polícia apontou a autoria, apontou a formação de quadrilha e a periculosidade dos criminosos. O fato de terem largado ela viva no rio mostra o tipo de bandidos que eles são. Mesmo assim, isso não convenceu a Justiça, que inexplicavelmente preferiu manter eles em liberdade", questiona.
A crueldade dos acusados é lembrada por Felipi. "Mataram ela na mesma noite que sequestraram, mas nos enrolaram por cinco dias até que o corpo foi encontrado. Queriam o dinheiro (R$ 40 mil) mesmo sabendo que a Rita estava morta. Isso é coisa de bandido, de criminoso do pior tipo", diz o pai. "Eles fizeram o que fizeram e continuam soltos, livres, como se nada tivessem feito. Enquanto isso, a família é que está pagando e continua juntando os cacos para continuar vivendo", finaliza Felipi.
Relembre o caso
Rita de Cássia Felipi foi vista pela última vez às 20h do dia 15 de setembro (sexta-feira) de 2006. A empresária saiu do mercado da família, localizado na rua General Osório, Vila Luiza, e foi surpreendida por dois homens quando entrava em seu carro, um VW Gol. Outros dois criminosos, que teriam passado toda a tarde bebendo cerveja em frente ao mercado, seguiram logo atrás, em um segundo carro. O Gol foi encontrado horas depois abandonado na ERS-324, próximo à pedreira da vila Jardim.
Logo em seguida, a família de Rita recebeu ligação telefônica que exigia R$ 40 mil para liberar a empresária. O criminoso fez ameaças, exigindo que a polícia não fosse acionada. Houve novas ligações no sábado, domingo e segunda-feira. Os familiares chegaram a levantar boa parte do dinheiro, mas se recusaram a entregar antes de receber uma prova de que Rita estava viva, o que nunca aconteceu. Somente na quarta-feira, um pescador, aproveitando o feriado de 20 de setembro, encontrou o corpo sob a ponte do arroio Chifranzinho, na ERS-153, saída para Ernestina.
A necropsia apontou que, apesar dos ferimentos na cabeça e na barriga, a causa da morte de Rita foi por afogamento. A investigação acredita que os criminosos agrediram a vítima, que ficou desacorda. Inexperientes, tentaram se livrar do corpo, jogando no rio.
As condenações
Os quatro sequestradores responderam pelo crime de extorsão mediante sequestro, qualificado pelo resultado morte e por formação de quadrilha. Eles foram presos em 22 de janeiro de 2007, após o encerramento do inquérito da Defrec. Permaneceram cerca de 30 dias recolhidos, sendo liberados por meio de um habeas corpus para que respondessem em liberdade. O menor, Alisson Vinícius Cardoso, por sua vez, cumpriu medida socioeducativa no Case por dois anos e já teria sido preso após a soltura.
Por se tratar de crime hediondo, o caso não foi levado a júri popular, mas, em 2008, a 1ª Vara de Execuções Criminais condenou os três maiores, Darlan da Silva Borges, Cassius Henrique Rodrigues e Diego Antônio Chagas, a em média 25 anos de reclusão em regime fechado. Porém, a sentença excluiu o crime de formação de quadrilha, reduzindo a pena de cada um em pouco mais de um ano, e autorizou a liberdade dos réus até que o processo fosse julgado nas outras instâncias. Em julho de 2009, o Tribunal de Justiça do RS manteve a condenação e o direito de liberdade. O Ministério Público ingressou então com recurso especial no Supremo Tribunal de Justiça. Os réus só serão presos quando terminarem as possibilidades de recurso, com o chamado trânsito em julgado.
De acordo com o advogado criminalista Jabs Paim Bandeira, que representa a família Felipi no processo, o recurso está suspenso em função de uma lei (11.762, de 2008), que trata da multiplicidade de recursos com fundamento idêntico. Isso quer dizer que para que o processo seja julgado, será preciso juntar outros casos iguais, com uma única decisão do presidente do Supremo. "Com isso, amparados pela lei, os réus continuam soltos, situação que vem prejudicando a vida dos familiares da vítima, obrigados a cruzar diariamente com os assassinos da filha nas ruas da cidade", explica Bandeira.
Quatro anos depois, acusados de matar Rita de Cássia permanecem em liberdade
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