Eder Calegari/ON
Uma série de denúncias envolvendo agressões e maus-tratos levou o Ministério Público até a uma clínica de recuperação de drogados que atendia também pacientes com esquizofrenia e doentes mentais. Policiais da DPCA (Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente) cumpriram na manhã de ontem um mandado de busca e apreensão na casa que fica localizada na rua Daltro Filho, loteamento Dom Rodolfo. O Conselho Tutelar, Vigilância Sanitária e Brigada Militar acompanharam a ação. No local estavam 72 pacientes abrigados, de ambos os sexos, entre eles 14 menores em tratamento antidrogas. Eles ocupavam as mesmas dependências de pacientes psiquiátricos de maneira irregular e precária. Há relatos de que alguns dos doentes não se alimentavam de maneira adequada pelo não fornecimento de comida.
O delegado Mario Pezzi, responsável pela investigação, disse que as denúncias fazem referência não somente a maus-tratos dos menores mas também a abuso sexual dos adolescentes, tortura, e até mesmo a prática de aborto. Quatro responsáveis pela clínica foram levados para a delegacia para prestar depoimento e a prisão preventiva dos mesmos poderá ser solicitada à Justiça.
O relato dos internos
Alguns meninos relataram que sofreram torturas e outros teriam sido molestados com objetos pelos funcionários, o que caracterizaria abuso sexual. Dos 14 menores identificados na casa, quatro eram meninas. Duas delas descreveram que teriam sido obrigadas a praticar aborto, sendo que ingeriram o medicamento abortivo. Uma das garotas estaria no quinto mês de gravidez. A polícia investiga se existe relação com o feto que foi encontrado no aterro sanitário no início do mês de agosto, o qual havia chegado até aquele local em uma carga de lixo trazida durante o recolhimento da noite. Já uma moradora de 55 anos, que reside nas proximidades do estabelecimento, relatou que era frequente ouvir gritos, pessoas chorando e pedidos de socorro. Na casa, a polícia apreendeu um computador que vai passar por perícia e ainda tacos de beisebol, de sinuca e meias com materiais na ponta, que podem sugerir que eram utilizadas para tortura. Todas essas informações serão investigadas minuciosamente pela polícia para apurar a veracidade do que foi dito às autoridades.
MP desconhecia situação da casa
Em uma coletiva de imprensa, o Ministério Público de Passo Fundo afirmou ontem à tarde desconhecer a situação atual da clínica. De acordo com a promotora Ana Cristina Ferrareze Cirne, da 2ª Vara Especializada na Infância e Juventude, todos os adolescentes verificados no local eram procedentes de outros municípios da região, como Cruz Alta, Palmeira das Missões e Nicolau Vergueiro. Muitos deles foram encaminhados para recuperação via procedimento Judicial, certamente por desconhecimentos dos Juízes de que o local era desqualificado para a atividade e não possuía registro ou liberação para tal funcionamento. Ainda segundo a promotora, os pacientes de Passo Fundo que necessitam de tratamento contra as drogas, não são tratados aqui e sim encaminhados para clínicas da região, onde recebem acompanhamento contínuo. O motivo é que o município não possuiu uma rede ou sistema adequado para esta finalidade, como preconiza o Ministério da Saúde e Sistema Único de Saúde. Através de uma liminar, o município paga o tratamento para os dependentes nestas instituições.
O promotor Edgar Garcia, da 1ª Promotoria Civil, afirmou que o MP investiga oito casas terapêuticas no município desde 2006, quando foi aberto um inquérito civil apontando irregularidades. Existem pelo menos 14 delas instaladas na cidade e algumas suportam mais pacientes do que o Hospital Bezerra de Menezes, especializado no tratamento psiquiátrico. O promotor deve se reunir hoje pela manhã com o Secretário de Saúde do município para definir se estas casas terapêuticas seguem as normas técnicas recomendadas para o atendimento, permanecendo abertas ou se todas elas serão fechadas, já que estariam em desacordo com a legislação.
A clínica já havia sido investigada pelo mesmo problema quando funcionava em outro endereço. Se as denúncias forem confirmadas, a prisão preventiva dos responsáveis pode vir a ser solicitada pela Justiça. Os adolescentes devem ser encaminhados de volta aos municípios de origem depois de procedimentos legais que já começaram a ser feitos ontem através da Secretaria de Assistência Social e Conselho Tutelar. Já os pacientes adultos permaneceram no local.