Leonardo Andreoli/ON
"Belas, singelas, donzelas, sem elas o mundo não vai pra nenhum lugar." A música já foi tema de novela e pode ilustrar uma nova situação da Polícia Civil de Passo Fundo. Com a chegada de duas novas delegadas ao município, elas já representam um terço dos policiais que ocupam a função em Passo Fundo. Sem cigarro na mão, bigode ou cara de mau, elas acreditam que o pulso firme e a capacidade de tomar decisões são os itens essenciais que formam um delegado - homem ou mulher. As características também servem para manter a ordem e garantir o cumprimento das leis. No dia a dia do trabalho, as pioneiras na profissão (Daniela e Claudia) são comumente citadas pelas recém-chegadas como exemplos a ser seguidos.
A média passo-fundense se enquadra nas estatísticas estaduais da presença da mulher na PC. Em todo o Rio Grande do Sul existem 6.046 agentes em diversos cargos. Desses, 4.361 são homens e 1.685 mulheres. Em porcentagem isso corresponde a 72,13% e 27,87%, respectivamente. Apenas no cargo de delegado são 427 homens e 144 mulheres. As informações foram disponibilizadas pela assessoria de imprensa do Gabinete da Chefia de Polícia.
A pioneira
A primeira mulher a ocupar o cargo de titular de delegacia na 6ª Regional de Passo Fundo é um exemplo de que lidar com o crime não deixa as pessoas mais rudes ou intolerantes. Na sala da Delegacia da Mulher - decorada com objetos cor de rosa, entre um telefonema e outro - Cláudia Crusius, fala do início na profissão, as quebras de paradigma e a luta para garantir que os direitos da mulher sejam garantidos. Ela e a delegada Daniela Mineto - atual responsável pela primeira Delegacia de Polícia - foram colegas na academia (Acadepol). Cláudia destaca que as primeiras mulheres entraram na polícia em 1982, porém o número de interessadas na profissão se intensificou apenas nos últimos 12 anos.
"Traga um par de algemas"
No início as pessoas iam até a delegacia para ver o rosto da nova delegada. Teve até advogado que duvidou. "Tive uma situação bem marcante, logo no início. Uma funcionária me chamou para avisar que um senhor estava no balcão acompanhado por um advogado. Cheguei, perguntei o que eles queriam e o advogado me disse: "Já falei com a tua colega, quero falar com o delegado". Quando me apresentei como delegada, ele, muito infeliz, disse: "Então me prenda. Olhei pra ele, virei pra trás e gritei: me traga um par de algemas!", conta. Segundo ela, apesar dessa ocasião, a receptividade na cidade sempre foi muito boa. "A delegada Daniela e eu conseguimos entrar e nos impor na profissão. A questão de se somos ou não mulheres se perdeu no meio do caminho", garante.
Inovação
Se a entrada na PC deixou os pais assustados, a audácia de Cláudia é uma marca na trajetória profissional. Como no dia em que resolveu combinar por telefone a prisão de um assassino confesso. "Uma mulher foi assassinada na vila Fátima e não tínhamos qualquer prova conclusiva. A situação me marcou porque nós intimamos um homem que eu acreditava suspeito e ele veio até a delegacia e confessou a culpa após um depoimento de quase quatro horas. Ele me pediu para não ser preso na casa dos pais deles e que eu ligasse pra ele quando tivesse o mandado de prisão na mão que ele se entregaria", conta.
Esse foi o procedimento adotado. Com o mandado em mãos e a contragosto do chefe de investigações na época, Cláudia ligou para o homem e combinou a prisão dele. "Ficamos na rua da casa dos pais dele para controlar o movimento. Ele pediu meia hora para arrumar as coisas. Depois do prazo, um amigo passou de carro pela casa e o pegou. Eles foram até o plantão. Ele desceu do carro, me estendeu a mão e disse: "A senhora cumpriu a sua parte, eu vou cumprir a minha", lembra ela. Além da investigação difícil, a forma da prisão marcou o caso.
A delegada formou-se em Direito pela PUCRS em 1989, fez Escola Superior do Ministério Público em 1990 e em 1992, advogou por quase dez anos e entrou para a polícia em 1999. Hoje ela é casada, tem uma filha e é titular da Delegacia da Mulher.
História de família
Acostumada com a rotina do pai policial, a titular da primeira Delegacia de Polícia de Passo Fundo, Daniela Mineto, viu na profissão a realização pessoal. O desejo de ingressar no serviço público iniciou ainda na época da faculdade. "Fiz concursos para juiz, promotor de Justiça e dois para delegada de polícia", conta. Na delimitação sobre em que área atuar, a vontade de ficar perto da família foi levada em conta. "A profissão de delegado de polícia para mulher, às vezes, parece um pouco estranha para algumas pessoas e para alguns leigos no assunto, mas a verdade é que eu já tinha uma veia policial. Com meu pai eu já tinha isso no meu dia a dia, então não era uma matéria que me assustava", conta.
Força
Para Daniela a força física não é determinante na função. "É óbvio que quando a gente fala em força física, não podemos afastar a questão de que o homem tem uma força maior e nós precisamos disso como policiais, mas não que o policial tenha que ser um homem. Tanto é que se abriram vagas para as mulheres", considera. A turma de Daniela e Cláudia foi uma das que teve o maior número de mulheres. "Com mais mulheres ingressando na área policial se desmistifica essa questão. Também ocorre uma maior procura pelo concurso. De qualquer forma temos contato direto com criminoso, usamos arma, passamos por situações de risco, e essas são características que afastam as pessoas, não só mulheres, como homens também", observa.
Humanização
Daniela acredita que a inserção da mulher trouxe mais leveza à profissão. "De uma forma geral a mulher levou para a área policial a especificidade de ser mais minuciosa, ser mais delicada no trato, é mais concentrada na hora de buscar um estudo. Essas são características mais fortes do gênero feminino, não que os homens não tenham", pondera.
Desafios
Para o maior desafio das mulheres na PC ser superado é uma questão de tempo. Na opinião de Daniela as mulheres precisam galgar mais cargos de chefia. "São poucas até agora. Até mesmo por questão de número e pela posição hierárquica dentro da polícia estar ligada a uma questão de antiguidade. As poucas mulheres que atuavam, recém estão chegando ao patamar de ser chefe", justifica. Ela destaca que algumas colegas de turma já estão assumindo regionais.
Formada pela Universidade Federal de Santa Maria em 1996, ela ingressou na polícia em 1999. É pós-graduada pela UPF em Ciências Criminais, em 2003, e mestre pela Unisc, em 2006.
Primeiro dia na DPPA
As primeiras horas de trabalho foram corridas para a delegada Raquel Kolberg, que assumiu a Delegacia de Polícia de Pronto Atendimento (DPPA). No primeiro plantão ela atendeu a um assalto de carga e um homicídio. "Confirmei tudo que eu esperava. É dinâmico, você tem de ser ágil, tem de decidir. O trabalho dos agentes é ímpar, eles têm uma experiência absurda. Obviamente, eu estou entrando hoje e, embora tenha experiência em muitos aspectos, eu não tenho experiência policial. Eles auxiliam bastante. Mas é o que eu esperava. É preciso pensar, decidir. Quando eu sentei para almoçar, eu pensei "que bom, eu fui relevante para o mundo", conta.
Na sala ainda não concluída na DPPA, ela falou o que a levou para a profissão. "O gosto pelo Direito Penal foi um dos fatores que me levou a tomar essa decisão, o dinamismo e a relevância da profissão também. Eu vinha de outros concursos bons, até economicamente melhores, mas não eram trabalhos que me satisfizessem. Preciso que o meu trabalho tenha relevância. Não é só fazer um monte de papel", analisa.
Ser delegada não é sonho de criança, embora sempre tenha admirado a profissão. "Quando eu dei a notícia de que eu tinha passado na fase mais difícil do concurso, minha mãe me disse: 'Parabéns! Mas você não vai ficar para sempre, né?", com medo. Meu pai também teve receio, mas ele gosta, fica orgulhoso, a mãe gosta, mas diz 'Te cuida, cuidado, mas veja bem, pensa bem', com vários poréns, um receio natural", brinca.
Pulso firme
Para ela entre as principais características para o cargo estão o pulso firme e saber decidir. "Tem que ter postura e perfil. Tem pessoas que não conseguem decidir sob pressão. Esse é o perfil", define. Raquel Kolberg está noiva e ela acredita que conciliar o tempo entre trabalho e família é possível. "Pode ser um pouco mais difícil, por questão de horário ou de segurança, mas não inviabiliza. Você tem que compensar de alguma forma, tomar mais cuidado. Eu tenho a preocupação limite para me cuidar, não posso dizer que não muda nada, e não pode ser. Um certo receio serve para nossa proteção", afirma.
Resposta à sociedade
Rafaela Weiler Bier entrou na PC pela afinidade com o Direito Penal e por querer fazer diferença na sociedade, atuando na diminuição da criminalidade. Ela assumiu a Delegacia de Delitos de Trânsito. "A função do delegado é um pouco diferente, por que é necessário ter noções de administração, coisa que em outros órgãos basicamente não é feita pelas autoridades. Sempre fui muito organizada e isso é um fator que contribuiu para a minha aprovação. Temos ótimos funcionários e basicamente no início a gente teve acompanhamento dos delegados antigos que passaram as principais atividades e agora assumimos", avalia.
Exemplos
Para ela, a questão de preconceito já não existe mais. "Temos exemplos na cidade que são as delegadas Cláudia e Daniela, que fazem um ótimo trabalho e são exemplo para as gerações que estão entrando agora", acrescenta. A dupla de pioneiras na cidade também é citada quando o assunto é a formação de família. "Elas são casadas têm filhos e conciliam talvez até melhor, porque quanto mais responsabilidade, melhor a gente se organiza", compara.
Perfil
Apesar de a família ter ficado receosa com a decisão, Rafaela acredita que tem o perfil para a profissão. "Sempre fui muito dinâmica e corri atrás dos meus objetivos, todo mundo sempre me respeitou. Ouvi falar que eu tinha perfil para ser delegada porque eu sei administrar muito bem e sou pra frente mesmo, não deixo as coisas para os outros e acho que tem que ser assim. Precisa-se ser firme. Demonstrar para a sociedade que o que a gente deseja é o cumprimento da lei, e quem não a cumpre merece punição, seja no âmbito administrativo ou criminal", conclui.