65% dos acidentes com lesões envolvem motos

Em 2010 foram registradas 683 ocorrências com pessoas feridas, em Passo Fundo. Mais da metade envolveu motociclistas

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Bruno Todero/Especial ON e Redação/ON

Com uma frota de mais de 97,5 mil veículos (Receita Estadual), Passo Fundo figura entre as cidades com maior índice de acidentes de trânsito que resultam em pessoas feridas no Estado. Em 2009, segundo estatísticas do Detran-RS, 1.472 pessoas tiveram lesões em ocorrências no perímetro urbano, o que coloca o município com número de feridos para cada 10 mil habitantes maior até mesmo do que a capital Porto Alegre. Em Passo Fundo, essa proporção chegou em 2009 a 78,5 feridos em acidentes para cada 10 mil pessoas. Na capital, a taxa é de 50,6 para cada 10 mil. Um levantamento feito pela Brigada Militar no município mostra que acontecem, em média, 72 acidentes com vítimas lesionadas por mês no perímetro urbano. Chama atenção que, deste total, 65,2% envolve motocicletas. A média é de 47 casos por mês, um a cada 15 horas. Só até a metade do ano, a BM apontou a ocorrência de 379 motociclistas feridos em ocorrências de trânsito. No mês de abril, por exemplo, em que a Brigada registrou 78 acidentes, 55 tiveram a participação de pelo menos uma moto.

Uma das justificativas para este percentual é a maior facilidade de acesso a este tipo de veículo, aliado à imprudência dos condutores. “A motocicleta se tornou um meio de trabalho, então temos uma quantidade deste veículo muito maior do que anos atrás”, afirma o major Gilcei Leal da Silva, do Corpo de Bombeiros de Passo Fundo. O aumento significativo da frota na cidade é comprovado pelos números da Receita Estadual. Em 10 anos, praticamente dobrou o número de carros, motos e caminhões.  Desde 2000, são quase 50 mil veículos a mais transitando pelas ruas da cidade, com aumento populacional inferior a 20 mil pessoas.

Falta educação

Além do fator frota, o major atribui à imprudência o principal fator condicionante dos acidentes de trânsito. “Trata-se de uma questão de educação. Mesmo havendo um número maior de veículos, está faltando educação tanto dos condutores, seja de moto ou qualquer outro veículo, quanto de pedestres”, avalia Silva. O excesso de velocidade também é lembrado pelo oficial, principalmente no que diz respeito as ocorrência envolvendo motocicletas. “Temos um grande número de acidentes envolvendo esse meio de transporte devido ao excesso de velocidade, principalmente daqueles que utilizam a moto para serviço de entregas. Os motoboys costumam costurar no trânsito porque precisam chegar a vários pontos da cidade de forma rápida”, salienta.
Conforme a delegada de Trânsito, Rafaela Bier foram instaurados 29 inquéritos policiais por homicídio culposo no trânsito em 2010, quase dois homicídios por mês. Segundo ela, esses números são considerados altos e os acidentes acontecem devido, principalmente, a imprudência, a negligência e a imperícia.

Acidentes em 2010    Nº de acidentes
Lesões corporais              683
Danos materiais              169
Mortes*                          13
Atropelamento                102
Total                              967
*OBS: algumas pessoas podem ter falecido no hospital e podem não ter comunicado a BM.
Fonte: Brigada Militar

Acidentes de trânsito com lesões
MÊS    NÚMERO TOTAL    ENVOLVENDO MOTOS

Janeiro          69                      46 (66%)
Fevereiro       63                      45 (71%)
Março            60                      37 (61%)
Abril              78                      54 (69%)
Maio              70                      48 (68%)
Junho            92                      64 (69%)
Julho             67                      37 (55%)
Agosto           82                      49 (60%)
TOTAL          581                     379 (65%)
Fonte: Brigada Militar

Evolução da frota em Passo Fundo

Ano    Veículos
2000    52.338
2005    74.107
2008    75.400
2010    97.503
Fonte: Delegacia da Receita Estadual de Passo Fundo

De motoboy para cadeirante, halterofilista e instrutor de CFC

Foi um desses tantos acidentes envolvendo motocicletas que deixou o até então motoboy e vendedor de carros Celso Leandro Maicá Monteiro sem os movimentos das pernas. Era madrugada do dia 22 de outubro de 2002. Leandro, então com 32 anos, voltava para casa depois de um encontro com a namorada. Em uma esquina da região central de Passo Fundo, teve a frente da moto cortada por um caminhão, que converteu a esquerda sem dar sinal indicativo. A moto de Leandro acertou a roda dianteira esquerda do caminhão, projetando o motociclista contra a cabine. Com a violência do impacto, o rapaz foi jogado contra a calçada, batendo as costas na parede de um prédio. Ali, deitado na calçada, ainda consciente, sentiu que algo grave havia acontecido. Tentou levantar, mas as pernas não responderam. “Consegui olhar a moto embaixo do caminhão, mas não consegui levantar. Os bombeiros me socorreram, me colocaram na maca e naquele momento eu percebi que havia algo errado. Eu não sentia minhas pernas. Eu já era acostumado a cair de moto, pilotava desde os 15 anos e já tinha caído mais de 10 vezes, mas nunca como naquele dia”, revela.
No hospital, veio o diagnóstico que mudou a vida de Leandro. O médico, mostrando as radiografias, atestou que uma vértebra havia ‘estourado’, lesionando a coluna vertebral. O motoboy não poderia mais andar, e, consequentemente, nunca mais pilotaria uma moto. Começava ali, aos 32 anos, a nova vida de Leandro. “Bateu a depressão no começo. Após quatro meses da lesão, viajei para Brasília para um tratamento na Rede Sarah Kubitschek. Fiquei internado por um mês, tendo acompanhamento psiquiátrico, psicológico e físico para reabilitação. Lá me ensinaram a viver a minha nova vida. Me ensinaram a locomover com a cadeira, fazer a higiene, fazer tudo que preciso para ter uma independência. Só então, cinco meses depois do acidente, comecei a enfrentar e aceitar a nova vida que eu tinha, em cima de uma cadeira de rodas”, conta Leandro. Segundo ele, uma vida melhor do que a que levava antes da lesão. “Antes eu tinha uma vida totalmente desregrada. Só gostava de festa, balada, ‘trago’, mulher, não tinha objetivo na vida. Depois do acidente mudei totalmente, melhorou tudo em minha vida, com o único porém de estar na cadeira de rodas”, garante.
A mudança só aconteceu graças ao que aprendeu no hospital em Brasília. Lá, teve contato com deficientes esportistas, e tomou gosto pelo basquete. Retornou a Passo Fundo e montou um time de cadeirantes. Gostou tanto da ideia que, em 2005, já participava de competições para deficientes. Em uma delas, em Porto Alegre, conheceu o homem que daria um novo empurrão na sua vida. “Disputei todas as modalidades da competição: basquete, natação, tiro esportivo e halterofilismo. Um professor me puxou para um lado e disse que eu tinha uma boa genética para ser halterofilista, e que deveria investir nisso. Aquilo ficou ‘matutando’ na minha cabeça e, quando voltei para Passo Fundo, comecei a treinar, e não parei mais”, revela. Começou erguendo 50 Kg. Com um ano de treino dobrou o peso. Com dois, já era campeão brasileiro. “Em 2007 conquistei o primeiro título e, em 2008, bati o recorde brasileiro de levantamento na categoria até 52 Kg”, conta.

O lado instrutor de Leandro
Mesmo depois do acidente, a paixão de Leandro por motos e veículos não esfriou. Foi por esse amor que começou a frequentar o ambiente de um de seus patrocinadores, um Centro de Formação de Condutores (CFC) de Passo Fundo. Conhecedor das leis que regem o trânsito e personagem de uma história real do perigo que as ruas oferecem, sugeriu ao diretor do CFC que pudesse contar a própria história para os alunos que frequentam as aulas teóricas para a 1ª habilitação. A ideia deu tão certo que criou a disciplina de Conscientização e Sensibilização no Trânsito, iniciativa pioneira no Estado. Durante duas horas de explanação, os alunos recebem informações gerais sobre trânsito, mas principalmente sobre as consequências dos acidentes. “Estudei muito sobre trânsito, me formei instrutor de auto-escola e hoje domino essa questão. Uso esse conhecimento e a minha história de vida para mostrar para eles (alunos) como é difícil se recuperar de um acidente. Eu falo sobre a minha realidade, que é dura, que é cheia de limitações. Tudo por causa de um segundo de distração do outro motorista”, relata. “Eu costumo dizer para eles que eu, Celso Leandro, consegui dar a volta por cima, mas que a maioria dos acidentados não consegue e acabam se entregando para o problema. Hoje temos mais de mil cadeirantes em Passo Fundo e a grande maioria está escondida em casa”, completa. Com apoio do CFC onde trabalha, Leandro pretende lançar na Assembleia Legislativa do Estado a ideia de um projeto de lei que torne obrigatória a disciplina de Conscientização e Sensibilização no Trânsito nas aulas teóricas dos CFCs gaúchos.  

Projeto pretende educar para prevenir acidentes
Em Passo Fundo, 83,6% dos acidentes de trânsito com lesões corporais envolvem pessoas do sexo masculino, com idade média de 34,6 anos. A gravidade dos acidentes é preocupante: 93,5% dos óbitos ocorridos em acidentes de causa externa – cuja principal causa é acidente de transporte – acontecem antes da entrada na emergência hospitalar. Estes dados são a conclusão de um estudo sobre acidentes de trânsito com lesões corporais ocorridos no município de Passo Fundo no período de julho a dezembro de 2007 e julho a dezembro de 2008. Os índices foram coletados por pesquisadores da Universidade de Passo Fundo (UPF) nos boletins de ocorrência e no sistema de informação da Brigada Militar por meio de um questionário estruturado em que participaram 989 casos de acidentes de trânsito com lesões corporais, envolvendo 2.040 pessoas.

Agora, os mesmos dados embasam um projeto de educação para o trânsito, que obteve recursos do Ministério da Saúde para sua realização. A professora Bernadete Dalmolin está à frente do projeto Redução da Morbimortalidade por Acidentes de Trânsito no município de Passo Fundo, do qual também fazem parte professores e alunos da UPF e profissionais que atuam na Secretaria Municipal da Saúde e na Coordenadoria Regional de Saúde. Para Bernadete, os acidentes de trânsito são um dos grandes problemas da saúde pública no município de Passo Fundo, especialmente para a população jovem e masculina. “Impactam a economia, geram altos custos hospitalares, perdas afetivas e materiais, investimentos em reabilitação e próteses e despesas previdenciárias, além da dor, trauma e sofrimento que causam às vitimas e aos seus familiares”, avalia a coordenadora.

O objetivo do projeto é discutir ações de promoção da saúde por meio da educação, tendo como foco adolescentes e adultos jovens. De setembro a novembro, serão desenvolvidas ações estratégicas em pontos de alta circulação de jovens, através de atividades educativas visando a proteção e preservação da vida. A primeira atividade foi um seminário integrador entre os profissionais que atuam com o tema trânsito no município.

Apontamentos do Estudo
- Alto número de atropelamentos, atingindo a razão de um caso a cada dois dias.
- A maioria dos acidentes ocorreu na área central da cidade.
- Quanto ao dia da semana, prevaleceram às sextas-feiras com 15,9% dos casos, seguidos pelos sábados e quartas feiras.
- Nos boletins de ocorrência da Guarda Municipal de Trânsito, 61,3% possuía habilitação compatível com o veículo e 8% não possuíam documentação necessária para trafegar.
- No último trimestre do ano, com destaque para o mês de dezembro, ocorreu uma média de 8,6 acidentes de trânsito por dia.

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