Usuário de crack é levado ao MP em busca de internação

Adolescente aguardou por atendimento no corredor do Ministério Público por quase seis horas. Caso demonstra apenas um pequeno exemplo do descontrole do consumo de crack em Passo Fundo

Por
· 4 min de leitura
Você prefere ouvir essa matéria?
A- A+

Gerson Urguim e Zulmara Colussi/ON

O caos provocado pelo consumo do crack deu mais uma mostra da sua forma e, mais uma vez, bateu às portas do Ministério Público. Um adolescente de 17 anos, usuário da droga, foi detido três vezes em menos de 24 horas. Na manhã de domingo (6), ele invadiu uma residência na Rua 14 de Julho, na Vila Rodrigues e foi detido por um inspetor da Polícia Civil que é vizinho da residência invadida e percebeu uma movimentação estranha no local, uma vez que os proprietários da residência estavam viajando.

O adolescente entrou pela janela da cozinha e tentou sair levando duas jaquetas de couro, um porta CDs, um par de calçados, uma sanduicheira, uma mochila e jóias. Ele foi encaminhado à Delegacia de Polícia de Pronto Atendimento, de onde foi liberado. Ele ainda ameaçou o policial civil com um facão antes de ser detido.

Os objetos foram recuperados e entregues a uma vizinha, que teria ficado responsável por vigiar a casa enquanto os proprietários estavam fora. Um cachimbo de crack também foi encontrado com o menor. O proprietário da residência, que já retornou de viagem, disse que um terreno baldio próximo a casa é freqüentemente utilizado por usuários de crack para o consumo da droga. “Eles estão sempre por aqui”, disse o aposentado de 73 anos, que encontrou a casa completamente revirada.

Na tarde do mesmo dia, ele invadiu da mesma forma, outra residência, desta vez na Rua São Vicente de Paulo, no bairro Lucas Araújo, onde tentou furtar dois aparelhos de DVD. Foi detido novamente e posteriormente liberado.
Já na madrugada de segunda-feira (7), foi detido outra vez, agora em uma construção na Avenida Presidente Vargas. Os policiais então resolveram tomar uma medida drástica, já que não seria possível encaminhar o adolescente ao Case (Centro de Atendimento Socioeducativo) por conta de seu vício, já que a instituição não possui unidade de saúde preparada para estes tipos de caso.

O menor então foi levado à sede do Ministério Público, no Centro da cidade, onde aguardou por internação até o final da tarde desta segunda-feira. Ele chegou a ser conduzido ao Hospital Municipal Dr. César Santos, porém foi levado novamente à sede do Ministério Público de onde finalmente retornou para o hospital.
O caso escancara a gravidade do problema do crack em Passo Fundo. O consumo da droga tem relação estreita com boa parte de crimes cometidos no município, inclusive os homicídios e outros delitos violentos, além dos pequenos furtos.

O drama da família
Segundo a irmã do jovem, de 23 anos, ele passou a usar o crack há cerca de dois anos e meio. “Ele começou do nada. Não tinha motivos pra isto. Em alguns momentos sinto muita raiva, mas ele é meu irmão”, contou. A mãe dos jovens está presa há três meses no Presídio Regional de Passo Fundo. A irmã, que já tem dois filhos, cuida também dos quatro irmãos menores, com idades entre 3 e 13 anos. Ela vive com a pensão do marido que já faleceu.

Para ela, a internação do irmão, que parou de estudar na 3ª série, apesar da forma como ocorreu, não deixa de ser um alívio. “Espero que ele faça todo o tratamento e que não volte para casa. Desde pequeno ele é muito agressivo e já me ameaçou. Depois que começou a usar o crack ficou ainda pior”, explicou.

Ainda de acordo com a irmã, o jovem sempre teve dificuldades em se relacionar com outras pessoas, tendo sido inclusive examinado quando estava na escola a fim de constatar se não sofria de nenhum distúrbio mental. “O médico disse que a louca era a nossa mãe”, afirmou.

Para a promotora Cleonice Rodrigues Aires que responde interinamente Promotoria da Infância e da Juventude é inadmissível que Passo Fundo não consiga atender a uma demanda que já existe há mais de quatro anos. “Não há nenhum passo concreto para atender esta demanda e o que se conquistou que é o mínimo do mínimo, as seis vagas para desintoxicação de crianças e adolescentes do Hospital Municipal, nem isso está funcionando neste momento”. A promotora decidiu que o adolescente não deixaria a sede do MP se não fosse atendido e buscou todas as alternativas, mas se surpreendeu com o que encontrou. No Caps AD, por exemplo, o único psiquiatra que atende dois dias por semana está em férias e não há profissional substituto. No Hospital Municipal, a tentativa foi por duas vezes e somente na segunda, a instituição recebeu o jovem. Diante do grau de gravidade, a promotora Cleonice vai solicitar informações formais ao município sobre este tipo de atendimento e vai solicitar o andamento da ação civil pública movida contra o município. Além disso, quer provocar debate com a sociedade para que se tenha transparência das ações do município. “Não podemos mais aceitar o discurso de que não há como atender a demanda. Se somos referência em saúde temos obrigação de atender a nossa população”, disse.

Casos extremos
O diretor do Hospital Municpal Cesar Santos, Leandro Bussoloto, disse que mesmo com a ala para menores desativada, os casos extremos são sempre atendidos pela instituição. O adolescente internado ontem passará por um processo de desintoxicação, onde permanecerá por uma semana sem contato externo, nem mesmo com a família.

Gostou? Compartilhe