Sequestro: um trauma que pode ser superado
Psicóloga avalia como essa experiência interfere na vida do indivíduo; vítima relata como tudo aconteceu com ela e desabafa sobre insegurança em Passo Fundo
Fernanda Bruni/ON
Uma onda de sequestros relâmpago vem acometendo Passo Fundo e região. Geralmente as vítimas estão chegando em suas casas e são abordadas de forma violenta por seus algozes. Não há como escapar. Quando se dão conta, estão sob a mira de uma arma e sendo levadas para algum lugar que não fazem menor ideia. Tudo isso em poucos segundos. Quando o desfecho é bem sucedido e a vítima consegue voltar para sua família, vem o que se chama de trauma. Mas, é possível superar os medos e aflições que uma experiência dessas traz para a vida do indivíduo?
A psicóloga, professora titular do curso de Psicologia da Universidade de Passo Fundo, mestre em Psicologia Clínica, Maristela Piva, acredita que falar sobre o que aconteceu pode ajudar e muito a superar o trauma. “As pessoas que vivem essa experiência, muitas vezes, ficam sem conseguir falar sobre o assunto. Internamente, elas ficam revivendo essa experiência e quando querem falar, as pessoas dizem para elas esquecerem daquilo. Essa falta de falar vai fazer com que elas se remetam a essa experiência de dor e sofrimento e algumas vítimas chegam até a atribuir para si a responsabilidade por aquilo que lhe aconteceu”, destacou.
Para a psicóloga, a inquietação de responsabilidade às vezes se dá porque muitas vezes familiares e amigos e até a própria pessoa questionam porque estava no lugar onde o fato aconteceu e porque não tomou mais cuidado. Mas, na verdade, ela garante que a pessoa tem que ser inocentada desse sofrimento porque ela é a vítima. “Esse sofrimento se deu no corpo dela, na mente dela, na história de vida dela. Acho que é importante não questionar sob essa perspectiva porque, na verdade, ele não tem culpa disso”, disse.
As vítimas de violência, muitas vezes acabam desenvolvendo um distúrbio de estresse pós-traumático tendo como sintoma uma ansiedade antecipatória. “Ele começa a reviver aquela situação de várias formas, podem acontecer pequenos eventos que ativam a memória do sujeito, fazendo com que ele lembre e faça uma analogia daquilo que aconteceu. Aí os sintomas de medo, pensamentos, sonhos, percepções recorrentes do evento fazem parte da rotina. A pessoa passa a evitar situações que de alguma forma a façam pensar que aquilo pudesse acontecer de novo. Isso faz com ela limite sua possibilidade de viver e se divertir porque teme que aquilo aconteça de novo”, pontuou Maristela.
Outro apontamento feito pela psicóloga é a reclamação das vítimas, que tiveram suas vidas colocadas em risco e que foram ameaçadas de morte pelos assaltantes, é que quando elas chegavam à delegacia ao invés de serem cuidadas, sentiam que a tônica toda de preocupação estava com o bandido. “Às vezes falta oferecer um copo de água, perguntar como a pessoa está. Falta um profissional qualificado para acolher a pessoa e não só para interrogar”, declarou.
Maristela sugere a formação de um grupo de apoio para as vítimas, para que elas possam fazer um tratamento subseqüente, onde falem abertamente sobre o seu trauma e sua dor, partilhando com outras pessoas. Isso poderia ajudar a sair do sentimento de solidão. Segundo ela, fica um sentimento de impotência e falar sobre o assunto pode ajudar a pessoa a seguir sua vida adiante.
Ela acrescenta que se vive, hoje, cada vez mais situações que envolvem violência. Isso vai banalizando a convivência social e é preciso pensar alternativas de combate. Uma sugestão é criar redes de solidariedade para ajudar essas pessoas a reorganizarem suas vidas porque, geralmente, cada um se vira com suas buscas e sofrimentos.
Entrevista
A professora de ensino médio que foi vítima de um sequestro relâmpago, realizado por dois menores, no início de março, em Passo Fundo, relatou ao O Nacional a sua experiência. Ela fala como tudo aconteceu, como ela e os sequestradores se portaram, como foi a abordagem do veículo pela Brigada Militar e que lições essa experiência trouxe para sua vida.
ON – Como foi que tudo aconteceu?
Professora – Eu estava chegando em casa eram 16h30. Era uma tarde ensolarada, tranquila. Eu sempre fui muito cuidadosa e observei a rua para ver se havia pessoas por perto, não tinha ninguém. Fiz como sempre faço, entrei na garagem com o carro, o portão é eletrônico, e imediatamente comecei a fechá-lo. Enquanto o portão fechava, desci do carro e entraram dois meninos que depois descobri que tinham 17 anos. Como eu atuo com essa faixa etária por ser professora do ensino médio, num primeiro momento achei que fossem alunos. Só percebi que não eram no momento em que um deles apontou uma arma e insistiu que aquilo era um assalto.
ON – Eles a machucaram fisicamente?
Professora - Eles foram bastante violentos em palavras, mandavam que eu me mantivesse abaixada no carro para que não levantasse suspeita. A todo instante eu pensava “o que será que vai acontecer comigo”. Na hora que me colocaram dentro do carro me empurraram com força, fiquei com hematomas no braço, deram empurrões, me cutucavam com a arma o tempo todo na altura da cintura. É uma violência! Eu ofereci que levassem o meu carro ainda quando estávamos na garagem, mas eles quiseram me levar junto.
ON – Quanto tempo você permaneceu com os sequestradores?
Professora – Foi um percurso em torno de nove quilômetros, em alta velocidade. Eu calculo que tenha ficado refém por uns 10 minutos desde o momento que fui pega aqui na garagem até a abordagem da polícia. Mas, não tenho um tempo preciso porque a gente perde a noção das coisas. Parece que aquilo não está acontecendo.
ON – Você acha que era um alvo planejado ou foi escolhida pela oportunidade?
Professora – Não. Uma pessoa que mora aqui perto de casa disse depois que voltei para casa que tinha percebido que esse mesmo carro onde estavam os meninos seguia ela. Só que ela conseguiu fechar a garagem a tempo. Eles até tentaram abordá-la, mas não tiveram sucesso. Era uma senhora. Então, saíram da casa dela com um desfecho negativo, me viram aqui e me pegaram. Por isso acho que foi totalmente ao acaso, era o momento e a hora errada para eu chegar em casa. Só que você nunca pensa numa situação assim. Eu, chegando em casa, descendo do carro e alguém me sequestrando. Ainda mais que a rua aqui é bem movimentada, tem carro passando toda hora.
ON – Os bandidos tinham um carro de apoio então?
Professora – Sim, havia um carro de apoio que acompanhou por todo o percurso. Eles se falavam muito por celular. Além disso, o meu vizinho identificou o carro deles como sendo o que deixou os meninos aqui na porta da garagem. O carro fez a volta na rua e seguiu o meu carro.
ON – Quando caiu a ficha que era um sequestro, o que passou pela sua cabeça? Você pensou na pior das hipóteses?
Professora - Sim. A gente sempre pensa. É um pavor, uma coisa que demora para esquecer e que provavelmente eu nunca esqueça. É uma sensação muito desagradável. Medo, insegurança, não se tem o que fazer. Em muitas situações durante o trajeto, eu pensei em fugir. Mas também sempre me vinha o pensamento de que tinha que usar o bom senso, raciocinar direito e ver o que acontecia. Porém, eu pensava muito no pior, e tem que se pensar nisso sim. Só que eu não podia deixar esse sentimento tomar conta. Tinha a consciência de que se eu chorasse, gritasse ou não colaborasse ia ser pior par mim. Seria um agravante.
ON – Você está dizendo então que conseguiu se manter calma e não chorar?
Professora – Sim. Eu pensei que aquela minha situação era delicada, mas eu tinha que ser mais inteligente que eles. Precisava dar tempo ao tempo. Imaginava que eles não iam ficar muito tempo comigo, tinha certeza que situação ia ser resolvida brevemente, só não sabia que desfecho ia ter. Eu era a vítima e tinha que cooperar. Só pensava que tudo tinha que dar certo para eles e para mim.
ON – Você conversava com eles?
Professora – Sim. Durante o trajeto eles estavam muito nervosos e agressivos, aí eu fui conversando com eles calmamente. Chegou um ponto que eles até estavam mais calmos porque eu dizia que estava cooperando e que não havia necessidade de eles ficarem daquele jeito. Eu pedia para que eles se cuidassem no trânsito porque estavam em alta velocidade e fazendo ultrapassagens perigosas. Argumentei que como eles tinham como objetivo o carro, que ninguém ia querer um carro batido. Então, as ultrapassagens começaram a ser mais tranquilas, mas sempre em alta velocidade. E a arma permaneceu sempre apontada para mim e essa era a situação mais assustadora. É horrível porque você não faz ideia do que vai acontecer.
ON – O que você acredita ter sido importante para você estar bem hoje?
Professora – Um fator determinante foi a política da boa vizinhança. Temos que ter a humildade de deixar que os outros nos cuidem e também nós termos a atitude de cuidar dos outros. Eu tive sorte que os meus vizinhos atenciosos viram que havia algo errado. Inicialmente eles também pensaram que poderia ser alguma brincadeira de mau gosto. Quando perceberam que o carro saiu em alta velocidade e eles não se deram conta que eu estava dentro do carro, se assustaram e chamaram a polícia. Dois vizinhos viram e resolveram acionar a polícia. Foi um momento muito precioso porque acontece tudo muito rápido. Parece um filme e você demora a acreditar que aquilo está mesmo acontecendo. Graças a eles o resultado foi o melhor possível. Meus vizinhos até vieram falar depois que não sabiam o que fazer, que não tinham muita certeza, que parecia tudo muito estranho. Outra coisa que contribuiu foi eu não ter reagido. Acho que ninguém deve reagir. Se a gente for esperar até que a política se desenvolva a ponto de cuidar de nós como gostaríamos, o marginal vai sempre obter vantagens. Desde que isso aconteceu comigo, muitas pessoas relataram sobre experiências que viveram perdendo carro, celular, tênis, carteira, enfim. Não dá mais para deixar assim. A população tem que agir de forma a se policiar para ser mais atencioso com seu vizinho ou qualquer outra pessoa. Temos que agir como os animais fazem na floresta quando tem um animal sozinho e indefeso, sendo uma presa fácil, mas se formarem um grupo de animais o predador não ataca tão facilmente.
ON – Você acha que eles iam fazer pedido de resgate para sua família?
Professora – Não consegui pensar nisso porque, na verdade, a ordem era que eu ficasse quieta. Embora eu tentasse conversar com eles, não me deram muita informação sobre o que queriam com a minha presença.
ON – Como foi a abordagem da polícia ao carro?
Professora – A polícia agiu de uma maneira bastante eficiente, foram bem profissionais e conseguiram me resgatar. No momento em si da abordagem, como eles estavam me mantendo de cabeça baixa, eu não vi. Só escutei situações. Mas, percebi que os policiais foram bem profissionais até por não terem certeza do que estava acontecendo e quem eram as pessoas que estavam no carro. Sem confusão, solicitaram que descêssemos do carro, os meninos desceram primeiro e depois que eles fugiram eu desci. Eu tive a impressão quando eles pararam o carro que tentaram atirar nos policiais que não reagiram porque eu a arma deles falhou. Eles fugiram para o mato e foi quando os policiais me viram e pediram para eu descer, me identifiquei e disse que era vítima de um assalto. Os policiais me protegeram e foram em busca dos assaltantes que foram encontrados minutos depois.
ON - Que lições você e sua família tiraram dessa situação? São mais cuidadosos do que já eram ou tentam se manter tranquilos dentro de uma rotina normal?
Professora – Nós sempre fomos cuidadosos, mas agora estamos bem mais. Percebi que os meus vizinhos se tornaram muito mais atenciosos. Estamos mais amigos, recebo muitas palavras de apoio. Nós vivíamos aqui com pessoas muito especiais que até então fazíamos ideia, mas não sabíamos o quanto. Amigos maravilhosos prontos a ajudar. A família também se fortaleceu. Uma família super dedicada, carinhosa, enfim, só veio a reforçar todas as relações em função disso.
ON – E a cadelinha que fugiu depois da abordagem dos bandidos, vocês já a encontraram?
Professora – Sim. As pessoas foram muito solidárias conosco, se envolveram para que os resultados fossem os melhores possíveis. A cadelinha fugiu minutos depois do assalto. Após chamarem os policiais, eles entraram aqui em casa porque o portão tinha ficado aberto. Quando o policial abriu a porta de casa, ela fugiu. Tivemos sorte que uma pessoa muito bacana a encontrou na rua e deu todo um tratamento de apoio a ela. Amigos divulgaram foto no Orkut, MSN, cartazes pela cidade até que essa pessoa veio e nos trouxe a cadelinha de volta, que também é um ser muito especial para a nossa família.
ON – E o que você pensa do papel do poder público no combate a violência?
Professora - Espero que esta situação sirva de alerta para as pessoas que trabalham com segurança. Elas precisam pensar na segurança como prioridade. Nós estamos inteiramente inseguros, à disposição dos bandidos, marginalizados. A agressividade é muito forte. Segurança é algo que tem que ser colocada no topo de prioridades, principalmente aqui em Passo Fundo que está demais. Não tem como deixar isso para depois. Tem que ser para ontem.
Fernanda Bruni/ON
Uma onda de sequestros relâmpago vem acometendo Passo Fundo e região. Geralmente as vítimas estão chegando em suas casas e são abordadas de forma violenta por seus algozes. Não há como escapar. Quando se dão conta, estão sob a mira de uma arma e sendo levadas para algum lugar que não fazem menor ideia. Tudo isso em poucos segundos. Quando o desfecho é bem sucedido e a vítima consegue voltar para sua família, vem o que se chama de trauma. Mas, é possível superar os medos e aflições que uma experiência dessas traz para a vida do indivíduo? A psicóloga, professora titular do curso de Psicologia da Universidade de Passo Fundo, mestre em Psicologia Clínica, Maristela Piva, acredita que falar sobre o que aconteceu pode ajudar e muito a superar o trauma. “As pessoas que vivem essa experiência, muitas vezes, ficam sem conseguir falar sobre o assunto. Internamente, elas ficam revivendo essa experiência e quando querem falar, as pessoas dizem para elas esquecerem daquilo. Essa falta de falar vai fazer com que elas se remetam a essa experiência de dor e sofrimento e algumas vítimas chegam até a atribuir para si a responsabilidade por aquilo que lhe aconteceu”, destacou.Para a psicóloga, a inquietação de responsabilidade às vezes se dá porque muitas vezes familiares e amigos e até a própria pessoa questionam porque estava no lugar onde o fato aconteceu e porque não tomou mais cuidado. Mas, na verdade, ela garante que a pessoa tem que ser inocentada desse sofrimento porque ela é a vítima. “Esse sofrimento se deu no corpo dela, na mente dela, na história de vida dela. Acho que é importante não questionar sob essa perspectiva porque, na verdade, ele não tem culpa disso”, disse. As vítimas de violência, muitas vezes acabam desenvolvendo um distúrbio de estresse pós-traumático tendo como sintoma uma ansiedade antecipatória. “Ele começa a reviver aquela situação de várias formas, podem acontecer pequenos eventos que ativam a memória do sujeito, fazendo com que ele lembre e faça uma analogia daquilo que aconteceu. Aí os sintomas de medo, pensamentos, sonhos, percepções recorrentes do evento fazem parte da rotina. A pessoa passa a evitar situações que de alguma forma a façam pensar que aquilo pudesse acontecer de novo. Isso faz com ela limite sua possibilidade de viver e se divertir porque teme que aquilo aconteça de novo”, pontuou Maristela.Outro apontamento feito pela psicóloga é a reclamação das vítimas, que tiveram suas vidas colocadas em risco e que foram ameaçadas de morte pelos assaltantes, é que quando elas chegavam à delegacia ao invés de serem cuidadas, sentiam que a tônica toda de preocupação estava com o bandido. “Às vezes falta oferecer um copo de água, perguntar como a pessoa está. Falta um profissional qualificado para acolher a pessoa e não só para interrogar”, declarou.Maristela sugere a formação de um grupo de apoio para as vítimas, para que elas possam fazer um tratamento subseqüente, onde falem abertamente sobre o seu trauma e sua dor, partilhando com outras pessoas. Isso poderia ajudar a sair do sentimento de solidão. Segundo ela, fica um sentimento de impotência e falar sobre o assunto pode ajudar a pessoa a seguir sua vida adiante. Ela acrescenta que se vive, hoje, cada vez mais situações que envolvem violência. Isso vai banalizando a convivência social e é preciso pensar alternativas de combate. Uma sugestão é criar redes de solidariedade para ajudar essas pessoas a reorganizarem suas vidas porque, geralmente, cada um se vira com suas buscas e sofrimentos.
Entrevista
A professora de ensino médio que foi vítima de um sequestro relâmpago, realizado por dois menores, no início de março, em Passo Fundo, relatou ao O Nacional a sua experiência. Ela fala como tudo aconteceu, como ela e os sequestradores se portaram, como foi a abordagem do veículo pela Brigada Militar e que lições essa experiência trouxe para sua vida.
ON – Como foi que tudo aconteceu?
Professora – Eu estava chegando em casa eram 16h30. Era uma tarde ensolarada, tranquila. Eu sempre fui muito cuidadosa e observei a rua para ver se havia pessoas por perto, não tinha ninguém. Fiz como sempre faço, entrei na garagem com o carro, o portão é eletrônico, e imediatamente comecei a fechá-lo. Enquanto o portão fechava, desci do carro e entraram dois meninos que depois descobri que tinham 17 anos. Como eu atuo com essa faixa etária por ser professora do ensino médio, num primeiro momento achei que fossem alunos. Só percebi que não eram no momento em que um deles apontou uma arma e insistiu que aquilo era um assalto.
ON – Eles a machucaram fisicamente?
Professora - Eles foram bastante violentos em palavras, mandavam que eu me mantivesse abaixada no carro para que não levantasse suspeita. A todo instante eu pensava “o que será que vai acontecer comigo”. Na hora que me colocaram dentro do carro me empurraram com força, fiquei com hematomas no braço, deram empurrões, me cutucavam com a arma o tempo todo na altura da cintura. É uma violência! Eu ofereci que levassem o meu carro ainda quando estávamos na garagem, mas eles quiseram me levar junto.
ON – Quanto tempo você permaneceu com os sequestradores?
Professora – Foi um percurso em torno de nove quilômetros, em alta velocidade. Eu calculo que tenha ficado refém por uns 10 minutos desde o momento que fui pega aqui na garagem até a abordagem da polícia. Mas, não tenho um tempo preciso porque a gente perde a noção das coisas. Parece que aquilo não está acontecendo.
ON – Você acha que era um alvo planejado ou foi escolhida pela oportunidade?
Professora – Não. Uma pessoa que mora aqui perto de casa disse depois que voltei para casa que tinha percebido que esse mesmo carro onde estavam os meninos seguia ela. Só que ela conseguiu fechar a garagem a tempo. Eles até tentaram abordá-la, mas não tiveram sucesso. Era uma senhora. Então, saíram da casa dela com um desfecho negativo, me viram aqui e me pegaram. Por isso acho que foi totalmente ao acaso, era o momento e a hora errada para eu chegar em casa. Só que você nunca pensa numa situação assim. Eu, chegando em casa, descendo do carro e alguém me sequestrando. Ainda mais que a rua aqui é bem movimentada, tem carro passando toda hora.
ON – Os bandidos tinham um carro de apoio então?
Professora – Sim, havia um carro de apoio que acompanhou por todo o percurso. Eles se falavam muito por celular. Além disso, o meu vizinho identificou o carro deles como sendo o que deixou os meninos aqui na porta da garagem. O carro fez a volta na rua e seguiu o meu carro.
ON – Quando caiu a ficha que era um sequestro, o que passou pela sua cabeça? Você pensou na pior das hipóteses?
Professora - Sim. A gente sempre pensa. É um pavor, uma coisa que demora para esquecer e que provavelmente eu nunca esqueça. É uma sensação muito desagradável. Medo, insegurança, não se tem o que fazer. Em muitas situações durante o trajeto, eu pensei em fugir. Mas também sempre me vinha o pensamento de que tinha que usar o bom senso, raciocinar direito e ver o que acontecia. Porém, eu pensava muito no pior, e tem que se pensar nisso sim. Só que eu não podia deixar esse sentimento tomar conta. Tinha a consciência de que se eu chorasse, gritasse ou não colaborasse ia ser pior par mim. Seria um agravante.
ON – Você está dizendo então que conseguiu se manter calma e não chorar?
Professora – Sim. Eu pensei que aquela minha situação era delicada, mas eu tinha que ser mais inteligente que eles. Precisava dar tempo ao tempo. Imaginava que eles não iam ficar muito tempo comigo, tinha certeza que situação ia ser resolvida brevemente, só não sabia que desfecho ia ter. Eu era a vítima e tinha que cooperar. Só pensava que tudo tinha que dar certo para eles e para mim.
ON – Você conversava com eles?
Professora – Sim. Durante o trajeto eles estavam muito nervosos e agressivos, aí eu fui conversando com eles calmamente. Chegou um ponto que eles até estavam mais calmos porque eu dizia que estava cooperando e que não havia necessidade de eles ficarem daquele jeito. Eu pedia para que eles se cuidassem no trânsito porque estavam em alta velocidade e fazendo ultrapassagens perigosas. Argumentei que como eles tinham como objetivo o carro, que ninguém ia querer um carro batido. Então, as ultrapassagens começaram a ser mais tranquilas, mas sempre em alta velocidade. E a arma permaneceu sempre apontada para mim e essa era a situação mais assustadora. É horrível porque você não faz ideia do que vai acontecer.
ON – O que você acredita ter sido importante para você estar bem hoje?
Professora – Um fator determinante foi a política da boa vizinhança. Temos que ter a humildade de deixar que os outros nos cuidem e também nós termos a atitude de cuidar dos outros. Eu tive sorte que os meus vizinhos atenciosos viram que havia algo errado. Inicialmente eles também pensaram que poderia ser alguma brincadeira de mau gosto. Quando perceberam que o carro saiu em alta velocidade e eles não se deram conta que eu estava dentro do carro, se assustaram e chamaram a polícia. Dois vizinhos viram e resolveram acionar a polícia. Foi um momento muito precioso porque acontece tudo muito rápido. Parece um filme e você demora a acreditar que aquilo está mesmo acontecendo. Graças a eles o resultado foi o melhor possível. Meus vizinhos até vieram falar depois que não sabiam o que fazer, que não tinham muita certeza, que parecia tudo muito estranho. Outra coisa que contribuiu foi eu não ter reagido. Acho que ninguém deve reagir. Se a gente for esperar até que a política se desenvolva a ponto de cuidar de nós como gostaríamos, o marginal vai sempre obter vantagens. Desde que isso aconteceu comigo, muitas pessoas relataram sobre experiências que viveram perdendo carro, celular, tênis, carteira, enfim. Não dá mais para deixar assim. A população tem que agir de forma a se policiar para ser mais atencioso com seu vizinho ou qualquer outra pessoa. Temos que agir como os animais fazem na floresta quando tem um animal sozinho e indefeso, sendo uma presa fácil, mas se formarem um grupo de animais o predador não ataca tão facilmente.
ON – Você acha que eles iam fazer pedido de resgate para sua família?
Professora – Não consegui pensar nisso porque, na verdade, a ordem era que eu ficasse quieta. Embora eu tentasse conversar com eles, não me deram muita informação sobre o que queriam com a minha presença.
ON – Como foi a abordagem da polícia ao carro?
Professora – A polícia agiu de uma maneira bastante eficiente, foram bem profissionais e conseguiram me resgatar. No momento em si da abordagem, como eles estavam me mantendo de cabeça baixa, eu não vi. Só escutei situações. Mas, percebi que os policiais foram bem profissionais até por não terem certeza do que estava acontecendo e quem eram as pessoas que estavam no carro. Sem confusão, solicitaram que descêssemos do carro, os meninos desceram primeiro e depois que eles fugiram eu desci. Eu tive a impressão quando eles pararam o carro que tentaram atirar nos policiais que não reagiram porque eu a arma deles falhou. Eles fugiram para o mato e foi quando os policiais me viram e pediram para eu descer, me identifiquei e disse que era vítima de um assalto. Os policiais me protegeram e foram em busca dos assaltantes que foram encontrados minutos depois.
ON - Que lições você e sua família tiraram dessa situação? São mais cuidadosos do que já eram ou tentam se manter tranquilos dentro de uma rotina normal?
Professora – Nós sempre fomos cuidadosos, mas agora estamos bem mais. Percebi que os meus vizinhos se tornaram muito mais atenciosos. Estamos mais amigos, recebo muitas palavras de apoio. Nós vivíamos aqui com pessoas muito especiais que até então fazíamos ideia, mas não sabíamos o quanto. Amigos maravilhosos prontos a ajudar. A família também se fortaleceu. Uma família super dedicada, carinhosa, enfim, só veio a reforçar todas as relações em função disso.
ON – E a cadelinha que fugiu depois da abordagem dos bandidos, vocês já a encontraram?
Professora – Sim. As pessoas foram muito solidárias conosco, se envolveram para que os resultados fossem os melhores possíveis. A cadelinha fugiu minutos depois do assalto. Após chamarem os policiais, eles entraram aqui em casa porque o portão tinha ficado aberto. Quando o policial abriu a porta de casa, ela fugiu. Tivemos sorte que uma pessoa muito bacana a encontrou na rua e deu todo um tratamento de apoio a ela. Amigos divulgaram foto no Orkut, MSN, cartazes pela cidade até que essa pessoa veio e nos trouxe a cadelinha de volta, que também é um ser muito especial para a nossa família.
ON – E o que você pensa do papel do poder público no combate a violência?
Professora - Espero que esta situação sirva de alerta para as pessoas que trabalham com segurança. Elas precisam pensar na segurança como prioridade. Nós estamos inteiramente inseguros, à disposição dos bandidos, marginalizados. A agressividade é muito forte. Segurança é algo que tem que ser colocada no topo de prioridades, principalmente aqui em Passo Fundo que está demais. Não tem como deixar isso para depois. Tem que ser para ontem.