Redação ON
A Operação Saúde deflagrada nesta semana pela Polícia Federal (PF) e pela Coordenadoria Geral da União (CGU) gerou curiosidade e revolta na população. Uma máfia extremamente organizada e que atuava a partir de Barão do Cotegipe, pequeno município do Alto Uruguai, era especializada em fraudar licitações para a compra de medicamento pelas prefeituras. Dos mandados de prisão expedidos pela Justiça Federal de Erechim, 62 foram cumpridos e outras duas pessoas ainda estão foragidas. Ainda nesta semana os mesmos 62 foram liberados. A delegada responsável pelo caso Gabriela Trolle concedeu entrevista ao jornalista João Altair no programa Na Ordem do Dia transmitido pela Rádio Planalto na manhã de sexta-feira (20). Ela esclareceu detalhes das investigações e falou sobre a soltura dos acusados ainda na quinta-feira (19).
Durante a entrevista a delegada falou sobre a soltura dos acusados poucos dias após os mandados de prisão terem sido cumpridos. “Causa um certo estranhamento do pessoal, mas essas prisões decretadas no curso das investigações elas são provisórias e cautelares, tem duração de até cinco dias. Sabíamos, quando prendemos, que eles logo seriam soltos”, disse. Segundo ela esse tipo de prisão é decretado somente para que a polícia tenha tempo de colher as provas que faltam para o processo. “Entramos em residências, empresas, buscamos documentos, depois dos relatórios surgirão mais algumas coisas que precisamos ir atrás, Era esperado que esses réus fossem soltos para mais tarde serem julgados conforme o processo penal diante de um juiz federal e quiçá condenados de acordo com suas condutas”, acrescentou. Agora o material coletado está em fase de análise para posteriormente ser encaminhado ao juiz e ao Ministério Público Federal que vão denunciar ou não dependendo da convicção perante as provas. “Encontramos muita coisa que estávamos procurando, foi um sucesso”, avaliou.
Atuação
A fraude era extremamente organizada e envolvia os recursos federais destinados à compra de medicamentos por meio do Programa de Assistência Farmacêutica Básica – popularmente conhecido como Farmácia Básica. “Os empresários chegavam e corrompiam funcionários públicos a fim de burlar essas licitações ou combinando previamente no período pré-licitação ou pós-licitação. Eles não entregavam remédios que eram comprados pelas prefeituras, ou entregavam apenas parte deles, ou remédios com prazo de vencimento muito próximo que já eram inviáveis de serem distribuídos. Esse tipo de atuação nefasta é o que mais chamou a atenção da PF”, assinalou. Quando eles tinham uma concorrência efetiva na licitação e estavam combinados dentro da prefeitura, baixavam o preço para vencer a concorrência e mais tarde se acertavam com o servidor público que estava comprado e dividiam o excedente.
Gabriela também disse que o modo de operação foi sendo transmitido de pessoa para pessoa. Alguns dos envolvidos são ex-funcionários que montaram outro grupo estanque, outros tem algum grau de parentesco e são pessoas sempre relacionadas. No total 15 empresas atuavam na fraude até o dia da operação.
Segundo a delegada a participação algumas vezes não envolvia funcionários com cargos elevados nas prefeituras. Em determinados casos bastava um chefe do almoxarifado, por exemplo, que assinava um recibo de entrega de medicamentos irregular como se tivesse acontecido de forma normal. Quando a CGU chegava às prefeituras para fazer vistorias ela identificava que não havia controle de estoque o que é uma irregularidade administrativa. Portanto a CGU exigia a criação de um controle mais efetivo. Já com a população a resolução do problema era muito mais simples. Bastava dizer que os remédios tinham acabado.
Empresas
As empresas controladoras da fraude eram todas sediadas em Barão do Cotegipe. No entanto eles atuavam por meio de um sistema sofisticado em sete estados brasileiros – RS, SC, MS, MT, PR, PA e RO - em que cada representante comercial responsável por uma região abria uma nova empresa em nome próprio. “Então eles não faziam o repasse direto para o servidor. Eles passavam para a empresa desse representante que é quem tinha contato nos municípios. Porém, todos se reportavam aos chefes em Barão do Cotegipe e todos acabavam prestando contas pra eles”, acrescentou. A delegada deixa claro que a investigação conseguiu provar de forma clara esse vínculo entre os representantes que eram supostos donos de empresa e os donos do negócio que estavam em Barão do Cotegipe.
Movimentação financeira
A apuração da movimentação financeira durante os anos de investigação revelam cifras elevadas. Em 2009 foram R$ 40 milhões movimentados apenas por um grupo. Em 2010 a movimentação chegou a R$ 70 milhões. “A CGU está conosco desde o começo e eles já fiscalizaram 22 prefeituras, nestas, eles estimaram o desvio mínimo de 10% das licitações. Foram R$ 33 milhões licitados e R$ 3 milhões desviados pela estimativa da CGU”, apontou. Ela comparou ainda que 22 prefeituras têm pouca representatividade no contexto de 450 cidades no RS que repassaram verbas aos fraudadores. Devido a limitações de pessoal a polícia não teve como abranger todas as prefeituras num primeiro momento, mas a partir de agora o número de denúncias se intensifica. “Isso vai nos ajudar a descobrir onde a fraude ocorreu e onde realmente foi uma licitação conforme a legalidade”, ponderou.
Pai e filho
Dois dos principais suspeitos foram liberados na tarde desta sexta-feira. Pai e filho foram interrogados, mas como os advogados já haviam avisado, eles usaram o direito constitucional de permanecer calados. “Sempre adianto que isso assiste ao réu e é um direito, mentir, ficar calado ou falar a verdade são alternativas que as pessoas têm. Alguns optam por falar a verdade, o que acaba casando com as nossas investigações e isso vem a culminar numa delação premiada que é um beneficio para o réu lá na frente. Na hora da condenação o MP e o juiz entendem que aquela pessoa colaborou e eles acabam amenizando a pena”, pontuou. Ela observou ainda que poucas pessoas têm essa conduta.
Festas da fraude
Para agradar os envolvidos, os criminosos chegavam a organizar festas para comemorar datas importantes ou apenas para diversão. “Esse pessoal chegava a pagar prostíbulos para agradar os representantes das prefeituras. Eles fechavam casas e convidavam todo o pessoal. Fora os almoços e festas de fim de ano, camisetas, bonés, essas promiscuidades da relação do serviço público com as empresas. Isso às vezes não chega a ser um crime, mas é uma demonstração de promiscuidade que acaba chamando atenção”, reiterou.
Chinelão
Em algumas gravações interceptadas, os criminosos criticam pessoas com baixa renda. “Em um diálogo eles chegam a dizer: poxa esses chinelões que ganham menos de R$ 50 mil. Pra mim não vale nada quem ganha menos de R$ 50 mil”, revelou. Os envolvidos compraram hospital, academia, tinham movimentações bancárias altas e andavam de carro de luxo com o dinheiro desviado dos remédios que deveriam ser fornecidos a pessoas carentes.
Denúncia
A população ainda pode auxiliar as investigações da Polícia Federal. Quem tiver informações pode repassá-las pelo telefone 54 3318-9000 e também no site do departamento www.dpf.gov.br.