Difícil rompimento

Mesmo com todos os mecanismos destinados ao atendimento das vítimas de violência doméstica, dificilmente as mulheres levam o processo até o final

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Delegada Cláudia Cristina da Rocha CrusiusDelegada Cláudia Cristina da Rocha Crusius
Delegada Cláudia Cristina da Rocha Crusius
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Passo Fundo figura ainda entre as cidades do Estado que registram os mais altos índices de violência contra a mulher. Tanto que, desde 2008, o município conta com a Delegacia de Polícia Especializada no Atendimento à Mulher (DEAM). Atualmente a delegacia atende diariamente a uma média de dez mulheres que buscam orientação ou fazem o registro de ocorrência em função de agressões ou maus tratos.

Entre os anos de 2012 e 2013, a DEAM manteve uma média de mais de 3 mil atendimentos anuais, demonstrando que o problema persiste e pode também ser muito maior do que aquilo que os números apontam. “Sempre percebi, desde que cheguei em Passo Fundo, que havia uma demanda muito forte em relação à violência doméstica. Em 2001 foi criado o Posto de Atendimento à Mulher que depois se transformou em delegacia, o que só demonstrava que havia uma criminalidade suficientemente grande para que houvesse a instalação de uma delegacia própria”, disse a delegada Cláudia Cristina da Rocha Crusius, titular da DEAM desde a criação da delegacia. Atualmente existem 17 delegacias específicas instaladas no Estado.
Para que uma DEAM seja instalada no município é necessário o cumprimento de alguns requisitos, como número mínimo de habitantes e de ocorrências de violência doméstica. Com o passar dos anos, a delegada percebeu um aumento considerável no registro de ocorrências em Passo Fundo, embora, no restante do Estado, segundo dados divulgados em janeiro pela Secretaria de Segurança Pública do Estado, a maioria dos municípios registrou queda nos atendimentos. Por exemplo, 92 mulheres foram mortas no ano passado, contra 102, em 2012, representando queda de quase 10%. Os estupros diminuíram 12,7%, com 1.331, em 2012, e 1.162, em 2013. “Especialmente a partir de 2006, com a Lei Maria da Penha, chegamos a ter aumento de 400, 500 ocorrências de um ano para o outro. Em 2012 tivemos 3.531 ocorrências e em 2013, foram 3.527. O número é expressivo, mas tenho certeza que existem muito mais casos de violência contra a mulher que não chegam até nós”, explicou.

70% dos casos não chegam a julgamento
Também segundo a delegada, a maioria das mulheres tem dificuldade em romper o ciclo de violência doméstica, não levando adiante os procedimentos legais que poderiam levar à punição do agressor. “As mulheres não procuram por medo, vergonha, dependência econômica ou emocional do agressor, o que faz com que ela custe a superar estes episódios. A desistência chega a cerca de 70% dos casos. Estes fatores também acabam pesando para que o agressor não seja denunciado”, afirmou.
Ainda conforme a titular da DEAM, o fato de as vítimas não denunciarem o agressor pode acarretar problemas mais graves futuramente, inclusive trazendo riscos à vida destas mulheres. “Isto com certeza pode levar a casos mais graves, como por exemplo, uma mulher que havia registrado uma única ocorrência contra o companheiro, isto foi ainda na época do Posto de Atendimento à Mulher. Na audiência ela desistiu de prosseguir com o processo e 40 dias depois, foi morta pelo agressor. E também há casos de mulheres vítimas de violência durante anos que nunca registraram uma ocorrência e se mantêm ao lado do companheiro agressor. Não há como prever quando a agressão se tornará de fato um risco à vida da vítima”, avaliou.
De acordo com as ocorrências registradas na DEAM, não há um perfil específico do agressor, porém, a delegada afirmou que há alguns fatores em comum na maioria dos casos, que é o consumo de álcool ou entorpecentes. “Via de regra, muitos relatos trazem agressores usuários de álcool e entorpecentes, na maioria dos casos, o agressor está embriagado. Outro tipo de caso que está nos chamando a atenção são as mães agredidas pelos filhos usuários de drogas. A gente consegue perceber que as pessoas tentam utilizar a Polícia Civil para tentar resolver um problema de saúde pública, que é o consumo de bebida e álcool”, analisou.
Já as vítimas são, em sua maioria, mulheres jovens, com filhos, de baixa renda e escolaridade. “Elas não conseguem um trabalho formal em função dos filhos, o que faz com que elas dependam economicamente do agressor. Apesar disso temos a noção de que a violência doméstica ocorre em todas as classes sociais. O que também sabemos é que isto é tratado de forma diferente, já que se a vítima consegue se manter sozinha, ela simplesmente se separa e segue com a sua vida”, esclareceu.
Novamente de acordo com a delegada, o advento da Lei Maria da Penha desempenou um papel muito importante na denúncia das agressões, mesmo que as vítimas não levem o processo até o final. “Quando a lei foi criada houve uma difusão maciça. Não dá pra dizer que a mulher não sabe que tem direito a este tipo de atendimento. Ela sabe que deve buscar este atendimento, mas acaba ficando com medo”, afirmou.

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