“O ideal seria ter três vezes o que nós temos. Hoje, mal e parcamente conseguimos atender as ocorrências”. A afirmação do comandante do 3º RPMon, tenente-coronel André Idalmir Savian Juliani, não é novidade quando o assunto é o efetivo policial em Passo Fundo. Atualmente, o município tem 120 servidores, incluindo os oficiais e o setor administrativo, para atender uma população de 200 mil habitantes. No Rio Grande do Sul, a situação é parecida. O Estado tem cerca de 20 mil policiais militares. O déficit é de quase metade, já que uma lei estadual prevê um efetivo de 37.050 PMs.
Essa defasagem no efetivo e a crise financeira do governo gaúcho, que dificulta novas nomeações e investimentos no setor, abre um debate o sobre a responsabilidade municipal na segurança pública. O Secretário estadual de Segurança Pública, Wantuir Jacini, defende uma integração entre município e Estado no combate à criminalidade. “Nós temos 136 cidades com essa preocupação, fazendo ações para melhorar a segurança pública”, afirmou em visita a Passo Fundo, em dezembro.
O secretário defende um plano municipal de segurança pública, onde os municípios estejam integrados entre si e com a Secretaria de Segurança, através de um sistema de videomonitoramento. Ele cita o exemplo de um veículo que é roubado em uma cidade e levada para outra. “Muitas vezes, esse veículo vai passar por câmeras, onde poderia ser identificado, mas não é, porque falta integração”.
A integração não é a única pauta defendida pelo secretário. Jacini apoia o uso de guardas municipais com poder de polícia. A Lei 13.022, de 2014, possibilitou que elas atuassem no policiamento ostensivo, inclusive com o uso de armas. Antes, o artigo 144 da Constituição Federal previa a atuação das guardas na proteção aos bens, serviços e instalações municipais. Atualmente, 26 municípios gaúchos já adotaram essa estratégia. Na prática, a guarda municipal desempenha função parecida com a da Brigada Militar (leia mais sobre a lei no box).
Em Passo Fundo
Passo Fundo não tem nenhum projeto para criar uma guarda municipal, de acordo com o Secretário municipal de Segurança Pública, João Darci Gonçalves da Rosa. “Esse assunto não entrou na pauta da nossa administração porque estamos com o orçamento comprometido”, explica Gonçalves, que vê com “bons olhos” a alternativa. “Temos essa ideia, sim. Se tivéssemos condições financeiras e legais para iniciarmos a guarda armada municipal, nós tocaríamos essa ideia para frente”.
Para o secretário, é preciso um debate sobre o tema. “É uma coisa que precisa ser muito bem estudada, para ser feita com uma boa logística, para que, mais tarde, o município não sofra por não ter condições de manter essa quantidade de pessoas trabalhando nesse setor. É preciso ser bem analisada antes de se tomar uma decisão”, completa.
Parcerias
A Prefeitura de Passo Fundo e o Estado atuam na segurança pública através de parcerias, como o Núcleo de Policiamento Comunitário. Atualmente, 24 policiais, um tenente e um sargento atuam nos seis núcleos existentes em Passo Fundo. Os custos são compartilhados: o município ajuda o policial com um auxílio moradia e o Estado entra com os equipamentos e as viaturas. De acordo com a Secretaria de Segurança, a ideia é ampliar o número de núcleos em 2016. Além disso, outras iniciativas ajudam a equipar a Brigada Militar com recursos municipais. Em dezembro, a BM recebeu duas viaturas. Outros equipamentos, como equipamento de GPS, foram entregues pela Prefeitura no ano passado.
Esse modelo de parceria é o ideal, segundo o comandante do 3º RPMon, tenente-coronel Juliani. “Passo Fundo não precisa de uma guarda municipal”, afirma. “Na minha visão, a solução é fazer como se está fazendo: investindo na segurança atual, apoiando a estrutura que já existe da Brigada Militar”.
Para Juliani, uma guarda municipal em Passo Fundo passaria pela mesma crise enfrentada hoje pela Brigada Militar. “Já temos uma estrutura do Estado que está carente por falta de investimento. Não só deste atual governo. Os atuais órgãos de segurança pública vêm sendo desmantelados e por isso hoje estamos nessa penúria”, pontua. “A guarda municipal não é uma solução mágica, como estão buscando. Lá na frente, ela vai sofrer a mesma coisa que acontece hoje (com a BM)”.
A guarda municipal demandaria a realização de concurso público e um plano de carreira, como ocorre nos demais órgãos de segurança. Seria necessária, ainda, uma estrutura para atuação e treinamentos dos novos servidores. Tudo isso feito com verba municipal. Para o comandante, esse investimento resultaria no “inchamento” das contas de Passo Fundo. “Criar mais um órgão requer todo um complexo número de fatores, seja administrativo, de assessoria para que possa funcionar”, explica. “Eu entendo que isso não é viável. Num primeiro momento, é muito bom vermos mais policiais nas ruas. Mas eu pergunto: por quanto tempo?”
O resultado para Juliani seria uma “estrutura pesada e ineficiente”, que em pouco tempo se tornaria “obsoleta”. O exemplo usado pelo comandante é o da Guarda Municipal de Trânsito de Passo Fundo, que, segundo ele, passa por um processo de desmantelamento. “Quantos agentes de trânsito foram contratados até hoje? E onde estão todos eles? Nas ruas? Com certeza não. Muito já estão com problemas de saúde, desvio de funções, e uma minoria está em atividade. E isso vai acontecer com as guardas municipais daqui a pouco”, afirma.
A lei
A Lei Nº 13.022, de agosto de 2014, mudou a possibilidade de atuação das guardas municipais. O advogado criminalista e professor de ciências criminais do curso de Direito da Imed, Gabriel Ferreira dos Santos, explica as mudanças.
“Elas passaram a ter um poder de polícia mais amplo. Antes, a ideia das guardas municipais era a de proteger o patrimônio municipal. Com essa lei, foi ampliada a atuação das guardas e agora ela pode fazer o papel de polícia, que é a possibilidade de intervir em qualquer prática criminosa. Mas não no sentido da investigação, que continua sendo feita pela Polícia Civil e Polícia Federal. Mas, de alguma maneira, a guarda municipal passou a ter a legitimidade de fazer um “pseudo policiamento” ostensivo. Uma pessoa que estiver na rua e sofrer um assalto, por exemplo, pode se valer da guarda municipal. Ela pode fazer uma perseguição e pode dar voz de prisão para qualquer cidadão”.
Opinião
“Eu entendo que é importante esse compartilhamento da segurança. A segurança pública é um conceito muito amplo. Então, quanto mais gente estiver com o mesmo objetivo, melhor. Mas eu sempre vou ressaltar a necessidade de que tenhamos um treinamento forte, sério, para que a gente não fique dando arma de fogo na mão de pessoas despreparadas.”
No Estado
De acordo com a Associação de Secretários e Gestores Municipais de Segurança Pública do Estado (ASGMUSP), das 26 guardas existentes hoje no Estado, 15 trabalham em algum grau no policiamento ostensivo e as demais fazem uso de arma de fogo. “Estamos trabalhando para que, onde existam guardas municipais se possa, através da integração das corporações, ser feito um trabalho em conjunto para não ocupar os mesmo espaços e poder, assim, dar maior segurança para a comunidade”, explica Mauro Moro, presidente da ASGMUSP.
Moro cita como exemplos positivos as guardas dos municípios de Pelotas, Novo Hamburgo, São Leopoldo e Porto Alegre. No total, 2,6 mil policiais atuam nas guardas municipais gaúchas. “O que falta é a gente reestruturar as guardas através dos poderes públicos, para que elas possam apoiar a Brigada Militar através de uma integração”, diz. “Tem muito caminho a ser percorrido. Temos ainda que ter essa integração efetiva através de um sistema estadual de segurança pública, que deverá sem implementado no primeiro trimestre de 2016, através da Secretaria de Segurança, que vai dar o direcionamento que deve ser feito por todos os órgãos de segurança pública do Estado, em termos desse compartilhamento de informações”.
No Brasil e no mundo
Espanha, Bélgica, Portugal, Itália e França, bem como nos Estados Unidos e no Reino Unido são exemplos de países onde as administrações municipais possuem forças policiais locais que atuam na segurança de seu patrimônio. No Rio de Janeiro e em São Paulo as guardas municipais têm também poder de polícia.