Pai de um menino de seis anos e sem envolvimento com outros crimes, “J.N.D.” era operador de máquinas agrícolas na época em que cometeu o homicídio. A pena de 12 anos de prisão fez com que o marauense, que nunca nem sequer havia entrado em uma delegacia, conhecesse outra realidade: “Eu não sabia como era um presídio. Tive depressão. Achei que minha vida tinha acabado”, relata.
Desolado, mas com a certeza de que sua família o esperava, passou quatro, dos 12 anos, no regime fechado. Contemplado com a progressão de pena, chegou ao Instituto Penal com a esperança de arrumar um emprego e procurou por ele durante um ano e meio. Nesse tempo, só encontrou portas fechadas. Mesmo assim, não desistiu e, por demonstrar interesse, encontrou a oportunidade quando uma empresa de telhas fez o processo inverso do comum: foi atrás de mão de obra na penitenciária. “Eu fui selecionado pela minha força de vontade, porque queria trabalhar”, afirma.
Em novembro do ano passado começou na empresa, onde atua até hoje. “Foi uma grande mudança. Minha família ficou muito feliz e eu mais ainda. Eu mando dinheiro para minha esposa, que agora mora com meu filho em Passo Fundo, e ainda saio do alojamento todos os dias, o que é um alívio para mim”, comenta.
Com 36 anos, atualmente, espera receber a liberdade condicional em breve, para não precisar retornar mais ao Instituto Penal. “Só penso em sair do meu trabalho, no final da tarde, e encontrar minha família”, diz, entusiasmado. E, mesmo com a possibilidade de seguir outro rumo e procurar trabalho na área que atuava anteriormente, J.N.D. se diz satisfeito: “Por mim sou efetivado e continuo por aqui, onde fui bem recebido”, completa.
O homicídio
J.N.D. nunca havia praticado qualquer crime, até que iniciou a negociação de um terreno. O marauense conta que havia vendido terras, mas não recebeu. O desentendimento entre ele e o comprador o levou a cometer um homicídio. Ele não imaginava as consequências.
A experiência
Sem saber como seria a experiência, os quatro sócios da WW Telhas inovaram. Eles procuraram pela 4ª Delegacia Regional da Susepe – com sede em Passo Fundo – assim que tiveram conhecimento sobre o Protocolo de Ação Conjunta (PAC), convênio que já existia, e derem um voto de confiança a quatro detentos. Na época, Jerônimo De Boni, um dos sócios- proprietários, explicou à reportagem que foi solicitado um número maior de vagas, para que não precisem repetir todo o procedimento quando existisse um novo contrato. “Abrimos margem para 10 pessoas do semiaberto, mas começamos com menos para ver se funciona: como eles se portam, se eles se adaptam”, disse.
A experiência deu certo: neste primeiro ano, um recebeu liberdade condicional, dois continuam na empresa com desempenho exemplar – inclusive o marauense – e, apenas um não se adaptou: justamente Luís Carlos, o apenado que conversou com a redação do O Nacional no ano passado, quando iniciou com o convênio.
De acordo com a psicóloga do Instituto Penal de Passo Fundo, Michele Fabiane Sebben, embora os presos passem por uma seleção, que inclui avaliação psicológica – se há motivação, se o detento tem família com filhos pequenos, entre outros requisitos – e administrativa: não estar respondendo Procedimento Disciplinar Administrativo (PAD) –, não significa que o selecionado corresponda a todas as expectativas. “Eventualmente algum se atrapalha, mas não é comum e não podemos nos desmotivar com base em um caso isolado”, diz.
Tão é verdade que não se pode desmotivar, que os proprietários não perderam o interesse, ao contrário. Segundo Eduardo Wagner Camargo, a metade dos funcionários da empresa continua preenchida por detentos. “Logo vamos contratar mais um. Conforme a demanda da empresa, aumentamos o número de contratação”, diz.
Recomendados
Eles não só são elogiados pelo desempenho exemplar, como são recomendados. “Temos segurança em recebê-los, pois já passaram pela triagem lá no Instituo Penal. Quando chegam aqui, não conhecemos nenhum, mas sabemos que não serão presos com quadro de psicopatia”, diz De Boni. Além do trabalho elogiável, as empresas que procuram pelo convênio, recebem um benefício financeiro: os encargos trabalhistas não precisam ser pagos. “Eles recebem 75% do salário todo mês. O restante fica guardado, como uma poupança. Esse valor será retirado, apenas, quando terminado o contrato. Assim eles têm uma garantia e uma chance a mais para não reincidir”, conclui.
Eu quero contratar!
O encaminhamento: é feito através da 4ª Delegacia Regional da Susepe ou em contato com o próprio Instituto Penal de Passo Fundo. A fiscalização: a Vara de Execuções Criminais deve ser informada sobre as saídas dos detentos e o horário em que os mesmos permanecem fora da casa prisional, bem como endereço do local onde foi empregado. Existe a possibilidade de um Oficial da Justiça visitar a empresa, para fiscalizar.