“Parece que eu estava saindo da maternidade, só que com mais amor. Amor renovado”. Cinco anos após dar a luz a uma menina, Camila Gandini, 34 anos, reviveu a mesma emoção do nascimento da única filha, no dia em que Maria Clara deu alta do hospital. A pequena “Clarinha” foi internada em estado gravíssimo de saúde, no dia 13 de novembro, depois de ser atingida por um veículo em alta velocidade. A partir de então, a família viveu um drama sem precedentes. Enfrentou muito cansaço físico e emocional, mas sem perder a fé. “Deus dá uma força, que a gente nem sabe de onde vem. Toda vez que entrava no CTI Pediátrico, dizia pra minha filha que só sairia do hospital com ela”, relata.
Sentados no sofá da sala, o casal relembra a tarde que passaram antes do acidente, ocorrido no entroncamento das ruas General Canabarro com Bento Gonçalves, no Centro. Pai, mãe e filha visitaram a Feira do Livro, foram a uma sorveteria e caminharam por rápidos 10 minutos no Parque da Gare, até que resolveram voltar para casa. “Nós saíamos sempre mais tarde, mas aquele dia não. Fomos mais cedo”, diz a mãe. Enquanto aguardavam para atravessar a rua e chegar ao carro da família, estacionado do lado oposto ao que estavam, foram surpreendidos por um veículo desgovernado, que invadiu a calçada. Pai e filha foram atingidos. Diego Malacarne, 37 anos, foi para emergência, porém sem maior gravidade. A grande preocupação da família era em relação à Maria Clara.
“Ninguém me dava esperança, mas eu nunca a perdi. Confiei que Deus nos devolveria ela. Eu soube desde o início que ela voltaria para nós”, afirma. Devotos de Nossa Senhora Aparecida, os familiares rezaram, mas nunca sozinhos. “Recebemos orações de todos os tipos de religiões, o que fortaleceu muito. Acredito que foi isso que fez com que ela voltasse para nós assim, tão bem”, afirma a mãe, enquanto segura Clarinha no colo.
Desconfiada e bastante tímida, Maria Clara escuta os pais em silêncio, até ouvir a mãe lhe chamar pelo nome de uma heroína do cinema. “Ela foi muito forte. É nossa Mulher Maravilha”, orgulha-se. A menina esboça um rápido sorriso, enquanto mostra a camiseta com o desenho da protagonista. Depois se levanta e saí. Vai encontrar a avó, o primo pequeno e a madrinha, que estavam em outro cômodo. Os passos da pequena são acompanhados pelo olhar cuidadoso dos pais, até que desaparece. Emocionada, a mãe fala sobre a importância da filha: “Antes eu achava que ela dependia de nós. Na verdade é ao contrário, somos nós quem dependemos dela. Não me imagino sem minha filha”, assume. E quando levanta a o braço para enxugar as lágrimas, deixa aparecer a tatuagem, com o nome da pequena.
No hospital
Maria Clara ficou internada por 20 dias. Desses, os primeiros sete foram os mais difíceis. “Ela fazia exames diários e apresentava uma pequena melhora, a cada dia”, conta o pai. “Ela poderia progredir, estabilizar ou regredir, mas sempre apresentou melhoras”, completa.
Dona de uma personalidade forte, a pequena não queria caminhar nas sessões de fisioterapia realizadas no hospital. No dia em que deu alta, entretanto, não esperou pela cadeira de rodas. “Ela saiu caminhando do nosso lado, depois que eu a vesti com a roupa que ela mesma escolheu”, lembra a mãe, satisfeita.
Renovação
Além de casinhas de boneca, tapetes de montar com desenhos coloridos e porta-retratos espalhados por toda a sala, se vê um pinheiro de Natal logo ao entrar no cômodo. Ele foi montado ainda em outubro, um mês antes do acidente, quando Maria Clara decidiu que deveriam decorar a casa. Clarinha, inclusive, já havia feito a cartinha com o pedido ao Papai Noel, demonstrando sua ansiedade. O velhinho aparece todos os anos, um costume da família. Esse ano, entretanto, a data traz novo sentido. “É um Natal diferente, de renovação, de alegria, pois Deus nos devolveu ela”, diz a mãe. E o pai completa: “Vai ser o melhor todos”, diz. Sobre a cartinha? Sim, o pedido foi atendido e Clarinha vai ser vista pedalando em seu presente novo, pela vizinhança, muito em breve.
“Deus colocou as pessoas certas, na hora certa”
A frase é da Camila, que faz questão de agradecer, repetidamente, todos que participaram do atendimento de Maria Clara. No momento do acidente, um médico estava na sorveteria, instalada alguns metros do local. Ele não pensou duas vezes em auxiliar no socorro. Uma enfermeira que passava próximo, também prestou ajuda até a chegada das ambulâncias. “Foi muito rápido tudo e muito eficiente. Se não fosse esse atendimento pré-hospitalar, ela não teria se recuperado tão bem”, afirma. A mãe de Clarinha agradece o cuidado que a menina recebeu no hospital e agradece à equipe. “Parece que foi proposital. Haviam pessoas certas, na hora certa”, diz.
Sem ressentimentos
Em relação ao autor do atropelamento, a família diz não guardar mágoas, porém, procura não pensar. “Estamos tão felizes, não pelo acidente, mas pela volta da Clarinha e pela saúde dela, por Deus ter nos atendido, que nem pensamos nisso”, afirma. Familiares do motorista estiveram no hospital, na mesma tarde, oferecendo auxílio, mas nunca mais houve contato. “Nós não sabemos quem eles são. Sei apenas o nome, porque está no boletim de ocorrência, mas não os conhecemos”, comenta e completa: “O que importa pra nós, verdadeiramente, é ela, a Clarinha”, conclui a mãe, que renasceu junto com a filha, no dia em que a menina deu alta do hospital.