O Ministério Público entrou com recurso nessa sexta-feira (23), contra decisão proferida em primeira instância no último dia 19, pelo juiz Alan Peixoto de Oliveira, que absolveu o grupo de presos na “Operação Fachada”, em fevereiro de 2016. Os oito envolvidos eram acusados pela venda de drogas sintéticas em Passo Fundo e região. Entre os réus, que tinham de 20 a 25 anos na época, estavam universitários e um empresário da alta sociedade, apontado como líder do grupo.
Na justificativa do magistrado, o grupo foi absolvido “por não haver provas da existência dos fatos”, que foram anuladas pelo próprio juiz. Todo trabalho realizado pela Polícia Civil, que contou com interceptações telefônicas, apreensões de drogas, gravações do comércio das sintéticas e prisões em flagrante foi desconsiderado por Oliveira, em sentença, porque a investigação teria partido de uma denúncia anônima.
De acordo com o autor do agravo, promotor criminal Júlio Ballardin, a decisão foi equivocada. “Ninguém foi absolvido por falta de provas ou foi acusado injustamente. A decisão não diz que os réus são inocentes: houve a absolvição, mas por uma questão de postura jurídica”, afirma.
Postura essa, questionável, já que em outra decisão o mesmo magistrado entendeu que a interceptação telefônica obtida durante a investigação, depois de uma denúncia anônima, não contaminaria as demais provas, como alegou ter acontecido no caso da ‘Fachada’, motivo que o levou à nulidade.
O delegado que esteve à frente das averiguações na época, Diogo Ferreira, questiona a sentença e diz nunca ter visto deliberação parecida por aqui: “Se uma investigação não puder começar por uma denúncia anônima, então dificilmente começará”, pontua. De acordo com Ferreira, as vítimas nunca se identificam, por medo de represálias. “Um julgamento dessas é, no mínimo, contraditório”, acrescenta.
Em sentença, a deliberação do magistrado fala que o Judiciário não deve ser movimentado para obter uma interceptação telefônica, baseado, apenas, em denúncia anônima. “O Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal firmaram entendimento no sentido de que a interceptação telefônica não pode ser autorizada com base apenas em denúncia anônima, exigindo-se a realização de diligências preliminares para coleta de indícios que corroborem as informações. Os precedentes estão em consonância com a exigência legal de demonstração de indícios razoáveis de autoria ou participação”.
O delegado rebate e afirma que foram vários indícios que levaram ao pedido de quebra de sigilo, deferido, inclusive por um juiz. Ferreira ainda menciona que a denúncia serviu apenas para dar início às diligências, levando a equipe ao primeiro flagrante, conforme exposto no processo: “Em verdade, as investigações, iniciaram a partir da prisão em flagrante, no dia 05 de dezembro de 2015, (...) transportando mais de 600 comprimidos de ecstasy, uma cartela com 25 pontos de LSD, dentre outras drogas sintéticas”.
Anônimo
Numa simples metáfora, o promotor exibe a interpretação que se lê em sentença. “Alguém liga para a mulher sem se identificar e diz que o marido dela está com outra, lhe traindo. Ela investiga a informação e pega o cônjuge em flagrante. O fato ocorreu, foi visto pela mulher, mas como quem contou para ela não teria se identificado, o marido alega que não deve sofrer consequências”, compara.
Decisão
A denúncia foi remetida ao Poder Judiciário em maio de 2016. Na época, o juiz responsável pelo processo estava de férias. Quem recebeu a denúncia, portanto, foi outra magistrada, que entendeu os procedimentos tomados anteriormente, como legais. Sua decisão estava tomada e não poderia ser revista por outro juiz, a não ser, por instâncias superiores.
De acordo com Ballardin, a deliberação do magistrado deve ser anulada, já que ele decidiu sobre uma decisão que já existia. “Caberia aos advogados de defesa recorrer ao Tribunal de Justiça e não ao juiz, mudar a decisão da colega”, explica.
Custos
O tempo corrido de processo é de 22 meses, que demandou esforços da máquina Judiciária e incluíram prisões, pedidos de habeas corpus, recursos e novas decisões. “Quando o magistrado, responsável pelo andamento da ação, pegou o processo, deveria ter notado que as provas seriam anuladas, por sua própria interpretação. Não entendo porque deixar para o final um decisão dessas, depois de gerar grandes custos ao Estado”, enfatiza.
Tribunal de Justiça
O Tribunal de Justiça também não encontrou problemas em relação às investigações, já que negou o primeiro pedido de habeas corpus da defesa dos réus. O grupo foi posto em liberdade depois de uma audiência, pelo juiz de primeira instância. A promotoria entrou com recurso junto ao TJ, pedindo a revogação da decisão judicial sobre a liberdade do grupo e foi aceito. “Duas vezes passou pelo Tribunal de Justiça. Se as provas estavam contaminadas, eles não teriam notado?”, conclui.
As investigações
Segundo o delegado, as investigações ocorreram observando todos os princípios Constitucionais. “Eu não admito provas ilegais. Os delegados são os primeiros garantidores dos direitos Constitucionais. Não produzir prova ilegal é princípio basilar da Polícia Civil. Para iniciar uma investigação mais invasiva, por exemplo, nos baseamos em indícios e dados, em mais que uma informação; em flagrantes. O grampo que fizemos, foi avaliado e deferido por um juiz. No decorrer das investigações precisamos pedir mais interceptações, que foram autorizadas por outros magistrados. Tivemos flagrantes e apreensões de drogas; cumprimos mandados de busca e apreensão, também determinados por Poder Judiciário. Se houvesse qualquer ilegalidade, não teríamos conseguido nem a primeira prisão”, conclui.
A operação
Agentes da 1ª Delegacia de Polícia realizaram a “Operação Fachada”, que resultou na prisão de cinco jovens envolvidos no tráfico de drogas sintéticas. Outras três pessoas foram indiciadas. As prisões aconteceram nos municípios de Passo Fundo, Coxilha, Ibirubá e Tapejara.
Os policiais chegaram aos acusados após cerca de três meses de investigação, que apontaram que o grupo trazia a droga, principalmente ecstasy e LSD, em sua maior parte, do estado de Santa Catarina. Após, ela era comercializada antes e durante as festas de vários municípios da região. Semanalmente o grupo chegava a vender cerca de três mil unidades das drogas.
*O nome dos réus não será divulgado, devido política adotada pela empresa, em não expor a pessoa se não for condenada.