Um conjunto de indícios checados e confrontados minuciosamente durante o andamento das investigações realizadas pela Polícia Civil acabou sendo determinante para a condenação, em primeira instância, de Lázaro Geraldo Eckert Macedo, a uma pena de 40 anos e 10 meses de prisão, pela morte dos pais. O julgamento aconteceu na última terça-feira, nove anos após o crime, que repercutiu em todo o estado pela brutalidade. A defesa está analisando a possibilidade de recorrer da decisão.
Já passava das 22h, quando Lázaro desceu as escadarias do fórum algemado e conduzido pelo policial civil Volmar Menegon, e pela delegada Daniela de Oliveira Minetto, justamente a responsável por comandar as investigações à época. Depois de aguardar o julgamento em liberdade por quase uma década, ele seguiu em direção ao Presídio Regional de Passo Fundo para começar a cumprir a pena.
Filho único, ele acabou condenado por matar os pais Jader Moacyr Macedo, 78 anos, e Edith Maria Eckert, 73, dentro da casa em que residiam, na vila Rodrigues, em 18 de abril de 2009. O casal era conhecido no bairro. Por vários anos, eles mantiveram uma farmácia, nas esquinas da rua Coronel Pelegrini e Prestes Guimarães. A motivação, segundo a policia, teria sido por questões financeiras. O autor havia contraído dívidas e teria praticado os crimes para herdar os bens dos pais.
Durante as cerca de 12 horas de julgamento, na terça-feira, os advogados de defesa trabalharam com uma tese única: a negativa de autoria. A alegação é de que não havia prova direta contra o réu. “Foi a vitória da tese dos indícios. Não tinham nenhuma prova direta, técnica, contra meu cliente, apenas provas indiretas”, comentou um dos defensores, o advogado Roque Vicente Pereira Letti.
Responsável por trazer à tona esses indícios, durante o andamento do inquérito, a delegada Daniela Minetto foi interrogada por cerca de duas horas na sessão do júri. Há 19 anos atuando na função, ela já esteve à frente de dezenas de homicídios, com as mais diferentes características. Entretanto, reconhece a dificuldade e o desafio de ter atuado no duplo homicídio.
“Foi um caso marcante, uma investigação atípica, complexa, porque a principal fonte de informação era o próprio autor. Essa situação exigiu uma investigação diferente do que sempre se estabelece. Na minha trajetória, foi a única vez em que consegui aplicar o teste do polígrafo (detector de mentira). Não tem a prova material, mas tem as provas circunstânciais. Quem seria benefiado com a morte dos pais? Como tinha convicção da culpa dele, realmente aguardava ansiosa por esse resultado. Entendo que a pena também foi justa", declarou. A sessão do júri foi presidida pela juíza Lisiane Marques Pires Sasso. O Ministério Público esteve representado pelo promotor João Francisco Ckless Filho.
Segundo delegada, 'versões foram caindo por terra'
No dia seguinte ao julgamento, a delegada Daniela de Oliveira Minetto, em entrevista ao ON, comentou sobre as investigações e alguns índicios apontados no inquérito, concluído seis meses após o crime.
Cena do crime
Segundo a policial, no momento em que o chefe de investigações à época, Carorará Mor Alves, recebeu a informação, num primeiro momento, surgiu a hipótese de um homicídio seguido de suicídio, mas esta possibilidade foi imediatamente descartada, assim que a equipe chegou ao local do crime. Os corpos das vítimas estavam em cômodos separados, (ele no quarto e ela na cozinha), com tiros pelas costas. Baseado na cena, outra hipótese perdeu força já no início dos trabalhos: a possibilidade de assalto. "Não havia nada em desalinho na casa. Estava tudo organizado. Em assalto os tiros não saem assim, com essa característica de execução, normalmente a pessoa reage. Os dois tinham os mesmos tipos de disparos na nuca", observou a delegada.
Dois momentos
A polícia conclui também que, em razão das duas vítimas terem sido assassinadas de surpresa, elas não poderiam estar juntas, portanto, houve dois momentos. Jader foi morto com um tiro na nuca, quando saía do quarto dele. "Quem está dentro do quarto para surpreender ele?Quem se leva para o quarto, um cômodo íntimo da casa?, questionou a delegada. Edith também foi morta pelas costas, na cozinha, enquanto retirava as sacolas de compras de dentro do carro. Com base nisso, a polícia concluiu que, após matar o pai, Lázaro ficou aguardando a chegada da mãe, que havia ido até a feira, para praticar o segundo crime.
Comportamento e lesão na mão
A maneira como Lázaro se comportou no momento em que os policiais ainda realizavam o levantamento na casa, também levantou suspeita. Demonstrando um comportamento extremamente calmo e controlado, ele narrou uma história que causou estranheza aos investigadores. Durante a conversa, os policiais pereceberam que ele apresentava uma lesão na mão, entre o polegar e o indicador. Questionado, respondeu que estava nervoso e passou a morder o local. Mais tarde, a polícia apurou que o casal havia sido morto com uma pistola 6.35. Uma arma pequena, que quando mal empunhada, provoca uma lesão no momento do disparo. "Essa arma é muito comum 'beliscar', por não ter espaço suficiente para a mão. Ele passou a morder o local para adulterar a lesão. Mesmo durante os depoimentos, seguiu com o gesto, em ambas as mãos. Conseguirmos fotograr a lesão antes de desconfigurá-la por completo", revelou Daniela.
Versão
No primeiro depoimento, ainda na condição de testemunha e filho do casal, ele apresenta, segundo a policia, uma versão rica em detalhes, que mais tarde acaba sendo contraditória. Lázaro disse ter ido à casa dos pais buscar a documentação necessária para fazer a declaração de imposto de renda. Toma café com o pai e, quando já está de saída, a mãe chega da feira. Segundo a versão apresentada à policia, ele deixa os dois dentro de casa e sai "Ele monta a história para sugerir que alguém tenha entrado para assaltar o casal de idoso". Após sair da casa, relatou ter ido ao escritório fazer a declaração do imposto de renda.
Buzina e estampidos
Testemunhas interrogadas durante o inquérito relataram que Edith tinha o hábito de ir à feira aos sábados pela manhã. Ao chegar em casa, costumava buzinar para o marido abrir o portão, que não possuía dispositivo eletrônico. Na manhã do crime, vizinhos afirmaram que ouviram um estampido. Minutos depois, escutaram a buzina do carro, como de costume. Passados alguns instantes, ouviram um segundo estampido. "Quem vai abrir o portão para ela e não causa estranheza, para ela entrar, desembarcar do carro, e retirar algumas sacolas? Se fosse um assaltante ela entraria? A pessoa que praticou o crime tem que ser conhecida do casal. Pelos relatos dos vizinhos, o cachorro do casal era bastante estressado com estranhos. Naquela manhã, ninguém ouviu latidos", relata a delegada.
Retorno ao local
No final da manhã daquele sábado, Lázaro, acompanhado da esposa e da filha, retorna à casa dos pais para almoçar. Segundo a polícia, ele chama, mas ninguém atende. Em seguida, retorna ao carro, pega a chave extra e entra sozinho. Ao se deparar com a mãe caída, sai da casa e pede para as duas correrem. Os três correm até a esquina. Ele retorna novamente sozinho até a casa. Ao constatar que a mãe está ferida, sai para avisar a polícia.
"Ao encontrar um familiar caído, o primeiro pensamento é de que ele passou mal, não de que foi morto, assassinado e de que é preciso deixar o local para não ser morto também. Ao ver que a mãe estava morta, não pergunta pelo pai, não se preocupa por ele? Ele levou a família junto para dar mais veracidade aos fatos", observa.
Documentos
Conforme a polícia, em um dos depoimentos, Lázaro contou que, após a primeira visita na casa dos pais, teria ido até uma oficina e depois ao escritório levando os documentos. Baseado no depoimento de uma testemunha, a polícia descobriu posteriormente, que ele também havia passado na casa dele, antes de ir para o escritório. Questionado sobre esse fato, ele confirmou e alegou ter ido buscar outros documentos. Entratanto, imagens registradas pelo sistema de câmeras, mostram o filho do casal entrando no escritório, segurando apenas uma garrafa de água e um canudinho. "Ele tenta preencher isso, diz que volta em casa porque havia esquecido alguns documentos, só que chega sem eles no escritório".
Detector de mentiras
Segundo a delegada, o inquérito foi baseado nas provas circunstanciais e coroado pelo teste do polígrafo (detector de mentira). Durante o teste, o sistema apontou mais de 100 fraudes (termo técnico correspondente a mentira), nas respostas.