Ocorreu na manhã de ontem (02), uma forte ação policial na Reserva do Votouro, em Benjamin Constant do Sul, município distante cerca de 130 quilômetros de Passo Fundo. A operação “Terra Sem Lei” foi realizada pela Polícia Federal, com apoio do 3° Batalhão de Operações Especiais (BOE) e integrantes do Exército.
O objetivo da ação, que contou com um aparato superior a 200 policiais, foi recuperar a ordem do pequeno município e tranquilizar os moradores – indígenas e não indígenas –, que conviviam com medo e preocupação, desde que alguns conflitos iniciaram dentro da aldeia e extrapolaram os limites territoriais, há cerca de cinco meses.
Ainda em março deste ano, Vitor Hugo dos Santos Refey, um índio de 22 anos, foi morto dentro da reserva, durante um ataque realizado por ordens do cacique, Eliseu Garcia. A partir de então, outros desentendimentos ocorreram na área da União, onde estão instalados os mais de mil caingangues.
Tentativas de homicídio foram registradas, casas foram incendiadas e o grupo de oposição ao cacique foi expulso do local, após realizar uma manifestação em frente ao Ministério Público Federal de Erechim, pedindo por segurança e justiça.
As famílias que foram obrigadas a deixar a área, se refugiaram no prédio da Funai, em Passo Fundo, onde permanecem até então, aguardando para retornar à aldeia. A volta do grupo, que já está há três meses distante nas terras originárias, tem previsão para iniciar na próxima semana, com amparo da Polícia Federal.
Antes da intervenção da segurança pública, o retorno era inviável, devido à agressividade do grupo que estava na liderança, conforme relato dos próprios indígenas. A violência era tão grande, que outro jovem, de 21 anos, e não indígena, foi morto ao sofrer uma emboscada, por engano. O fato ocorreu em maio, dois meses após o primeiro assassinato.
Nathan Cozer Hochmann havia saído de Benjamin Constant do Sul, município onde residia, junto com um amigo, para jantar em Faxinalzinho. Ao voltarem para casa, pela estrada que liga as cidades vizinhas, foram surpreendidos por três veículos.
Os indígenas acreditavam que o automóvel onde estavam os jovens, era, na realidade, de Edimar Peres, o indígena conhecido como “Gringo” e atual inimigo da liderança. O estudante de licenciatura foi morto com um único tiro. O amigo dele escapou. O grupo chegou comemorar o assassinato, antes de perceber que haviam vitimado o alvo errado.
Requintes de tortura
Horas depois do assassinato, o tio de Nathan e prefeito da cidade, foi sequestrado pelo mesmo grupo. Itacir Hochmann atravessava a estrada que passa pela reserva, segundo ele, para buscar um grupo de pessoas que trabalhava na cidade vizinha, mas que mora onde ele atua. No percurso, o veículo que dirigia foi atingido por mais de 50 tiros.
Desses, dois disparos atingiram o prefeito no rosto e na cabeça, de raspão.
Ele foi preso em uma cela clandestina da aldeia, conhecida como “Boi Preto”, local em que foi mantido refém. Passou por momentos de dor e foi agredido, conforme a polícia, com requintes de tortura. Mesmo perdendo bastante sangue, devido aos tiros, permaneceu em cárcere até que houve negociação, no início da manhã, para ser liberado.
A casa dele também foi alvejada a tiros, assim que o velório do sobrinho acabou, no dia seguinte. A liderança da aldeia continuou realizando blitz na estrada que passa pela reserva até poucos dias atrás. Segundo os moradores da cidade, eles ordenavam que os veículos parassem, utilizando armas longas e de grosso calibre, para conferir quem eram os ocupantes.
Motivação
O que gerou o conflito, de acordo com o delegado de Polícia Federal, Mauro Vinicius Soares de Moraes, foi a disputa pelo poder e, consequentemente, pelo dinheiro dos arrendamentos, administrado pelo Cacique e redistribuído apenas aos grupos próximos. “O arrendamento é ilegal e, independentemente disso, um grupo menor está se valendo e trazendo desassossego e prejuízo à comunidade como um todo”, diz.
Para solucionar o problema, que também motiva outros desentendimentos nas demais reservas da Região Norte do estado, a polícia já se articula, junto com outros órgãos judiciais responsáveis. “Questões cíveis já estão sendo implementadas nesse trabalho, para que se beneficie a todos e não, apenas, um grupo específico. As terras estão disponíveis para uso da coletividade, logo, o dinheiro que se produz aqui, tem que ser dividido entre todos os indígenas”, completa.
Resultados
Quatro pessoas foram presas no decorrer do dia, inclusive, o cacique da reserva. Garcia não estava em casa quando a polícia cumpriu os mandados de prisão e busca e apreensão, mas se entregou horas depois. Outros 10 indígenas não foram localizados e estão foragidos. Uma única arma foi apreendida na aldeia, apesar dos relatos sobre o forte armamento. Era uma espingarda.
Apesar da ação pontual, o delegado fez questão de destacar que a operação deve ser vista apenas como um marco, no que diz respeito às questões indígenas, e não como uma ação conclusiva. “Vamos estar voltados para essa atividade, até trazer para o norte gaúcho, em todas as comunidades indígenas que estão se valendo de violência, a normalidade”, comenta.
Cadeia clandestina
A cadeia clandestina é uma preocupação, também, para as autoridades da segurança pública, por ser ilegal e por não oferecer qualquer condição humana a qualquer pessoa. Conhecida como “Boi Preto”, a cadeia conta com duas celas rodeadas por grade e sem patente sanitária, fonte de água ou iluminação.
A prisão é de chão batido. Fica detido no local qualquer indígena que desobedecer as ordens do cacique ou se opor a ele. “Não se admite que uma pessoa, seja ela indígena ou não, fique presa sem processo e sem autorização judicial, só porque o cacique quer. Esse grupo responsável vai ser fortemente penalizado por isso”, frisa o delegado.