Um minuto tem 60 segundos. Mas um minuto também pode parecer uma eternidade. O tempo de um minuto ou pouco mais parecia não terminar para os quatro policiais militares que enfrentaram uma quadrilha assaltante de banco, há cerca de um mês, no interior de Trindade do Sul. “A gente se preocupou em defender um ao outro e revidar, pra tentar cessar os tiros e pra sairmos vivos de lá vivo ”, segundo conta o tenente da Brigada Militar Sandro Dickson, responsável pelo comando da guarnição que confrontou com a quadrilha. Os quatro policiais que estiveram na linha de tiro dos assaltantes integram o 3º Batalhão de Polícia de Choque, que na época ainda era denominado Batalhão de Operações Especiais. Assim como os demais membros da tropa, o grupo saiu de Passo Fundo no amanhecer do domingo e percorreu aproximadamente 115 quilômetros, em comboio com as demais viaturas, até chegar à pequena cidade da região de Três Palmeiras.
Das 8h às 14h o policiamento foi reforçado na área rural de Trindade do Sul, devido a captura de um homem responsável por realizar o resgate do bando. O preso informou que os bandidos aguardariam em um mato de eucaliptos próximo a rodovia, confirmando a hipótese de que o grupo continuava na região, aguardando pela carona. O mato referido passou pela varredura de diversas guarnições, assim como muitos outros matagais com eucaliptos, onde havia possibilidade dos criminosos estarem escondidos. Tudo foi averiguado de muito perto, com exceção de uma área pequena e fechada, um capão de mato, com vegetação de espinhos, em meio à lavoura.
Após seis horas de buscas, as viaturas dispersaram e tomaram maior distância entre elas. “Nós íamos para outro lado, mas uma sanga apareceu em nossa frente e não permitiu que seguíssemos. Fizemos o retorno. Eu me lembrei do capãozinho que tinha próximo do mato de eucalipto e falei pra darmos uma olhada lá. O tenente concordou e comentou que uma hora eles (os assaltantes) teriam que desembocar de algum mato”, relata o militar, Renato Dias.
A ERS 324 foi percorrida novamente e a viatura passou mais uma vez ao lado da pequena área de mata fechada, em direção aos eucaliptos. O veículo contornou o mato de maior expansão, com um dos policiais no volante e os demais sobre a caçamba, até que parou em uma estrada vicinal, no início de uma plantação de soja. “Nós desembarcamos pela primeira vez naquele dia, por determinação do tenente, e fizemos uma progressão a pé pelo campo, pra uma simples averiguação. A plantação era recente, bastante baixa. Toda nossa movimentação podia ser vista”, conta a única mulher que integrava a equipe, Juliana Borges.
Para evitar “fogo amigo”, o tenente deu a única ordem necessária: “Vamos andar em linha, lado a lado, em direção ao capão”. E foi o que fizeram. Posicionados distante dois metros um do outro, com armas em punho, fardamento e sob o forte sol do início da tarde, a guarnição se dirigiu ao encontro dos bandidos, mesmo sem saber que a quadrilha estava abrigada no local.
Já no final do percurso, restando 40, dos mais de 200 metros percorridos, num terreno com inclinação, onde os policiais seguiam na subida, a guarnição foi recebida a tiros. “A gente não via de onde vinham os tiros. Só escutava o barulho dos projéteis passarem perto da nossa cabeça”, conta Dias, imitando o som produzido pelos disparos.
Pegos de surpresa, sem enxergar os assaltantes ou ter qualquer abrigo para que pudessem se proteger, os policiais precisaram decidir rapidamente sobre como reagiriam. “Nessa hora tu para pra pensar em menos de um segundo se vai correr, se vai voltar ou avançar, mas nós sabíamos que não tinha mais volta” pondera Dickson.
O minuto decisivo
Um único minuto foi necessário para que os policiais assimilassem a situação e reagissem. “Não durou mais que um minuto, mas pareceu uma eternidade”, relembra o tenente. Assim que os disparos foram ouvidos, os policiais se abaixaram e “diminuíram a silhueta”, como se ficassem de joelhos. Nos mesmos sessenta segundos, eles revidaram, sem saber contra quem confrontavam ou onde estavam os criminosos.
Dentro do mesmo minuto, os militares deram início à progressão, um dando cobertura ao outro e superando, inclusive, os problemas que tiveram com as armas. “Bem próximo ao capão a gente conseguiu visualizar uma pessoa vestindo roupa camuflada. Gritamos pra parar, que era a polícia. Foi aí que veio uma rajada de tiros”, conta um dos soldados.
Quando o fogo dos assaltantes cessou, a guarnição também parou de atirar. “Tentamos dialogar e não havia resposta. Só escutamos barulho de alguém se mexendo na vegetação. Quando a gente entrou no mato, fomos os encontrando caídos, com ferimentos. Eles foram socorridos, por nós, como a técnica prevê”, relata o tenente.
Desfecho
O reforço das demais guarnições chegou quando o confronto estava encerrado, porque não houve tempo para pedir apoio aos colegas. “A gente já tinha afastado as armas deles, por segurança nossa e averiguado se havia mais pessoas no local, quando o pessoal chegou pra nos auxiliar”, acrescenta outro soldado.
Todos os cinco criminosos vestiam roupas camufladas, toucas e luvas. As armas eram longas e de grosso calibre. Os R$ 315 mil levados das agências do Sicredi e do Banrisul foram recuperados. Ainda estavam nas mesmas sacolas de quando o bando saiu dos prédios bancários. A comunidade aplaudiu aliviada, enquanto as guarnições que trabalharam nas buscas, desde o assalto até o confronto final, passavam pelas casas da pequena cidade.
O dia seguinte
Nos dias que seguiram, os policiais tiveram dificuldade para dormir. A adrenalina vivida na ocasião nunca havia sido sentida por nenhum dos quatro integrantes da guarnição. “Em 28 anos de polícia eu nunca havia passado por situação parecida”, diz o tenente, que já enfrentou diversas ações de risco, inclusive sendo baleado há alguns anos, durante troca de tiros em Passo Fundo. “Tu te preocupa com teu próximo, em sair de lá vivo. É muito diferente”, acrescenta. Quando tudo terminou, os quatro se aproximaram para conferir se todos estavam bem.
Com visível desconforto, apesar de esboçarem um sorriso, todos são unânimes na resposta: não desejam reviver uma situação parecida. “Tomara a Deus que não, mas se precisar, a gente vai de novo, porque é o nosso trabalho, é o que juramos e fazemos por vocação, mas não que a gente queira. Não fomos até lá pra matar ninguém, não escolhemos o confronto, quem optou pela troca de tiro foram eles (os assaltantes), que até nos pegaram de surpresa”, enfatizam os soldados.
Espiritualidade
Da mesma forma, todos são unânimes em dizer que foram salvos por uma força maior, pela ‘proteção Divina’. “Eu não sou muito de parar pra rezar, mas sempre peço proteção quando vou para uma operação dessas e fui atendido”, afirma o soldado Wagner Meira. Entre uma justificativa e outra, que vão do treinamento que recebem periodicamente, à técnica, o entrosamento e os anos de experiência que acumulam juntos, a palavra Deus, sempre foi citada com destaque pelos militares. “É muito importante o operacional, mas também é fundamental estar em dia com a espiritualidade”, certifica Dickson.
O sinal da cruz, símbolo do cristianismo, já fazia parte da rotina dos policiais quando entravam de serviço. “Eu sempre peço proteção enquanto trabalho”, comenta Dias, que tem a frase completada pela colega Juliana: “Tanto é verdade que somos protegidos por Deus, pelos anjos da guarda que estavam ali com nós na hora, que estamos aqui, vivos e sem um ferimento”, conclui.
Treinamento
O treinamento dos policiais foi fundamental para que se mantivessem em controle na linha de tiro dos criminosos e seguissem em frente. “Não tinha o que fazer. A gente só usou as técnicas, dando cobertura um para o outro. Todos os treinamentos que tivemos até aqui, na hora afloraram, foi muito válido”, destaca Juliana.
Quem são os policiais
Tenente Sandro Dickson – atua há 28 anos como policial militar. Já foi baleado durante outro confronto e esteve em diversas trocas de tiro.
“Tu te preocupa com teu próximo, em sair de lá vivo. É muito diferente.”
Soldado Juliana Borges – há 13 anos integrante da instituição. Era a única mulher no meio da troca de tiros. “A gente faz isso por amor. É uma coisa que aflora, que arrepia, que fazemos com vontade.”
Soldado Wagner Meira – há 12 anos na Brigada Militar. Chegou mais recentemente, se comparado aos demais, ao Batalhão. Considerado o mais descontraído entre os quatro, apelidou o colega que sugeriu averiguar o capão de mato, antes do confronto, de “Mãe Diná”.
“Eu não sou muito de parar pra rezar, mas sempre peço proteção quando vou para uma operação dessas e fui atendido”
Soldado Renato Dias – atua há 12 na polícia. Contou para os familiares que havia vivido momentos de tensão, durante um forte confronto, somente três dias depois ao fato e pessoalmente.
“A gente treina, mas é bem diferente de viver a situação. Só na hora pra ti saber como que vai reagir”.