Nos últimos seis anos, o delegado da Polícia Federal, Mário Luiz Vieira, teria retirado R$ 148 mil da Unidade Terapêutica Maanaim, para pagamento de despesas próprias. O levantamento consta no documento assinado pelo juiz federal da 3ª Vara, Rodrigo Becker Pinto, autorizando os mandados de busca e apreensão que resultaram no afastamento do delegado da Polícia Federal de Passo Fundo, Mário Luiz Vieira, por um período de 120 dias. Suspeito de corrupção, na última quarta-feira ele foi alvo principal da operação Dois Campos, que também investiga empresários e um advogado.
Atendendo ao pedido do Ministério Público Federal, o magistrado decidiu quebrar o sigilo do inquérito. No despacho, argumentou que o processo tramita sob sigilo de nível 5. No entanto a decisão de torná-lo público teve por base a entrevista concedida pelo delegado a Rádio Uirapuru, no mesmo dia da operação.
"O próprio investigado encarregou-se de difundir informações referentes à situação ao dar entrevista [...]dizendo-se vítima de perseguição e dirigindo-se de modo desrespeitoso e ofensivo não só à instituição Ministério Público Federal, como a dois Procuradores da República atuantes nos feitos, também citando nomes de pessoas que possam ser testemunhas e também outro alvo de cumprimento de mandados, declarações essas feitas com o nítido propósito de criar descrédito quanto à atuação do Ministério Público Federal, e, via reflexa, do próprio Poder Judiciário", justificou o magistrado.
As investigações tiveram início após informações indicarem que o policial afastado teria recebido recursos de empresários, investigados e advogados, sob o pretexto de investir os valores na Comunidade Terapêutica Maanaim, localizada no município de Água Santa, distante cerca de 40 quilômetros de Passo Fundo. A entidade oferece tratamento para dependentes químicos. Diligências indicaram que os recursos captados eram gastos com despesas do próprio delegado.
A operação recebeu o nome de “Dois Campos”, tradução do idioma hebraico para a palavra que designa a instituição terapêutica, porque retrata o conflito de interesses que permeava a atuação da autoridade policial. Ao todo, nove mandados de busca e apreensão foram cumpridos na região.
No documento de 30 páginas, o MPF apresenta um levantamento detalhado das movimentações financeiras, pelo menos dos últimos seis anos, envolvendo contas bancárias da Maanaim, da Igreja Evangélica Maanaim, presidida por Vieira, e também do próprio policial.
Durante as investigações, o Ministério Público Federal constatou que o delegado se utilizava de programas de mídia, divulgação nas redes sociais e também de uma lista de colaboradores, via aplicativo WhatsApp, para solicitar doações à Unidade Terapêutica.
Valores movimentados
Uma série de depósitos, de valor elevado, na conta da Maanaim, sem identificação, saques e emissão de cheques sem identificação de destinatário e elevadas transferências para as contas do policial, foram alguns dos indícios que chamaram a atenção dos procuradores. No período de 2013 a 2018, o MPF constatou 333 operações (depósitos sem identificação), totalizando R$ 276,768,83 na conta da entidade.
Conforme a Procuradoria, mo mesmo período, o valor transferido da conta da Maanaim para a conta pessoal do delegado foi de R$ 148, 034,67. A maior movimentação ocorreu em 2015, com um total de R$ 64.120. Em contrapartida, ficou constatado que ele depositou para a entidade o valor de R$ 37.622. Entre os valores movimentados, cujo destino ainda está sendo apurado, o MPF identifcou um total de R$ 349,147 sacado das contas da Unidade. Em três anos, a emissão de cheques, sem indicação de beneficiários, foi de R$ 900 mil.
O MPF conseguiu comprovar que despesas particulares do policial foram pagas diretamente pela Maanaim. Da Igreja Evangélica Maanaim foram utilizados R$ 6,4 mil para pagamento de um condomínio que não diz respeito aos endereços das duas instituições. Da Unidade Terapêutica foi retirado, entre fevereiro e julho de 2013, R$ 1,6 mil para quitaçaão do condomínio onde o policial residia. Também constam despesas com escola e conserto e manutenção de veículo pessoal. Para a Procuradoria há uma 'clara confusão patrimonial entre as instituições'.
Outra situação apurada e definida como de 'extrema gravidade' pelo MPF, reside no fato de que pessoas que vinham sendo investigadas pela PF, passaram à figura de colaboradoras da entidade presidida pelo delegado, que assumia a condução e finalização do inquérito policial.
Atribuição estadual
O MPF também levanta questionamentos e dúvidas a respeito de operações desencadeadas pela Delegacia da Polícia Federal de Passo Fundo, e que, no entanto, eram de competência da esfera estadual. Entre elas, estão as operações Filhos de Davi e Polis, ambas tendo como alvo o empresário Anderson de Azevedo Salomão. "Não custa observar que não há nenhuma hipótese de competência da Justiça Federal em qualquer dessas apurações... ou seja, a DPF exerceu indevidamente a função policial que não lhe cabia, pois o fato, a toda evidência, era de competência da Justiça Estadual e da Polícia estatal respectiva", argumentaram os procuradores.
O mesmo vale para a Operação Carmelina, que envolveu o advogado Maurício Dal´Agnol. Dados apresentados pela instituição demonstraram que em maio de 2015, havia 901 inquéritos policiais em andamento na Delegacia da Policia Federal de Passo Fundo. Destes, 202 apuravam crimes de competência da Justiça Estadual. 178 deles eram ligados ao caso Dal´Agnol e 24 referentes a Anderson Salomão. Conforme o MPF, o advogado que está sendo investigado na Operação Dois Caminhos, autou na defesa de Salomão na Operação Polis. Posteriormente, teria dado um depoimento ao delegado, se dizendo vítima do próprio cliente. Além de fazer parte da lista de doadores, ele integra o conselho fiscal da Maanaim.
No entendimento do MPF, o policial se utilizou do cargo e da instituição para obter as doações. "A Polícia Federal não pode servir a Mário, este sim deveria servia a ela, exclusivamente, como lhe impõe a lei", justificou o magistrado.