Uma história de descaso com o dinheiro público

Inaugurado no final dos anos 90, para concentrar todas as delegacias da PC, prédio da DPPA pode ser demolido

Por
· 5 min de leitura
Com estrutura seriamente comprometida, prédio da delegacia, novamente precisou ser interditadoCom estrutura seriamente comprometida, prédio da delegacia, novamente precisou ser interditado
Com estrutura seriamente comprometida, prédio da delegacia, novamente precisou ser interditado
Você prefere ouvir essa matéria?
A- A+

A repentina desocupação do prédio da Delegacia de Pronto Atendimento da Polícia Civil, (DPPA), na sexta-feira passada, pode ter decretado um dos últimos capítulos de uma história de descaso com o dinheiro público, que se arrasta há 20 anos em Passo Fundo. Inaugurado em 1998, para abrigar, à época, todos as delegacias da Polícia Civil, a edificação está com as estruturas irrecuperáveis. O diagnóstico partiu de um laudo realizado por técnicos da força-tarefa de obras da Secretaria Estadual da Segurança Pública. Diante da gravidade da situação, não se descarta a possibilidade de demolição do prédio.


Os técnicos realizaram o levantamento durante o mês de janeiro. Diretora do Departamento de Administração da Polícia Civil, Elisangela Piccoli conta que a intenção era avaliar as condições do para retomar e concluir a obra. Segundo ela, havia uma verba de aproximadamente R$ 3 milhões disponível desde 2017, destinada para o projeto. Uma nova planilha de custos seria elaborada e, na sequência, ocorreria a abertura do processo licitatório.


De acordo com Elisângela, a força-tarefa realizou um trabalho minucioso. Toda a estrutura foi avaliada visualmente e também a partir da análise de materiais, como a retirada de concreto. Na conclusão, o documento de 21 páginas, afirma que as estruturas estão comprometidas e irrecuperáveis. Com base nisso, não recomenda continuidade da obra e aponta para a interrupção das atividades realizadas no local.
"Temos dois caminhos a percorrer. O primeiro é buscar um novo espaço para instalação da DPPA. Em relação ao prédio, teremos que estudar com calma uma alternativa. A demolição é bem provável, mas não vamos fazer nada no afogadilho", afirmou.


Chefe da Polícia Civil do RS, a delegada Nadine Farias Anflor, disse que o prédio não está interditado e que a remoção da delegacia foi uma medida de proteção para servidores e comunidade, baseada na conclusão do laudo. " O levantamento apontou comprometimento crítico da estrutura, por isso, a remoção foi imediata", afirmou. A delegada revela que, 'nesse momento, não há previsão de demolição da edificação'. Por outro lado, reconhece que não há possibilidade de recuperação, conforme atesta o laudo. " A preocupação agora é encontrar um local para instalação da delegacia. Pelo menos nos próximos oito meses não há como voltar para lá. Paralelamente, vamos seguir monitorando e solicitando outras análises e definir qual medida adotar".


No dia 8 de março, Nadine estará em Passo Fundo e visitará o local. Com o fechamento do prédio, o plantão da DPPA foi novamente transferido para a 1ª Delegacia de Polícia, na rua Antônio Araújo, nº 133, centro. O atendimento ao público é feito 24h.


Mobilização da comunidade
A iniciativa era audaciosa para os padrões da época: além de concentrar todos os serviços da Polícia Civil, previa até mesmo um heliporto no prédio. No entanto, a obra que seria batizada como a Casa da Polícia e livraria o estado do pagamento de aluguel, nunca foi concluída. Ao longo dessas duas décadas, vários anúncios de retomada aconteceram, mas todos esbarraram na falta de vontade política. Mesmo não dependendo diretamente de recursos do estado para sair do papel, decisões de governadores que se sucederam, desde o final da década de 90, determinaram a paralisação das obras, mesmo quando havia recursos disponíveis.


A construção do prédio da DPPA é resultado de uma grande mobilização da comunidade. O terreno foi cedido pelo município ao Estado e o projeto arquitetônico elaborado gratuitamente por dois profissionais da área. O recurso para execução da obra estava garantido pelo Conselho Comunitário Pró-Segurança Pública (Consepro). Nos anos 90, 50% do valor das multas de trânsito arrecadado no município era destinado para a entidade e a outra metade para os cofres do Estado. A primeira interferência do estado veio justamente no corte deste recurso. Ao assumir o Palácio Piratini, o governador Olívio Dutra extinguiu a fatia dos 50% dos municípios.


Sem a principal fonte arrecadadora, o Consepro não teve mais condições de seguir investindo na obra. “A primeira paralisação ocorreu por isso. O prédio ficou inacabado porque cortaram a verba das multas”, destaca Giugno. Ao todo, a entidade repassou à época, aproximadamente R$ 500 mil na construção.


“É com muita tristeza que vejo o descaso dos governantes durante estes anos todos. Fizemos um grande sacrifício, juntamente com o Ministério Público e diversas entidades, para realização esse projeto. Uma obra inacabada durante 20 anos, acabou se deteriorando. Foram feitas várias visitas e promessas de retomada, mas nenhuma delas se cumpriu”, lamenta o presidente do Consepro.


Recurso de R$ 2,4 milhões
Entre tantas promessas de retomada da obra, uma das principais aconteceu em 2014, mas novamente esbarrou numa decisão política. Na oportunidade, o governo acenou com recursos na ordem de R$ 2,4 milhões para conclusão dos três pavimentos. Uma empresa de Porto Alegre venceu a licitação, ainda em 2012, e iniciou as obras dois anos depois. Na oportunidade, foram recuperadas algumas lajes, houve troca total do telhado, realizados serviços de contra piso, reboco, esquadrias e estava em andamento a recuperação da rede hidráulica. Para não prejudicar o atendimento na DPPA, optou-se em iniciar os trabalhos na parte inacabada da edificação.

 

Tudo indicava que finalmente a Casa da Polícia seria concluída, mas não foi o que aconteceu. O governador José Sartori publicou um decreto que acabou cortando o recurso empenhado, e os trabalhos mais uma vez tiveram de ser interrompidos.


Na oportunidade, em entrevista ao ON, o responsável pela empresa declarou que a situação de abandono, por quase duas décadas, havia comprometido alguns pontos do prédio e que pelo menos três lajes seriam demolidas e construídas novamente. Ele definiu a obra como sendo 'muito complexa'.


Reformas
Sem recursos para conclusão da Casa da Polícia, no ano passado o delegado regional Adroaldo Schenkel mobilizou a comunidade e conseguiu uma verba para realizar algumas reformas e remodelação no setor de atendimento.


O investimento ficou em torno de R$ 180 mil, doados pelo Ministério Público do Trabalho e Poder Judiciário, além da parceira como o Consepro, Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e Universidade de Passo Fundo (UPF). Mudanças na área externa, incluindo calçada e canteiros ficaram por conta da prefeitura.


No interior do prédio, o setor de registros de ocorrência foi remodelado, com instalação de guichês individuais. A sala de espera teve seu espaço ampliado e as paredes pintadas. A cela onde permanecem detidos durante registro das ocorrências também recebeu melhorias. Além da ampliação, teve espaços separados para homens e mulheres. Durante os três meses de reforma, a DPPA se transferiu para a 1ª Delegacia de Polícia, onde está atualmente.


Desde a inauguração, apenas um dos três andares da edificação chegou a ser utilizado. Além da Delegacia de Pronto Atendimento, cujo fluxo de registros de ocorrência durante o ano é de aproximadamente 20 mil, o local abrigou, até agosto de 2017, a Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (DEAM).


Nas demais dependências, os sinais de abandono são visíveis. Em algumas peças a umidade e a vegetação tomaram conta. Parte do reboco das paredes já cedeu e as rachaduras se ramificaram. No lado externo, onde estava projetado para ser uma janela, foi grosseiramente fechado com tijolos, sem nenhum acabamento.

 

Laudo
Ao contrário do que normamelmente acontece com prédios públicos do estado, desta vez, o laudo realizado no prédio da DPPA, não passou pela 7ª Coordenadoria Regional de Obras, (CRO), instalada em Passo Fundo. No local trabalham quatro profissionais, entre engenheiros e arquitetos.

Gostou? Compartilhe