O júri popular do Caso Bernardo começou por volta das 9h30 de ontem (11), na Comarca de Três Passos, noroeste do Estado. Desde as primeiras horas, o trânsito foi bloqueado em alguns sentidos nos entornos do prédio do Fórum. Durante a manhã, grupos de pessoas se aglomeraram, silenciosamente, em frente ao prédio. A previsão é que o julgamento dure cinco dias, conforme despacho da juíza Sucilene Engler, responsável pelo caso.
Os quatro réus chegaram escoltados por agentes da Susepe por volta das 9h. Respondem por homicídio qualificado e ocultação de cadáver o pai de Bernardo, Leandro Boldrini, a madrasta, Graciele Ugulini, a amiga de Graciele, Edelvânia Wirganovicz e o irmão desta, Evandro. Leandro ainda é acusado de falsidade ideológica.
A sessão iniciou com o sorteio dos sete jurados. De 25 pessoas convocadas inicialmente, cinco homens e duas mulheres foram selecionados. O procedimento ocupou boa parte da manhã. A partir das 12h30, iniciou a etapa de oitiva das testemunhas. A primeira a depor foi a delegada Carolina Machado, que comandou as investigações à época. Ela falou sobre as investigações e principais conclusões do inquérito policial.
Ela disse que o garoto era torturado psicologicamente e que vários depoimentos convergiam para situação de abandono e desafeto do pai. Carolina ainda lembrou que o humor do casal era de tranquilidade após o desaparecimento de Bernardo. Conforme ela, a demora no registro do desaparecimento fez parte de estratégia dos réus para montar álibi. Leandro teria efetivamente procurado o filho dois dias depois.
Sobre provas materiais, pontuou que várias ampolas de midazolam estariam faltando na clínica onde Leandro trabalhava. Também informou que as duas rés foram reconhecidas comprando ferramentas, soda cáustica e midazolan. A motivação do crime, conforme a delegada, foi “o desamor e o ódio”.
No início, 18 testemunhas seriam ouvidas pelo Ministério Público e pelos advogados dos quatro réus. Porém, durante a tarde, a defesa da ré Graciele abriu mão de ouvir o depoimento das quatro pessoas que havia arrolado. Total de testemunhas caiu para 14, sendo uma convocada tanto pela acusação como pela defesa de Leandro Boldrini.
Os quatro acusados também serão ouvidos antes do debate entre acusação e defesa. A pedido das defesas dos réus, em acordo com o Ministério Público, juíza Sucilene Engler admitiu aumento no tempo nos debates. Serão 4 horas para o MP e mais 4 para serem divididas entre os quatro defensores.
Relembre
Bernardo desapareceu em Três Passos, em 4 de abril de 2014. Seu corpo foi encontrado dez dias depois em uma cova vertical, à beira de um riacho na cidade de Frederico Westphalen. Conforme a perícia, Bernardo morreu por efeito da substância midazolan, detectada nos rins, estômago e fígado da vítima. Graciele, segundo a denúncia, foi responsável pela aplicação da medicação, Leandro agiu como mentor do crime, e Edelvânia e Evandro ajudaram na consecução.
“Eu não sou Boldrini, eu sou Petry”
“Ele adorava brincar com chave. Não deixavam ele entrar em casa, ele não tinha chave, então aonde ele ia, queria brincar com a chave da casa”, relembra a aposentada Malvina Antunes, em frente ao prédio do Fórum de Três Passos, na manhã de ontem (11). A mulher, que mantinha contato com o menino, foi até a Avenida Júlio de Castilhos para acompanhar a movimentação do primeiro dia de julgamento do assassinato de Bernardo Boldrini, de 11 anos, morto em abril de 2014.
Malvina é próxima da família Petry, conhecida por acolher o menino quando a família não era presente. Os relatos de abandonos são recorrentes. A aposentada lembra de dois episódios, em especial. O primeira é de um desfile de sete de setembro, ocasião em que a família Petry comprou a vestimenta porque ele não tinha. “Ele usou uma bota que não era dele, depois chegou com o pé cheio de calo. A gente perguntou: teu pai não comprou uma bota para ti? Ele disse: Meu pai estava viajando”, conta.
O segundo foi no último aniversário de Bernardo. Foi Malvina quem preparou o almoço, já que a família não havia comemorado a data. Ela lembra que cozinhou a carne de forno e a galinhada servidas em setembro de 2013, quando o garoto fez 11 anos. A celebração havia sido feita em companhia da família Petry.
“Ele chegava e sempre vinha abraçar a gente. Ele era muito carente. Uma vez ele me abraçou e eu brinquei com ele: Boldrini, você não acha que está muito grande para abraçar as velinhas? Ele me disse: Eu não sou Boldrini, eu sou Petry”, relembra. Juçara Petry, a quem pessoas próximas se referem como Ju, é uma das testemunhas do julgamento. Ela ficará incomunicável até o fim dos depoimentos.
Segundo a idosa, Bernardo era um menino doce. “Ele não incomodava, ele só queria carinho”, pontua. Ela disse ter passado mal quando recebeu a notícia de que o corpo de Bernardo havia sido encontrado em uma cova, no interior de Frederico Westphalen. Neste momento, Malvina espera justiça pelo assassinato do menino.
Sentimento de revolta da comunidade
Durante as primeiras horas da sessão, grupos de pessoas se aglomeraram, silenciosamente, em frente ao prédio da Comarca de Três Passos. Mulheres usavam camisetas com frases e fotos de Bernardo. Uma delas, que não quis se identificar, contou ter viajado de Florianópolis para a pequena cidade gaúcha para acompanhar o primeiro dia de julgamento.
Os aposentados Olario Hilger e Luiz Saviano, moradores da cidade, estavam a caminho do banco quando pararam para assistir a chegada dos quatro réus, escoltado por agentes da Susepe. Os dois não tinham contato com o menino, mas conheciam Leandro Boldrini, apontado pelo Ministério Público como mentor do crime.
Hilger era paciente de Boldrini, médico conhecido na cidade. Ao menos dois procedimentos cirúrgicos pelos quais o aposentado passou, foram feitos por Leandro. “Ele era um médico excelente. Mas uma coisa não tem nada a ver com a outra”, enfatiza, sobre o crime. Por conhecer o médico, contou ficar atônito quando as primeiras notícias apontando ele e a madrasta como autores do homicídio. “Eu não acreditava, não dava para acreditar, pela pessoa simples que ele era”, pontua.
Hoje, quase cinco anos após a morte, o choque se transformou em revolta. Esse sentimento é generalizado pela cidade. A promotora de eventos Daniele Kirchhof, que conhecia pessoas próximas a Bernardo se mostra indignada. “A gente ouvia relatos de que se a aula começava as 9h, o Bernardo chegava as 8h. Muitas vezes com fome”, cita. Mãe de dois, ela diz não entender o crime, mas espera que os réus sejam condenados e cumpram pena. “A gente espera justiça, que eles paguem na cadeia”, pontua.