Caso Bernardo: "Ele era como um filho", disse empresária que acolhia o menino

Juçara Petry, empresária que era considerada a figura materna de Bernardo Boldrini, foi a primeira pessoa a depor no segundo dia de julgamento (12)

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Juçara Petry depôs durante toda a manhã de ontem (12)Juçara Petry depôs durante toda a manhã de ontem (12)
Juçara Petry depôs durante toda a manhã de ontem (12)
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Mais seis testemunhas foram ouvidas no segundo dia do júri popular do Caso Bernardo, terça-feira (12).  A primeira a ser ouvida ontem, a terceira testemunha do julgamento, foi Juçara Petry, considerada a figura materna de Bernardo Boldrini. Indicada pelo Ministério Público (MP), a empresária respondeu aos questionamentos da acusação e das defesas sem a presença dos réus, a pedido dela.

 

Juçara, que costumava acolher a criança com frequência, era chamada carinhosamente por Bernardo de "tia Ju". Ela era homenageada pelo menino órfão no Dia das Mães. "Pra nós, ele era como um filho", afirmou.  "Uma vez, cobrei que ele tinha errado a tabuada do três. Aí confessou que tinha errado de propósito porque senão o tio Carlinhos não ia mais ensinar ele. Isso doeu muito", contou, chorando, a testemunha. "Bernardo era um menino franzino, meigo, honesto. Bernardo era uma pessoa do bem", definiu a empresária de 58 anos.

 

Além de Juçara, foram ouvidas mais duas testemunhas pelo MP ontem, a psicóloga que tratou Bernardo, Ariane Schmitt e a secretária que trabalhou por cinco anos no consultório do médico, Andressa Wagner. Após o depoimento de Andressa, que foi arrolada tanto pelo MP quanto pela defesa de Boldrini, começaram as oitivas das testemunhas convocadas pelos advogados do médico, dez ao total. Graciele Ugulini, Edelvânia e Evandro Wirganovicz abriram mão de testemunhas. O Júri acontece no Salão do Júri da Comarca de Três Passos e é presidido pela Juíza de Direito Sucilene Engler.

 

Ida ao Foro

Quando Bernardo comentou que iria ao Foro procurar o Juiz, Juçara disse que nunca imaginou que isso fosse acontecer. Surpresa, ela perguntou o que a criança tinha dito ao magistrado: "Falei tudo", resumiu ele. Bernardo chegou feliz depois da audiência e, depois disso, surgiu o assunto de levá-lo a uma benzedeira. "A Kelly (apelido de Graciele) disse que ia levá-lo na benzedeira, que ia ficar tudo bem. Perguntei se ele iria mesmo, e ele respondeu que, se fosse para ficar tudo bem, ele iria".

 

Bernardo nunca falava o que acontecia em casa. "Desviava o assunto ou saía correndo". Na avaliação da testemunha, a situação piorou na casa dos Boldrini depois da audiência.

 

“Odeio a minha casa"

Bernardo passava muitos dias na casa da família Petry e, quando Juçara falava para ele voltar, o menino respondia: "Odeio a minha casa".  A testemunha disse que evitava saber o que acontecia na casa dos Boldrini, "apenas cuidava de uma criança que estava sem a mãe". E que incentivava que ele gostasse de casa, mas a criança pedia para morar com Juçara. Ela não cogitou a hipótese porque o menino tinha parentes. O Conselho Tutelar chegou a citar que o menino poderia ir para uma casa de passagem, caso a situação de Bernardo em casa não melhorasse. "Aí eu disse que, então, eu ficaria com ele, se fosse para isso acontecer".

 

Certa vez, o menino comentou sobre um cartão de Natal com a família, sem ele. "Eu odeio isso. Por que não estou junto?" Para ela, o garoto não se sentia "acolhido" em casa. A empresária descreveu Bernardo como uma criança tranquila, que em nada se parecia com o temperamento agressivo mostrado nos vídeos em que aparece brigando com o pai e a madrasta.

 

Raras vezes ele carregava as chaves de casa quando ia para a casa da testemunha. Já o controle remoto, a madrasta pegava o dele para ela. Carlos, marido da testemunha, chegou a comprar um celular para poder se comunicar com a criança, já que, muitas vezes, eles não conseguiam encontrar Bernardo, que circulava por várias casas.

 

Roupas e objetos

As roupas usadas por Bernardo, quase sempre eram dadas pela testemunha. Muitas, eram da própria Juçara que já tinha em casa objetos de uso pessoal, como escova de dentes e toalhas, para o menino utilizar. Certa vez, Bernardo machucou a boca com o aparelho dental e que Juçara procurou a família para resolver o problema. "Leandro não atendia o telefone. Procurei a Kelly  (apelido de Graciele) e ela reclamou dizendo que 'esse guri só incomodava, era um estorvo e que era para deixar a boca estourar". Disse que a criança não escolhia comida, dificilmente recusava algo.

 

"Bernardo procurava Deus"

A testemunha explicou que o menino Bernardo gostava de estar na igreja. "Certa vez o padre me disse que Bernardo procurava Deus." No dia da primeira Comunhão, a criança estava triste porque não teria a presença do pai na comemoração. Pensou em desistir, mas Juçara e a família o incentivaram a prosseguir. Ela comprou a roupa para que para que o menino usasse no dia e também comemoraram na casa dela, com um churrasco.

 

Desaparecimento

A primeira suspeita de Juçara quando Bernardo desapareceu, foi que ele havia fugido.  "Toda a comunidade se mobilizou. O que nos chocou foi ver o pessoal sujo de barro para procurar Bernardo e saber que o pai e a madrasta foram para a Argentina fazer compras", disse.

 

A defesa de Leandro Boldrini destacou ligações entre pai e filho, para demonstrar que os dois se falavam, ao contrário do que a testemunha afirmou. E que, quando o menino desapareceu, o médico tentou falar com Juçara, mas o telefone dela estava desligado.

 

Relacionamento com a madrasta

A defesa de Graciele afirmou que ela é ré confessa, que levou o menino para Frederico Westphalen, ministrou medicação nele, mas também ele se automedicou. Perguntou novamente se Juçara sabia o que acontecia dentro da casa de Boldrini, e ela reiterou que não. E esclareceu que nunca visitou a casa de Leandro, nem quando ele era casado com Odilaine. O Advogado perguntou se Bernardo já exalou sentimento de ódio por alguma pessoa, ela respondeu negativamente.  Quanto ao acesso à alimentação, que a testemunha aponta que Bernardo não tinha, afirmou que as declarações se baseiam no que Bernardo contava para ela.

 

Sobre o relacionamento com a madrasta, a testemunha disse que Bernardo não dava detalhes, mas que "não se encaixava". Já sobre Leandro, ele sempre dizia que o pai salvava vidas.

 

Leandro não tinha empatia pelo filho, diz psicóloga

A psicóloga que tratou Bernardo, Ariane Schmitt, testemunhou logo em seguida. A escola havia feito recomendação de tratamento para o menino. Durante depoimento, ela também pediu que os réus não estivessem presentes no Salão do Júri. Testemunha respondeu aos defensores de Leandro fazendo considerações a respeito do papel paterno e a influência das trocas emocionais entre pais e filhos. A profissional disse ter impressão de que Leandro foi um pai tangencial, sem empatia pelo filho. Autoridade era exercida com violência, com certo sadismo, disse testemunho da psicóloga.

 

Acusação expôs vídeo em que o pai havia gravado Bernardo carregando um facão. Testemunha questionou exposição da criança em uma situação de extrema irritabilidade. "Não é o Bernardo que todos conhecemos". "Ele era dócil, sensível, carinhoso, pedia abraços".

 

Por questão de ética profissional, a psicóloga não revelou o teor de suas conversas com Bernardo. Ela disse que tratou Bernardo por um tempo, mas a família optou por interromper o tratamento. Quando retornou, o menino contou que estava tomando medicação. "Ritalina, Risperidona e Rivotril". À defesa de Graciele, ela relatou que Bernardo costumava tomar os remédios sozinho, inclusive, levava para a escola.

 

Ariane disse que conversou muito com pessoas que conheciam o menino. "Bernardo foi muito pouco feliz". Ela contou que o quarto do menino era azul marinho e sem vida, ao passo que o resto da casa era decorada. "Se deve dar asas para voar, mas com raízes. Criatura e criador precisam estar ligados afetivamente. Do contrário,  criará na criança uma rebeldia", disse a psicóloga. 

 

Perguntada pelo defensor de Graciele se Bernardo disse se odiava alguém, testemunha disse que sim, a madrasta. "Havia animosidade", informou.

 

“Tem que dar um fim no guri”, confirma secretária

A terceira testemunha do dia e quinta do processo foi Andressa Wagner, que trabalhava na função de secretária no consultório do médico Leandro Boldrini. A testemunha exerceu o cargo por cinco anos. Ela depôs na frente dos réus, mas não permitiu que fosse fotografada.

 

Questionada sobre o comportamento da madrasta, ela confirmou ter ouvido diversas vezes Graciele falando “tem que dar um fim no guri”. Também informou que foi orientada pela madrasta a mandar Bernardo embora da clínica, caso aparecesse por lá. A justificativa é que lá não era o lugar dele, conforme a testemunha.

 

A acusação mostrou imagens de assinaturas de Leandro Boldrini e confrontou a depoente sobre qual seria a do médico. Após desentendimento entre a testemunha e a acusação, ela disse que o réu variava assinaturas.

 

A defesa de Boldrini iniciou o interrogatório questionando o que fez Andressa sair de Três Passos. Ela se emocionou e chorou. Disse que sofreu retaliações dos moradores de Três Passos em redes sociais e por isso deve que sair da cidade. "Terminaram com a minha vida", disse sobre suspeitas levantadas de que estaria envolvida com a morte da mãe de Bernardo, Odilaine - que cometeu suicídio em 2010.

 

Em resposta a defensa de Graciele, secretária diz que Bernardo sempre aparecia na clínica bem vestido, sem sinais de desnutrição e carregando uma chave com controle. Por fim, a testemunha disse que se sentiu pressionada durante a investigação policial. "A delegada Caroline chegou dizendo para eu falar onde estava Bernardo."

  

Testemunhas da defesa

A primeira lista dos nove arrolados pela defesa de Boldrini foi de Lore Heller, mulher que trabalhou na casa do médico quando ele vivia com Odilaine. Em depoimento breve, ela contou que trabalhou por quase quatro anos na casa e que o ex-patrão “era um bom pai”. Disse não lembrar muitas coisas devido ao tempo decorrido e foi dispensada em decorrência de problemas de saúde.

 

Em seguida, foi chamada Marlise Henz, técnica em enfermagem que trabalhava com Leandro no hospital. Segundo ela, relação entre pai e filho era tranquila. "Ele era um pai manso, o guri chegava tranquilo com ele", diz a testemunha sobre Leandro. "Desamor nunca vi".

 

Ela disse que relatou a falta do midazolam no setor em que trabalhava a Graciele, que era enfermeira. Testemunha ouviu de Andressa que Graciele disse que tinha dinheiro para matar Bernardo e contratar um matador de aluguel; "Vamos na delegacia", teria dito a Andressa. Ao fim, promotores mostraram vídeo de Bernardo pedindo socorro para saber se a testemunha mantinha opinião de que Leandro não teve nada a ver com a morte do menino. Ela manteve a opinião de acreditar na inocência de Leandro.

 

A última testemunha ouvida no dia foi Rosângela Pinheiro, auxiliar administrativa. Ela conhece Leandro de 2006, quando ele começou a trabalhar no hospital. "Eu não presenciei, não posso afirmar" que Bernardo fosse ao local com roupas sujas, disse, no depoimento. Questionada pelo MP, disse que viu poucas vezes Bernardo no hospital em 2014. Relacionamento de Rosângela com Leandro era estritamente profissional. 

 

1º dia de depoimento

O primeiro dia do júri se encerrou às 21h. As Delegadas Caroline Machado e Cristiane Moura foram as primeiras testemunhas ouvidas. Elas atuaram nas investigações do caso e no inquérito policial que embasou a denúncia contra os quatro acusados,  Leandro Boldrini,  Graciele Ugulini, Edelvania e Evandro Wirganovicz.

 

A delegada Caroline prestou o depoimento mais longo até o momento, tendo falado por quatro horas e meia. Na época dos fatos, ela era titular da Delegacia de Polícia de Três Passos, conduziu as investigações e presidiu o inquérito policial. Ela destacou pontos que chamaram atenção da Polícia nas investigações, como por exemplo, afirmou, a tentativa de construção de álibis pelo casal Leandro e Graciele, bem como mudanças de comportamento dos dois. "Eles estavam certos da impunidade, tanto que não organizaram alguns detalhes". Isso porque, segundo a testemunha, Leandro não dava atenção ao filho, que chegava a ficar longe de casa 15 dias. "Foram unânimes os depoimentos nesse sentido". Mas, quando o menino sumiu, Leandro procurou pelo filho e, antes disso, Graciele até deixou que a criança se aproximasse da irmã caçula, o que não era permitido normalmente.

 

A constatação da morte de Bernardo ocorreu no dia 14 de abril de 2014, mas, de acordo com a perícia, a vítima morreu no dia 4, quando desapareceu. Naquele dia, o menino saiu de casa com a madrasta achando que iam comprar um aquário.

 

Caroline afirmou que o menino sofria tortura psicológica e "um descaso em grau máximo". E que a frieza de Leandro impressionava: "A comunidade estava bem mais engajada do que o pai para encontrar o menino".

 

Os Promotores de Justiça exibiram um áudio de Leandro Boldrini para uma emissora de rádio, pedindo ajuda da comunidade para encontrar Bernardo. "Chamou atenção que ele disse que 'o menino morava com a nossa família', no passado", observaram.

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