?EURoeEu não mandei matar meu filho?EUR?, disse Leandro Boldrini

Pai do menino, acusado de ser o mentor do crime, Leandro Boldrini foi o primeiro dos réus a depor. Ele não respondeu a todas as perguntas do MP, orientado pela defesa

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Troca de farpas entre promotores, advogados de defesa e testemunhas e início dos depoimentos dos réus marcam o terceiro dia de julgamento do caso Bernado Boldrini. Na manhã de quarta-feira (13), foram ouvidas mais três pessoas, pela defesa de Leandro Boldrini. Advogados abriram mão de interrogar dois irmãos e cunhada do médico. Com a desistência, oitiva dos acusados começou à tarde, por volta das 15h. O primeiro a falar foi Boldrini, pai de Bernardo.

 

Com muitos gestos simulando episódios da época dos fatos e citando detalhes e nomes, o depoimento de Leandro Boldrini durou mais de três horas. Enfatizou que ama o filho até hoje, que ele não era um estorvo e admitiu ter sido um pai ausente por conta do trabalho. “Eu não mandei matar meu filho, senhores jurados”, disse o acusado.

 

Após a leitura da acusação do MP, pela juíza, o depoimento começou com o réu negando veementemente a participação no crime. “Não era um estorvo, senhores jurados”, disse sobre convivência com o filho morto. “Eu poderia chegar e dizer: vai morar com a vó, vai morar em um internato, vai morar com a Tia Ju. Eu poderia ter tomado a atitude, naquela data”, argumentou, a respeito do episódio da audiência, em 11 de fevereiro, após o menino ter procurado o judiciário para denunciar abandono.

 

Desaparecimento e morte

O acusado falou sobre episódios que aconteceram no período em que Bernardo estava supostamente desaparecido. Disse que começou a se preocupar com o sumiço do garoto no domingo de noite, quando saiu para procurá-lo na casa de um colega. Relatou que começou “maratona de ligações” quando voltou da casa desse amigo e não havia encontrado Bernardo. “À medida que os dias iam passando, ia apertando o coração”, alegou.

 

No decorrer dos dias, a polícia descartou as hipóteses de sequestro e sumiço por conta. “Me deu um arrepio”, contou Boldrini, quando ouviu da delegada que as investigações apontavam para assassinato. “Sabe no fundo a gente não acredita. Se apavora, mas não acredita”, disse, no julgamento. Questionado pela magistrada sobre ter desconfiado da companheira, negou. “Em nenhum momento”.

 

O pai disse que tomou conhecimento do assassinato na delegacia, no dia 14 de abril de 2014, momento em que também descobriu que a madrasta era a responsável. “Quando eu escutei isso, eu só não perdi o controle porque houve uma gritaria de policiais que me seguraram e me levaram para baixo”, relatou Boldrini, sobre o momento em que ouviu de Graciele que ela tinha envolvimento com a morte do menino. 

 

Primeira comunhão

“Confesso que hoje eu faria diferente”, disse Leandro Boldrini quando questionado sobre o episódio da comunhão, ao qual ele e a madrasta não estavam presentes. Bernardo não era assíduo na catequese, conforme Leandro. Disse que os dois foram em um casamento que já estava agendado há cerca de dois meses e que o filho havia falado da comemoração dois dias antes da data. “O Bernardo chegou na sexta-feira dizendo: pai domingo eu tenho primeira comunhão”, citou. A ausência na comunhão, seria uma espécie de corretivo.

 

Negou que o filho não tinha roupa para o evento, conforme descrito por Juçara Petry, em depoimento no dia anterior. “Ela fala pela ótica dela”, rebateu.

 

Midazolam

Um dos pontos debatidos nos depoimentos é quanto à assinatura da receita do midazolam ser ou não do médico. Boldrini disse que não havia controle rigoroso sobre o medicamento injetável e nem sobre o bloco de receituário, mas afirmou que Graciele tinha acesso.

 

Silêncio de Leandro

A partir de determinado momento, Boldrini parou de responder as perguntas do MP, orientado pela sua defesa. As perguntas foram consignadas, ou seja, o promotor continuou questionando a título de gravação. “O que o senhor sente ao olhar nos olhos dos outros réus?”, perguntou a acusação. Leandro não respondeu. O MP ainda tocou um áudio de uma ligação entre Leandro e o padrinho de Bernardo. “Teu filho sumiu faz uma semana e tu está aí dormindo?”, disse o padrinho. “Ele falou que a Kelly matou esse guri e o senhor não suspeitou?”, continuou. O promotor Ederson Luciano Maia Vieira ainda tentou mostrar as fotos do cadáver de Bernardo a Leandro, juíza não permitiu.

 

Além de Boldrini, os outros réus serão ouvidos na sequência do júri popular. Respondem por homicídio qualificado e ocultação de cadáver o pai, a madrasta Graciele Ugulini e os irmãos os Edelvânia e Evandro Wirganovicz. O médio também responde pelo crime de falsidade ideológica. O julgamento é realizado na Comarca de Três Passos, desde segunda-feira (11).

 

Ânimos acirrados e discussão marcam fim da fase testemunhal

Clima de animosidade e bate-boca entre advogados e promotores com testemunhas marcou a manhã. A sessão chegou a ser suspensa pela juíza Sucilene Engler, após o defensor de Edelvânia Wirganovicz discutir com Luiz Omar, convocado a depor pela defesa de Boldrini. A testemunha solicitou que advogado falasse mais baixo e defensor chamou depoente de mentiroso. A magistrada precisou intervir na situação.

 

Em outro momento da manhã, durante o depoimento do perito contratado pela defesa de Boldrini, ouve discussão. Luiz Gabriel Costa Passos, rebateu apontamentos de um dos promotores do MP, responsáveis pela acusação. “O senhor fez marcações erradas”, disse a testemunha ao promotor Ederson Luciano Maia Vieira. Ele retrucou: “Fiz. Os peritos do Rio Grande do Sul também. Só o senhor age certo. O senhor é o sabe tudo”. A juíza interferiu diversas vezes, pedindo que envolvidos se contivessem.

 

Testemunhas

O primeiro a depor, ainda durante a manhã, foi Luiz Omar que fazia trabalhos de manutenção residencial para Leandro Boldrini, ainda durante casamento anterior do réu. O homem disse que se sentia grato e não cobrava alguns serviços do médico, que atendera gratuitamente o filho da testemunha em certa ocasião. Deu boas referências de Leandro, e sobre ausência do pai, disse acreditar que se dava porque Leandro precisava salvar vidas. “Era um cara mais simples do que eu”, resumiu.

 

Sobre Graciele, Omar afirmou que a madrasta o proibiu de ter contato com Bernardo. Bernardo teria dito à esposa de Luiz Omar que Graciele havia tentado o estrangular enquanto dormia. Testemunha disse que preferiu não falar a respeito por medo de processo e para não incomodar Leandro. "Eu queria me afastar."

 

A segunda testemunha do dia foi Maria Lúcia Cremonese, amiga de Leandro. Ela conhece o réu desde o pequeno e foi professora do réu. Durante depoimento, ela alegou que ele foi criado em uma família muito dura. Pai de Leandro, diz testemunha, seria, como hoje em dia se diz, um "ogro". Além disso, descreveu o réu como uma criança calma, que não reagia mesmo quando era xingado. "Nunquinha, nunquinha", respondeu sobre problemas disciplinares de Leandro na escola. Ela diz que foi convidada a testemunhar por irmão de Leandro.

 

Os advogados de Leandro Boldrini abriram mão de ouvir dois irmãos e cunhada do médico, restando apenas uma última pessoa para falar. Era Luiz Gabriel Costa Passos, perito grafotécnico contratado pela defesa do acusado.

 

“Foi uma imitação”, disse perito assinatura

A discussão com o perito girou em torno da assinatura do receituário para o medicamento midazolam. O remédio, comprado por Graciele e Edelvânia, é o que consta no laudo de necropsia, como o que causou a morte do menino. O laudo do Instituto Geral de Perícias (IGP) gaúcho foi inconclusivo para apontar se assinatura de Leandro era autêntica, conforme o que consta no processo. Diante disso, a defesa de Boldrini contratou um profissional particular para reanalisar a assinatura.

 

Durante perguntas da defesa, disse ter encontrado "sete divergências significativas em relação aos hábitos gráficos de Leandro". Também encontrou "velocidade inferior aos padrões", e "interrupção anormal no movimento da escrita", com paradas e retornos que "significam indícios fortes de falsificação gráfica".

 

Perito explicou a jurados diferenças entre a assinatura questionada e outra que aponta como padrão de Leandro. Ele apontou que encontrou, entre outros pontos, discrepâncias entre local do início da escrita e forma do arco na primeira letra da rubrica. Ao fim do interrogatório dos advogados, concluiu que assinatura não é de Leandro. "Foi uma imitação", disse.

 

No momento da acusação, o promotor do Ministério Público questionou o perito sobre os métodos usados no parecer que fez e sobre críticas ao laudo do IGP. Promotor mostra rubricas de Leandro em documentos juntados aos autos para contestar conclusão do perito. Testemunha defende escolha das amostras comparadas.

 

O MP também questionou o profissional sobre o valor recebido para emitir o parecer técnico. Ele se negou a responder: "Ah, doutora, me permita, isso é uma questão de foro íntimo, eu não sou obrigado a revelar aqui".

 

Relembre o caso

Bernardo Uglione Boldrini, de 11 anos, desapareceu no dia 4 de abril de 2014, em Três Passos. O corpo do menino foi encontrado na noite de 14 do mesmo mês, dentro de um saco plástico e enterrado às margens de um rio em Frederico Westphalen. Edelvânia Wirganovicz, amiga da madrasta Graciele Ugulini, admitiu o crime e apontou o local onde a criança foi enterrada. A denúncia foi aceita pelo Juiz de Direito Marcos Luís Agostini, então titular da Vara Judicial da Comarca de Três Passos, em 16 de maio de 2014.

 

Segunda acusação do MP, o crime iniciou por volta das 12h do dia 4 de abril e o menino foi executado por volta das 15h, em Frederico Westphalen. Bernardo, filho de Leandro com Odilaine Uglione (falecida em 10 de fevereiro de 2010), morreu em decorrência de uma quantidade letal da substância midazolam, conforme apontamentos do laudo de necropsia. O remédio é utilizado para tratamentos de insônia e sedação de pacientes. 

 

Na data, Graciele havia levado o enteado para o município vizinho, sob o pretexto de agradá-lo. Logo ao início da viagem, disse ao garoto que deveria tomar um remédio para não enjoar na estrada e lhe deu uma dose de midazolam, via oral. Já em Frederico Westphalen, Graciele encontrou-se com Edelvânia. As duas colocaram a vítima no carro de Edelvânia e os três foram para um mato na Linha São Francisco, Distrito de Castelinho, próximo a um riacho. No local, Graciele disse que daria uma “picadinha” para benzer Bernardo, aplicando-lhe outra dose de midazolam, desta vez por injeção intravenosa. 

 

De acordo com o MP, após o crime, as duas despiram o cadáver do menino, colocaram em um saco plástico com soda cáustica sobre o corpo e o puseram em uma cova que teria sido aberta dias antes. Por fim, cobriram o corpo com pedras e terra.   

 

Prisões

Os três foram presos temporariamente no dia 14 de abril, por suspeita de envolvimento na morte de Bernardo. A prisão preventiva dos três foi decretada em 13 de maio. Estão recolhidos em penitenciárias do Estado desde então. Em 10 de maio, a Justiça determina a prisão temporária de mais um suspeito, Evandro Wirganovicz. Irmão de Edelvânia, ele era suspeito de participação na ocultação de cadáver, abrindo a cova. Em 13 de junho, a prisão preventiva de Evandro foi decretada.

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