A Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) aprovou na terça-feira (14) um Projeto de Lei do Senado que pretende obrigar aos presos ressarcir os gastos do Estado com sua manutenção enquanto estiver no cárcere. O projeto é de autoria de ex-senador Waldemir Moka e altera a Lei de Execução Penal (LEP). A matéria ainda deve ser votada no Senado, mas levanta dúvidas entre especialistas sobre sua aplicabilidade.
O texto chegou a ser analisado no Plenário do Senado no dia 7 de maio, mas foi remetido à CDH a pedido do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP). O receio de alguns parlamentares era de que a imposição do pagamento levasse o apenado a trabalhos forçados ou piorasse a situação dos condenados endividados na sua reintegração, já que poderão estar com uma dívida elevada em seu nome.
Hoje, a LEP, nos artigos 12 e 39 – que podem ser alterados caso projeto seja aprovado –, garante ao apenado o fornecimento de alimentação, vestuário e instalações higiênicas dentro das assistências materiais. E que, “quando possível”, o apenado deve indenizar ao Estado as despesas realizadas com a sua manutenção mediante desconto proporcional da remuneração do trabalho.
Com o novo texto, o apenado fica obrigado a pagar ao Estado as despesas relacionadas à sua manutenção enquanto estiver no cárcere. Sendo que, se não possuir recursos próprios, deve trabalhar para efetuar o pagamento (com desconto mensal de 1/4 da remuneração recebida).
Em casos de extrema pobreza, o débito deve ser suspendido, podendo ser cobrado em até cinco anos, caso o preso saia da situação. E, em caso de presos provisórios, o valor deve ser cobrado normalmente e depositados judicialmente, uma vez que se houver absolvição os recursos devem ser devolvidos.
Aplicabilidade duvidosa
Mestre em Direito e presidente do Conselho da Comunidade do Sistema Penitenciário (CCSP), Vinicius Francisco Toazza coloca em xeque o texto do projeto diante da falta de estrutura das unidades penitenciárias e questiona a aplicabilidade da proposta. “Temos 110 casas no Estado e quase nenhuma tem uma estrutura adequada para aplicar um laboratório, uma sala de trabalho. Então como se cria uma lei para o preso custear a própria estadia? Qual será a parte de estrutura para isso?’, questiona. “Então primeiro se cria a estrutura e depois se cria a Lei.”
Ele cita como exemplo o Presídio Regional de Passo Fundo (PRPF) e o Presídio Estadual de Carazinho, em que a superlotação fez com que o refeitório, laboratório de trabalho e salas de aula se convertessem em alojamento. Um problema, aponta, comum em todas as unidades do estado. “E se o preso se negar a trabalhar, qual medida será dada? Vão prender? Ele já está preso. Pena de morte não existe, pena perpetua não existe. É mais para contentar a massa. Mas de fato é uma lei sem aplicabilidade, sem praticidade nenhuma”, aponta.
Hoje os recursos para manutenção das casas prisionais vêm do Fundo Penitenciário Nacional (Funpen), criado em 1994. O Fundo é abastecido por diversas fontes, que vão de valores de multas, imóveis até fianças, e deve ser aplicado, inclusive, para implantação de medidas pedagógicas relacionadas ao trabalho profissionalizante até formação educacional e cultural do preso e do internado.
Para o advogado Criminalista e professor do Curso de Direito da Imed, Gabriel Ferrreira, o que há é uma má gestão desse fundo, o que cria uma defasagem nas unidades prisionais. “Há muito dinheiro, só que esse dinheiro é mal gerido, ele é gerido para outros fins, que não aquele que deveria”, defende.
Na justificativa do projeto é citado sobre a dignidade que o trabalho cria ao apenado. Porém, ainda que a LEP já aponte a inserção no mercado de trabalho, Ferreira analisa que não há espaços na iniciativa privada para a inserção dos presos.
“A dúvida que eu tenho em relação a esse anteprojeto é quem irá empregar esse sujeito? Em que condições ira empregar? Qual a legislação que nós vamos fazer cumprir? É a legislação trabalhista? Em quais moldes? Qual o valor de remuneração de preso e qual o valor de desconto?’, questiona.
A proposta teve apoio de 45.937 pessoas por meio do canal e-Cidadania, do Senado, contra 1.428 contrários e agora volta para votação no Senado.