Com os olhos verdes inundados por lágrimas é que a vice-diretora da Escola Estadual Ensino Fundamental (EEEF) Jerônimo Coelho, Ana Luiza Pelissoni, tentava consolar o irmão de um estudante que foi algemado no pátio da escola pelo pai de outro aluno no início da tarde de sexta-feira (17). “Quer ficar com a prô? Então vem segunda e me conta. Vai dar tudo certo. Vem na terça, nem que seja. Mas vai dar tudo certo. Sabe que a gente quer bem vocês!?” O garoto, de 12 anos, ouvia atendo, apoiado no corrimão da escadaria que leva à entrada da escola.
Ele chegou depois das 16h, quando soube que seu irmão havia sido levado ao Hospital das Clínicas dentro de uma ambulância após ser algemado no pátio da escola, que fica no bairro São Cristovão de Passo Fundo. Sabia quem havia deixado o irmão assim.
“O filho dele me chama de nego na rua”, conta, dizendo que o homem, um policial militar aposentado de 54 anos, também lhe mostrou uma “arma preta” em outra ocasião. “Ele disse que ia matar meu pai”, conta o garoto, que não vive com o pai, já que ele e sua mãe são separados.
Dois anos de problemas
Segundo Ana Luiza, que ainda estava abatida no meio da tarde de sexta-feira, por volta das 13h30, horário em que os alunos do turno da tarde chegam na escola, o policial militar aposentado, acompanhado da esposa, atacou o adolescente.
O garoto tem 16 anos e é estudante do 6º ano na escola. Ana Luiza não iria à tarde na instituição, mas o foi porque junto de outros colegas conduziria uma atividade organizada pela Comissão Interna de Prevenção a Acidentes e Violência Escolar (Cipave). “Há dois anos para cá viemos enfrentando esse problema”, desabafa sobre os conflitos que diz existirem entre o estudante e o policial aposentado. De acordo com ela, há uma rixa entre o filho deste homem com o irmão do adolescente que foi algemado.
“Mas esse menino [o de 12 anos] está afastado momentaneamente da escola. Ele está em casa até que a mãe consiga o tratamento psiquiátrico para ele. Ele nem é mais colega do filho dele. Agora ele [o policial aposentado] tem uma implicância com o que é maior. E hoje, pela entrada, ele abriu a mochila do guri, vistoriou, e encontrou uma chavezinha de fenda e um parafusinho, mas é porque ele traz o skate junto. E o pai deu um surto. Ele pulou no guri, deu um gravatasso, o guri ficou imobilizado. A mulher dele pegou as algemas, colocou no guri, algemou, prendeu ele na grade da parede e ninguém tirava o homem de cima do guri”, narrou a vice-diretora.
Algemado na escola
A cena foi filmada por estudantes que compartilharam nas redes sociais. Em um dos vídeos é possível ver o policial afastado segurando o adolescente pelo pescoço, contra a parede, enquanto sua esposa, de 39 anos, começa a algemá-lo.
O adolescente geme e tenta se desvencilhar, até que é derrubado, quando o homem puxa seus braços para trás. “Meu braço!”, é possível ouvir o adolescente gritar. O homem insiste e fica sobre o garoto, que está no chão, terminando de fechar as algemas. Enquanto o adolescente é agredido uma mulher pede: “É abuso de poder! [O senhor] não está na ativa! Não pode fazer isso!”. Em outro vídeo, quando a Brigada Militar chega ao local, um dos agentes pede que a mesma mulher mantenha a calma. O homem que algemou o garoto permaneceu ao lado e o adolescente foi levado pelo Corpo de Bombeiros ao hospital.
“E a gente tá assim, meio abalado”, desabafou a vice-diretora. “Estamos completamente entristecidos, chocados. Teve crianças que passaram mal depois. Teve alguns pais que vieram buscar os filhos. A gente tá assim, eu fiquei muito magoada, sentida. Porque foi bem justamente quando iríamos fazer uma ação com alguns alunos sobre a questão da violência na escola.”
Outra versão
O caso foi registrado da Delegacia de Polícia de Pronto Atendimento (DPPA). Aos policiais, o homem apresentou uma versão contrária ao narrado pela direção da instituição.
Segundo ele, o seu filho, que estuda na mesma escola, vem sofrendo ameaças, agressões e bullying tanto pelo adolescente que algemou na tarde de sexta-feira, quanto pelo irmão dele. O adolescente algemado também teria ameaçado esfaquear o filho do policial aposentado.
No registro policial ele cita que já denunciou outras situações envolvendo os garotos e que, na tarde de sexta-feira, foi a escola e pediu para ver a mochila do adolescente e conferir se havia algum objeto cortante.
Quando a abriu encontrou a chave de fenda. De acordo com o Boletim de Ocorrências, o adolescente não permitiu que o homem continuasse mexendo na sua mochila e atirou o skate contra a esposa, que teria se machucado.
Uma mãe e uma aluna passaram mal e também tiveram que ser socorridas. Outras duas mães também manifestaram interesse em retirar os filhos da escola devido ao caso.
A diretora da instituição também foi ouvida para o registro da ocorrência e denunciou que conforme pais, professores e alunos pediam que o homem parasse com as agressões, ele colocava a mão na cintura, onde estava a arma, como forma de intimidação. Ela disse que em nenhum momento viu alguma ação do adolescente que pudesse motivar a agressão. O caso foi registrado como lesão corporal. As investigações ficam por conta da Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente.