?sltimos treinamentos antes de irem às ruas

Com rotina pesada, 83 alunos soldados da Brigada Militar, Pólo de Ensino de Passo Fundo, se preparam para formatura no final de julho

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A última aula com espingarda calibre 12 de uma das três turmas de alunos soldados do Pólo de Ensino de Passo Fundo foi na manhã de ontem (12), na Associação Beneficente Antônio Mendes Filho da Brigada Militar (Abamf), às margens da BR 285. Os pouco mais de 20 alunos deixaram o pólo depois da formatura matinal, realizada às 7h, quando hastearam a bandeira do Brasil, cantaram o hino nacional e assistiram orientações sobre como fazer a abordagem por outro grupo de alunos. “A busca pessoal independerá de mandado”, orientou um dos alunos, único à paisana, vestido com calça, casaco e boné, que representou um cidadão abordado e revistado pela Brigada Militar. “A pessoa tem que colaborar, manter a calma”, acrescentou, reforçando que, caso a abordagem seja feita à noite, a luz interna da viatura precisa estar acesa. Ele e os outros alunos soldados que passaram a orientação foram aplaudidos pelos demais, e depois voltaram para suas posições. Dali, os grupos se retiraram. Um deles foi ao microônibus da Brigada Militar para ir à Abamf. 

 

Sob os olhos do Tenente Rudimar Pereira Aires, ou apenas Tenente Aires, os 83 alunos soldados que ingressaram em novembro de 2018 no pólo se preparam para tornarem-se policiais militares. A formatura do grupo é prevista para final de julho, desde que não reprovem. Dos alunos do Pólo de Ensino de Passo Fundo, 68 são homens, 15 mulheres e 20 do total veio de outros estados. No pólo, que se divide por uma grade da Escola Estadual de Ensino Fundamental Wolmar Antonio Salton, Ciep Bom Jesus, as salas são usadas para, além de espaços de aulas, alojamentos aos alunos soldados que optaram por morar na instituição.


Ali as atividades começam às 7h, com intervalo entre 10h15 e 10h30, 12h e 13h, mais 15 minutos no período da tarde, e se encerram por volta da 18h. Nesta reta final, o tenente também destaca atividades aos sábados, sobretudo estágios, quando os alunos começam a ocupar a cidade, apresentando-se à população. Aires, que dos 36 anos tem 16 de Brigada Militar, já ajudou a formar outros brigadianos. Em Montenegro, no ano de 2016, foram 398 alunos, de um grupo que iniciou com 419. “Alguns desistem, reprovam. Percebem que não é isso que querem”, delineia. No próprio Pólo de Ensino de Passo Fundo houve desistências, todas no início das atividades. “É que a Brigada é muito mais que um emprego”, disparou o tenente.


Diante de críticas sobre abuso de autoridade ou tendenciosidade na determinação do que é uma “atitude suspeita” de um indivíduo que leve a uma abordagem policial, ele justifica: “Um dos objetivos da Brigada Militar é primar pelos Direitos Humanos. A polícia não é contra os Direitos Humanos, é difusor.” E acrescenta sobre a formação dos alunos soldados: “Nos sentimos responsáveis pelo que vamos entregar à sociedade. Pois é da doutrina militar o senso de responsabilidade, o cuidado com a coisa pública e o espírito de corpo – de pertencer a uma corporação”.


1.675 horas de aula
Na Abamf, os 28 alunos recebiam as últimas orientações sobre uso de espingarda calibre 12. As armas estavam dispostas sobre uma bancada em um dos espaços cobertos, que dava para a área onde eram distribuídos os alvos – simuladores de corpos e latões, marcados com disparos de arma de fogo de outras aulas.


Ventava no local e, perto das 9h, a capitã Graciela Michelotti Dall Ongaro, ou apenas capitã Michelotti, instrutora de tiro junto do Major Laudemir, pediu que os alunos montassem a pista. Ela havia acabado de segurar as armas e pedido que os futuros brigadianos repetissem o nome das partes que compõe o armamento. A capitã que ensina, é natural de Caiçara – cerca de 200 quilômetros de Passo Fundo –, e policial há 16 anos, sendo que há dois atua como instrutora de tiro.


Ensinando aos alunos soldados a manusearem espingardas calibre 12 era como se esse nunca tivesse sido seu problema quando entrou na instituição. Por ser baixa, esse tipo de arma convertia-se em um desafio ao seu próprio corpo – superado, inclusive, com uma especialização em Uso da Força e da Arma de Fogo, concluída em 2017. “No meu ver vocês estão habilitados depois dessa aula”, anunciou aos alunos, sobre a possibilidade de levarem esse tipo de arma nas atividades de campo. “Não vejo problema, mas tem que falar com quem está coordenando o estágio.”

 

Os alunos aguardavam a chegada do Major Laudemir da Rosa Gomes, ou apenas Major Laudemir, para iniciarem as atividades. A reportagem também não pode fotografar antes da chegada dele. Quando chegou, descontraiu os alunos. “Hoje não posso xingar vocês porque trouxeram uma jornalista junto”, rindo em seguida, no que chamou de “brincadeira” para relaxar a turma antes de lidar com o armamento.


Ele e a capitã se dividiam, acompanhando um aluno cada durante o circuito na pista de treino. Cada aluno tinha 24 projeteis para serem disparados, protegendo-se atrás dos latões e mirando nos alvos que imitavam um busto humano. “Mas a arma é o último recurso que o policial deve usar”, explicou a capitã. “Ou quando precisa para legítima defesa. Senão se opta por outros níveis de força.”


O objetivo das aulas, além de ensinar os alunos a utilizar uma arma de fogo, é ensiná-los sobre a decisão de tiro. A linha entre o momento de usá-la, ou não. A prova foi realizada durante à tarde. Além desta atividade, os alunos são submetidos a aulas teóricas e na modalidade de ensino à distância, totalizando 52 disciplinas distribuídas em 1.675 horas/aula.


Fardados
Os alunos solados Luis Fernando Noll, de 22 anos, e Leonardo Miguel Reichert, de 24 anos, estavam sentados ao sol após passarem pela última aula com a espingarda calibre 12. Ambos compartilham o sonho de “sempre” quererem ser um policial militar. Noll é natural de Passo Fundo e na cidade estudou no colégio militar Tiradentes. Após a conclusão do Ensino Médio, estudou Direito, formando-se e prestando concurso para a Brigada Militar.


Reichert serviu ao Exército Brasileiro, onde ingressou aos 18 anos. Ele é natural de Marechal Cândido Rondon, no Paraná – cerca de 600 quilômetros de Passo Fundo. “E acho que se tem alguma dificuldade é a saudade da família”, pontuou. “Para mim é isso, porque já tinha uma adaptação com a rotina militar devido ao Exército.” Ambos tentaram atividades fora da carreira militar, mas sentiram-se frustrados. O que deixam claro é que os valores trazidos de casa são o mote para a criação de novos soldados, que se portem de acordo com a lei. “Nesse meio é muito fácil se corromper. Porque você está diariamente em contato com o crime. Mas a ética precisa prevalecer”, avaliou Reichert.


Bruna Pizzolato, de 23 anos, e natural de Cruz Alta, que também já havia realizado a atividade pela manhã, também se viu de cedo na carreira militar. Sobretudo após seu noivo ingressar na instituição anos atrás. “Não se tem rotina, mas mobilidade. Se vive cada ocorrência como uma ocorrência, se tem o contato com o armamento, além da prestação de serviço à sociedade”, elencou como fatores que a fizeram optar pelo serviço.


Como uma das 15 mulheres na turma que deve se formar no final do próximo mês, ela elogia o comando. Disse que pensou que sofreria, mas que ficou surpresa com o respeito na instituição – que ainda tem quatro capitãs. Nesta semana, ela está como xerife da turma, sendo responsável por apresentar as faltas e o pelotão aos superiores, além de outras atividades organizacionais. Levanta 5h40 todos os dias – mesmo que as atividades oficiais só comecem às 7h – e se a inserção na instituição a fez se tornar insensível, ela rebate: “Não diria insensível. Digo que ficamos mais preparados. Porque não somos pessoas insensíveis. Somos pessoas preparadas para resolver situações de conflito.”


As atividades seguem com os alunos soldados, que nas atividades de estágio ainda devem se distribuir em praças da cidade para se tornarem policiais militares.

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