Foi na tarde de segunda-feira (17) que a jornalista Claudia Dalmuth, de 22 anos, recebeu de volta sua carteirinha com cartão de crédito e R$ 27 das mãos do senegalês Pape Saliou Camara, de 35 anos. O músico e ambulante havia encontrado o documento caído no chão no final da tarde de sábado (15), próximo a uma fruteira na Avenida Brasil, e quis devolve-lo nas mãos do jornalista. “O temor a Allah e a educação faz assim”, justifica.
Claudia saiu de casa no sábado (15) para fazer uma tatuagem em um estúdio no centro de Passo Fundo. Antes de ir para casa, parou em uma fruteira para comprar um refrigerante. Sem perceber, deixou uma carteirinha em que carregava cartão de crédito e o troco de R$ 27 cair no chão.
A jornalista só foi dar-se conta da perda quando estava na parada de ônibus. Claudia ainda tentou resgatar o documento e o dinheiro. Voltou à fruteira, mas não o encontrou. “Como não tinha muito a ser feito fiquei meio desanimada, decidi ir para casa e cancelei o cartão de crédito pelo aplicativo do celular, para garantir que ninguém iria tentar usar”, relembra.
Por volta das 17h30, Pepe também foi à mesma fruteira, e, ao sair, deparou-se com uma carteira no chão. Logo que a viu, a tomou em mãos. Notou que havia um cartão de banco e mais R$ 27 dentro. Por trabalhar próximo à fruteira, voltou ao serviço, mas permaneceu atento na intenção de encontrar alguém procurando o documento e o dinheiro.
Não era a primeira vez que isso acontecia com Pepe. Certa vez, quando fazia um show, encontrou uma carteira repleta de cartões e com 100 dólares dentro. A guardou naquela ocasião e, após a apresentação, percebeu um homem preocupado, revirando os bolsos do paletó. “Está tudo bem?”, perguntou a ele. E ele disse que não, contando e descrevendo a perca. Com a certeza que a carteira era do homem, Pepe a devolveu.
Agora tinha a de Claudia nas mãos, mas deixou o serviço frustrado por não a encontrar. Em casa, e com apoio da esposa, Marilândia Sousa da Silva, foi que encontrou Cláudia na rede social Facebook.
“Adicionei ela e perguntei se tinha perdido algo e ela já descreveu tudo. Que tinha perdido o cartão, que era roxo, qual o banco e o valor. Aí disse: meu esposo encontrou seu documento e está conosco. Queremos saber como podemos fazer para você recuperar. (...) Ela disse que esperava até segunda, e dei a descrição de onde ele fica vendendo e ela disse que estaria lá na parte da tarde”, conta Marilândia, sobre o contato com Cláudia, que recuperou o cartão e os R$ 27 às 13h da segunda-feira.
“Pepe pediu meu documento para confirmar quem eu era e devolveu tudo do jeito que havia encontrado, sem pedir nada em troca”, descreve a jornalista.
Marilândia disse que em todos os momentos ela e o marido estiveram preocupados em encontrar a dona dos pertences perdidos. Se não a achassem por meios próprios, iriam a uma das rádios da cidade, para que anunciassem a perda. “Fomos criados para não ficar com o que não é da gente. O que é nosso é nosso, o que é dos outros é dos outros. Só podemos ficar com o que for ganho com os nossos braços, com o nosso trabalho. O que for ganho de forma irregular, que não for permitido por deus, nós não podemos ficar. Acho que isso não é de religião, isso é de educação”, frisou.
Por seu marido ser senegalês e há dois anos buscar um emprego formal em Passo Fundo, sem conseguir, ela ainda teceu uma crítica a forma como os olhos se voltam aos imigrantes e negros da cidade, frisando que cor da pele e origem não são justificativas de mau caráter. “Estrangeiros, não são invasores ou vagabundos, estão aqui para trabalhar e ajudar as famílias que ficaram lá, longe. Muitos casados deixaram esposa, filhos e os demais da família para dar um pouco aos seus, só que não têm oportunidades, ou as oportunidades são poucas. Negros são gente, têm coração, sentimentos e sofrem, mas mesmo assim com tantas dificuldades não ficam com o que não é seu.”