Uma semana após ser assinado o termo de cessão de uso que destinou o espaço da antiga Escola Aberta, desativada há dois anos, para a construção do centro de reintegração da Associação de Proteção e Assistência ao Apenado (Apac), autoridades voltaram a debater o método em uma audiência pública na Universidade de Passo Fundo (UPF), na manhã de sexta-feira (23). Conduzida pelo presidente da Comissão de Segurança e Serviços Públicos, deputado estadual Jeferson Fernandes (PT), a audiência detalhou o método Apac e apontou experiências no Estado, com base na primeira unidade Apac, instalada em Porto Alegre.
“O que eu posso fazer é dar o testemunho de que essa iniciativa vale muito a pena”, defendeu o procurador de Justiça Gilmar Bortolotto. “Estou há 22 anos trabalhando com presídios e vendo reações que nunca vi, de gente muito complicada que ressocializou.”
Em Porto Alegre a Apac começou com dois apenados que receberam treinamento na Apac de Barracão e retornaram para a capital. Foram dois anos para que fosse instalada a unidade e nesse período outras 10 já foram implementadas no Estado, mas ainda no papel. A expectativa, de acordo com Fernandes, é que a segunda que passe a entrar em vigor, com estrutura própria e com detentos, seja a de Passo Fundo.
A unidade terá capacidade para até 120 detentos, que passam a ser chamados de reeducandos quando entram na Apac. A previsão é que a estrutura cedida, vandalizada com o tempo e há dois anos desativada, seja reformada e receba os primeiros internos a partir do próximo ano.
Método
No método o apenado que recebe autorização para ser internado em uma unidade Apac entra em uma rotina rigorosa que começa às 6h e encerra 22h. Nesse período de 16 horas ele é submetido à laborterapia, aulas e meditação. As atividades são organizadas conforme os pilares do método Apac, que ainda avaliam o preso. A pena não é encurtada por estarem dentro de um sistema Apac e o centro de reintegração também não busca sanar o problema da superlotação dos presídios. O objetivo é conceder uma alternativa mais efetiva para a contenção da criminalidade.
“Primeiro que o castigo por si só, o isolamento, tende a piorar o sujeito”, avalia Fernandes, comparando com o sistema convencional. “Ao ficar sem ter o que fazer ele vira um bárbaro, ele se desumaniza e, quando sai do castigo, vamos falar assim, ele volta pior (...) Hoje o atual apenado do sistema convencional está ocupado em função do que a facção criminosa que ele permanente diz que é para ele fazer. Então virou literalmente uma escola do crime nosso sistema convencional.”
Hoje, a reincidência de presos no sistema convencional chega a 70% no Estado do Rio Grande do Sul, segundo dados da Superintendência de Assuntos Penitenciários (Susepe). No método Apac, a reincidência cai para 15%. “Porque a maior segurança dentro de uma Apac não é uma arma, é o comprometimento”, frisa Bortolotto.
"“Cada preso recuperado é uma arma a menos na rua”
Procurador de Justiça que acompanhou a implementação do método Apac em Porto Alegre, Gilmar Bortolotto é incisivo em defender o método com base nos resultados estudados em unidades de Minas Gerais, berço do método Apac. Após a Audiência Pública na manhã de sexta-feira, ele esclareceu detalhes sobre o custeio do sistema e com base nos dados da reincidência apontou para o ganho social: “Cada preso recuperado é uma arma a menos na rua”.
O Nacional: Foi dito que os presídios convencionais estão se tornando “escolas do crime”. De que forma a Apac vem e muda esse cenário e qual sua diferença para os presídios comuns?
Gilmar Bortolotto: O método Apac é uma proposta, um pedaço da necessária melhoria que precisamos fazer no sistema carcerário. É uma proposta bem objetiva, simples, mas o método que se aplica ali dentro do estabelecimento onde estão os presos da Apac é muito diferente do sistema comum. Tem a ver com valorização humana, reflexão sobre o caminho que o sujeito está trilhando e o custo disso: para ele, para a família e para a sociedade. A gente não pode esperar que vá haver qualquer tipo de mudança no modo como uma pessoa vive só com base na punição. A punição é um pedaço importante dessa proposta de mudança, mas também precisa ser acompanhada de um novo jeito de fazer as coisas. E isso é o que se pretende comunicar para o preso que está na Apac. E a Apac tem uma capacidade de atender essa população com um custo muito menor. O custo per capita do preso, no estado, é no mínimo R$ 2,5 mil. A Apac em funcionamento, em Porto Alegre, faz isso com a metade desse valor.
ON: E como o método Apac impacta a criminalidade nas cidades em que ela existe?
Bortolotto: O cidadão de uma cidade que tem Apac precisa pensar que cada preso recuperado é um arma a menos na rua. O sujeito que muda de ideia nessa caminhada não irá mais ofender pessoas. Para a pessoa que é da cidade, ela precisa, pelo menos, conhecer o projeto e ter humanidade até para olhar antes de emitir qualquer opinião. Esta é a ideia: tirar a mão de obra do crime. Em síntese a proposta da Apac é pela via da mudança pessoal, uma proposta que o preso aceita se achar que é bom pra ele.
ON: Uma parceria estado sociedade...
Bortolotto: Uma parceria estado sociedade! E está dentro do organograma da Secretaria de Administração Penitenciaria. Então todo o dinheiro que vai para a Apac sofre fiscalização do Ministério Público, Tribunal de Contas, Contadoria Geral do Estado. É um sistema muito controlado.